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A unidade da Nação e o contratualismo federal: Nação, Pátria(s), Indivíduos

No documento A cidadania no Ultramar português (páginas 114-124)

4. O modelo vintista positivado

4.6. A unidade da Nação e o contratualismo federal: Nação, Pátria(s), Indivíduos

Durante o ano de 1822, o discurso sobre a diversidade das províncias que compunham a Nação e a necessidade de leis acomodadas a (e que acomodassem) essa diversidade e, para as

formar, de deputados conhecedores das realidades locais, atingiu o seu ponto máximo 360, dando

lugar à tese da necessidade absoluta da presença de deputados do, nascidos e domiciliados no ultramar, porque “os legisladores devem sempre ter em vista as localidades, e os hábitos e

costumes dos povos para que legislam” 361. Nessa altura, deputados eleitos nas capitanias

brasileiras defenderam que determinadas questões – como o governo das províncias, os poderes

das Juntas, as câmaras municipais – só pudessem ser resolvidas quando estivessem presentes

todos os deputados eleitos do outro lado do Atlântico 362. Muitos problematizaram, abertamente, a

natureza “apátrida” do deputado da Nação, assim como o conceito de representação que se articulava com o seu mandato. Nessas sessões, o Brasil começou a ser percepcionado como um segundo território da Nação.

“Esta nação Portuguesa está dividida em dois territórios; dois territórios divididos

entre si e cuja união tem imensas dificuldades”363.

Nessas mesmas sessões (nomeadamente, na de 1 de Fevereiro), o Brasil começou também a ser ostensivamente designado como Pátria, tornando-se claro, na voz de alguns deputados (mesmo quando eleitos pelo continente), que a Nação portuguesa integrava várias Pátrias. Socorrendo-se desta concepção, que dissociava perigosamente a pertença natural à Pátria, entendida como ”o lugar onde se nasceu”, da pertença artificial à Nação, fundada num contrato, muitos deputados vindos da América passaram a assumir-se como representantes dos

interesses da sua “Pátria” 364. E, uma vez que o conjunto de deputados eleitos na América estava

longe de constituir um grupo coeso, de ser portador de um projecto único 365, também a

diversidade inter-provincial, na América, foi descrita na sua irredutibilidade, tornando indispensável, para alguns dos deputados eleitos na América, a presença de deputados de cada

360 V. DCGECNP, sessão de 4 Março de 1822, pp. 378-381. O acentuar desta perspectiva esteve

directamente relacionado com a chegada, a 11 de Fevereiro, dos deputados por S. Paulo, por motivos que se compreenderão já a seguir.

361V. DCGECNP, sessão de 4 de Março de 1822, p. 380, Dep. Moura.

362 Foi o caso, por exemplo, da discussão do Cap. 1, Tit 6 do Projecto da Constituição, sobre

câmaras e juntas administrativas, que Borges de Barros propôs ficasse adiada “até chegarem ao maior número possível os deputados do ultramar”(v. sessão de 4 Março de 1822, p. 378).

363 v. DCGECNP, sessão de 31 de Janeiro de 1822, p. 70, Dep. Barata.

364 “Todos os Deputados deste Congresso, além de representarem os interesses da Nação inteira, tem

uma obrigação particular para com os interesses do seu país, e necessidades da sua província; bem entendido quando o bem particular dessa província não ataca o bem geral; por isso em negócios de sumo interesse para as províncias do Brasil, é imperiosa a necessidade que os seus representantes concorram todos”, v.

DCGECNP, sessão de 4 Março 1822, p. 378, Dep. Lino.

365 Os diversos projectos que se confrontavam estão descritos em Márcia Regina Berbel, A Nação

uma delas 366. Para além do binómio Europa/América, a América portuguesa, pela sua extensão,

por causa da diversidade natural e humana do seu território, não podia ser descrita como um conjunto homogéneo. O que agora estava em causa era, entre outras coisas, o desejo de atenuar a hipótese da centralidade do Rio de Janeiro enquanto capital do Reino Unido na América:

“O Brasil não deve olhar-se como um só país, são tantos países diferentes quantas as províncias; faltar uma deputação é o mesmo que não poder-se tratar dos negócios daquela província; desejava que o Sr. Moura desse atenção aos climas, aos usos, costumes, e distâncias, em que as províncias do Brasil estão umas das outras. As

províncias do Brasil podem chamar-se reinos.”367.

Na mesma sessão recordou-se que não estavam presentes na Assembleia deputados de todas e cada uma das províncias e voltou a enfatizar-se a mesma ideia de diversidade extrema, a exigir deputados diferentes dos abstractos deputados da Nação:

“As províncias do Brasil são outros tantos Reinos, que não tem ligação uns com os outros, não conhecem necessidades gerais, cada um governa-se por leis particulares de municipalidade; portanto, para se tratar deste pacto das Juntas administrativas, cumpre muito e é de absoluta necessidade que se espere pelos Deputados daquelas Províncias que ainda faltam” 368.

Desenhava-se, assim, um quarto plano da diversidade, a que separava entre si as províncias ultramarinas na América. Também essa união tinha que ser pactuada. Possuídas por uma dinâmica de cissiparidade, as Pátrias multiplicavam-se. A Nação, pelo contrário, enfraquecia. Só um contrato mais complexo a poderia salvar.

Confrontados com esta noção de deputado como “representante” dos interesses concretos e múltiplos das respectivas províncias, como porta vozes dos interesses particulares de

cada localidade – a remeter para uma interpretação pluralista da sociedade e do interesse comum,

próxima do constitucionalismo norte-americano369 –, os deputados eleitos no continente europeu

convergiram em torno de um conceito de representação que, em contrapartida, evocava uma interpretação radicalmente unitária, na qual só o deputado da Nação fazia sentido. Um desses deputados descreveu-se a si mesmo como paradigma do deputado da Nação:

366 Uma exigência evidentemente relacionada com outra discussão, que desde o início tinha posto

em confronto os deputados americanos entre si, que era da autonomia dos governos locais brasileiros (Juntas provinciais), chegando alguns “a defender a associação de “reinos” autónomos dentro de uma unidade monárquica”, por oposição a propostas mais centralizadoras, v. Márcia Regina Berbel, A Nação como

artefacto […], cit..p. 131.

367V. sessão de 4 Março 1822, p. 379, Dep. Borges de Barros; o deputado explicou como ele

próprio, sendo “brasileiro”, não se achava capaz de pensar um método de administração geral para as províncias do Brasil, tal era a diversidade destas.

368 V. DCGECNP, sessão de 4 de Março de 1822, p. 381, Dep. Lino.

369 V. Maurizio Fioravanti, Appunti di storia delle costituzioni moderne, le libertà fondamentali[...],

“[…]é então que eu me considero sem pátria verdadeira; é então que eu digo, eu não sou asiático, não sou europeu, não sou americano, nem africano, sou português [...]; e portanto como português, sendo por assim dizer indiferente aos interesses particulares de todas as províncias que constituem a monarquia portuguesa, eu vou com a maior clareza possível, segundo os princípios que ministra a política e a filosofia, pesar os interesses das diversas partes da monarquia portuguesa; e livre de todas as prevenções,

vou decidir dos interesses de todos os indivíduos desta monarquia” 370.

Agora era a Nação e o seu interesse que se devia salvaguardar contra os interesses egoístas das Pátrias. Só enquanto representante da Nação é que o deputado eleito era capaz de cumprir a sua missão de transcender “a particularidade dos interesses inevitavelmente presentes no corpo eleitoral (...) trazendo à luz a irrenunciável dimensão política unitária da Nação” 371.

Aceitar qualquer mecanismo próximo do mandato imperativo era fazer irromper na assembleia os

interesses particulares, era destruir a unidade que se estava a querer refundar 372. Estas e outras

exortações não impediram, contudo, que, na sessão de 3 Julho de 1822, a ameaça federalista que muitos deputados tinham temido desde a abertura das Cortes se tivesse materializado num

Aditamento, proposto por um grupo de deputados americanos 373. Nesse documento era

assumido como verdade irrefutável que “as localidades e circunstâncias do Brasil o diferenciam

essencialmente de qualquer regime, e sistema europeu”. Num dos quinze itens que o constituíam,

previa-se a existência de dois Reinos – o do Brasil e o de Portugal e Algarves –, cada um com o seu Congresso legislativo, dotado da capacidade de legislar sobre o “governo interior” de cada um dos Reinos. A existência de dois congressos e o conceito de “governo interior” foram as grandes novidades trazidas por este projecto. Outras novidades foram também a criação de uma “Assembleia federal” – as “Cortes Gerais de toda a Nação compostas de cinquenta deputados tirados das Cortes especiais dos dois Reinos” – e uma delegação do poder executivo na América

374.

Este Aditamento trouxe para a discussão uma terceira alternativa, uma outra solução para refundar a unidade em termos igualitários. Essa refundação passava, agora, por uma solução

370 V. DCGECNP, sessão de 4 de Março de 1822, p. 178, Dep. Castelo Branco.

371 V. M. Fioravanti, Appunti di storia delle costituzioni moderne[…], cit., p. 64.

372 E era, além disso, optar por uma solução que tinha ressonâncias arcaicas, por se assemelhar ao

antigo mandato imperativo dos representantes dos três Estados de Antigo Regime.

373 V. sessão de 3 de Julho de 1822. Tratava-se dos deputados eleitos por S. Paulo, que,

efectivamente, eram agentes de um mandato que os vinculava às instruções marcadamente autonomistas ditadas pela Junta de S. Paulo. Sobre o conteúdo dessas instruções veja-se Márcia Regina Berbel, ibid., p. 133.

374 Os quinze artigos deste projecto – que começou a ser discutido em cortes a 26 de Junho de 1822

e foi definitivamente reprovado a 6 do mês seguinte - estão reproduzidos em Márcia Regina Berbel, A Nação

como artefacto[…], cit., p. 171 e ss.. Já antes, no projecto apresentado na sessão de 11 de Fevereiro de 1822

pela delegação de S. Paulo, se previa um “governo-geral executivo para o reino do Brasil” e a paridade dos deputados do ultramar e da metrópole nas Cortes; Márcia Berbel descreve também o processo que conduziu da divergência inicial à convergência da maioria dos deputados brasileiros em torno destes projectos (ibid., p. 127 e ss.).

federal, que uniria no seio da mesma Nação não uma, mas duas (ou mais) Pátrias diferentes, uma solução que devia ser contratada por indivíduos da mesma “família”. Era uma solução inspirada no modelo imperial britânico (o do Império grego), mas bastante mais igualitária, já que boa parte das atribuições da assembleia federal proposta equivaliam, no modelo britânico, a atribuições do Parlamento inglês. Uma solução mais próxima, portanto, de um verdadeiro federalismo, e por isso esteve na origem de um esboço mais claro de oposição entre os interesses dos “portugueses da América” (que estavam longe de ser homogéneos) e dos “portugueses da Europa”, que a

rejeitaram. É que no registo em que estes últimos se situavam – no qual, por um lado, Pátria e

Nação tendiam a ser a mesma coisa e, por outro, a Nação se exprimia como realidade unificada

na medida em que se fazia representar numa só Assembleia, como se viu – a duplicidade das

assembleias era incompatível com a unidade da Nação, como acabou por explicar o deputado Castelo Branco:

“[…]se não nos é licito duvidar neste congresso de que os portugueses da América não são outra coisa mais do que uma parte constituinte da grande Nação portuguesa espalhada pelas quatro partes do globo, como é que pode conceber-se o absurdo projecto de duas representações nacionais, uma na América, outra na Europa ?” 375.

Outros deputados optaram por contornar os problemas postos pelos conceitos de Pátria/Nação apoiando-se na universalidade do indivíduo abstracto para o qual se estava a legislar. Era o indivíduo e o seu interesse, as suas relações com os outros poderes e com o poder do Estado, que deviam estar no centro das decisões constitucionais. Esquecido da “Pátria” e alheado da “particularidade” dos interesses locais, o indivíduo “igual” e “geral” devia ser o sujeito da Constituição, o objecto no qual se devia concentrar o olhar neutro do deputado da Nação. As “Pátrias” e os sentimentos a elas associados, os interesses “particulares”, podiam, deviam, ser subsumidos nessa outra entidade que era o indivíduo, anterior quer à pertença “natural” a uma Pátria (ou a uma Nação entendida no seu sentido mais orgânico, (v. infra, 7.1), quer à pertença artificial a uma Nação (entendida no seu sentido contratual):

“Admiro-me na verdade [dizia o deputado Arriaga] que quando se trata da Constituição política que deve reger a Nação portuguesa em ambos os mundos se produzam como obstáculos à unidade do sistema que a deve caracterizar, as partes heterogéneas, que oferecem os diversos climas da Europa e América. É incontestável, que pelo que pertence aos Reinos animal, vegetal e mineral, e enquanto a particularidades locais, há entre os dois Reinos muitas singularidades, que por heterogéneas pedem ao legislador diversas e muito peculiares providencias; que sem dúvida deverão conceder-se, quando houverem de regular-se tais matérias; porem é muito diverso hoje o nosso objecto; em que se trata da espécie humana, e de fixar os deveres e direitos do homem entre si e os seus imperantes; e neste assunto não sei como pode

admitir-se entre portugueses a hipótese de serem susceptíveis de partes heterogéneas” 376.

A verdade, porém, é que este tópico individualista, a remeter para uma visão atomística da sociedade como conjunto de indivíduos cujos direitos a Constituição devia garantir, conviveu, no discurso do mesmo o deputado, com um insistente apelo ao conceito orgânico, supra-individual, natural, de Nação, a uma unidade nacional mais profunda, que a representação política, ainda antes de fundar, já exprimia:

“Eu considero os portugueses em qualquer parte do mundo em que se achem sempre dotados do mesmo espírito, e carácter nacional, e homogéneos em linguagem, costumes, religião, governo, e patriotismo. Pela história e tradição sabemos que tendo eles levado as Quinas portuguesas às quatro partes do mundo, as souberam sempre venerar, e respeitar de maneira tal, que usando das suas leis em todos os países, onde arvoraram aquela, nunca a influência dos diversos climas, e cultos, ou interesses os puderam jamais abalar a arrecadarem-se da crença de seus maiores, nem da sua obediência, e fidelidade à monarquia pátria. Por certo que os portugueses de hoje não degeneraram, e portanto não compreendo como não possa quadrar para os portugueses no Brasil a mesma Constituição política que liga os portugueses na Europa. Façam-se-lhe muito embora as alterações que exigirem algumas circunstâncias peculiares de localidade, mas sem que impliquem com a substância, e unidade do sistema do pacto social

adoptado para Portugal, e já jurado com as bases pela Nação” 377.

O registo contratualista que as últimas palavras deste discurso evocam articulou-se, por fim, com argumentos estritamente jurídicos. De acordo com esses argumentos, os deputados estavam limitados pelas condições impostas no momento “contratual” da adesão às Bases da Constituição. A anterioridade desse contrato fazia da união, por ele consumado, um objecto que

se subtraía ao momento constituinte 378. Na “proclamação dirigida ao povo do Brasil” (17 de

Agosto de 1822), explicava-se porquê, recorrendo-se aos princípios do direito natural e das gentes

379.

376V. DCGECNP, sessão 3 Julho de 1822, p. 681, Dep. Arriaga.

377 V. DCGECNP, sessão de 3 Julho 1822, p. 661-662.

378 Com a adesão às bases da Constituição, os povos da América, de África, e da Ásia, tinham

confirmado a sua vontade de existir como “partes componentes da grande Nação Portuguesa, e nenhuma destas partes tem direito de separar-se do todo”, v. DCGECNP, na sessão de 19 Setembro de 1822, Dep. Barreto Feio, p. 517. A ideia de que os deputados eleitos no Brasil não podiam aprovar a criação de um centro legislativo na América tal como se propunha nos Actos Adicionais foi expressa pelo deputado eleito pelo Pará em Manifesto que faz o Bispo e Deputado da província do Pará D. Romualdo de Sousa Coelho

sobre os motivos do seu voto contra o projecto de hum centro de poder legislativo no Reino do Brazil

(Lisboa, 1822), um texto que é sintomático da ausência de um projecto “brasileiro” com o qual se identificassem todos os deputados eleitos na América.

379 V. Clemente José dos Santos (ed.), Documentos [...], t. I (1820-1825), cit., p. 356 e ss. Esta

argumentação jurídica foi exposta em vários documentos, nomeadamente num Projecto de Decreto sobre o

As adições propostas nos Actos adicionais não eram definitivamente compatíveis com a unidade do Império tal como a entendiam os deputados europeus e o impasse a que se chegou, face à natureza contraditória dos diversos projectos, ajudou a criar condições para que, no fim, se tivesse concretizado a solução que, no início, se tinha mantido afastada do horizonte “público” da discussão, a independência da parte americana do território, fenómeno cuja complexidade causal não faria sentido tentar reconstituir aqui.

4.7. Conclusão

Quando os deputados constituintes vintistas se reuniram para votar, primeiro, as Bases da

Constituição e, depois, a Constituição, havia um conjunto de ideias que eram partilhadas por todos

eles. Uma delas era a ideia da unidade da Nação, que tendiam a descrever como uma unidade anterior a qualquer pacto, embora tivesse sido depois juridicamente confirmada por um pacto,

materializado na adesão das capitanias ultramarinas às Bases da Constituição 380. A anterioridade

da união relacionava-se com o que os deputados descreviam como específico da relação dos Portugueses com o ultramar, como explicou Trigoso de Aragão a um deputado paulista que o confrontou com soluções descentralizadoras no domínio das relações entre as metrópoles e as suas parcelas territoriais de além-mar:

“O Honrado membro da província de S. Paulo diz, que uma das razões em que se funda, vem a ser, que na Escócia, na Suécia, e nas Províncias da América inglesa há certas delegações do poder real; que este pertence a tais e tais autoridades, e que por isso não é tão único o poder real, que não possa separar-se, e delegar-se em outras pessoas; e donde julga o honrado Membro que da minha parte há ignorância em supor que o poder real não pode delegar-se ? [...] mas não foi ignorância minha, antes sim esquecimento do honrado membro, que confunde países inteiramente diferentes do nosso país [...]. Trata de países que tinham pacto estabelecido antes de serem unidos; trata-se de países, que estabeleceram um novo pacto para o fim de se unirem; trata de países que se confederam para fazer um Estado. E qual é o nosso país ? O nosso país é aquele que esteve unido com o Brasil desde o descobrimento do Brasil; é aquele que esteve unido com todas as Províncias ultramarinas desde o seu descobrimento; que formou o Reino

unificado do Reino Unido de Portugal …, se avaliava a legalidade ou não dessa rebelião (v. A.H.P (Arquivo

Histórico Parlamentar), secção I-II, Cx. 92, Doc. 113).

380 Apesar da simplificação que tal envolvia, o conjunto do território ultramarino deixava-se

descrever, nos finais do século XVIII, como um conjunto de “capitanias”, como se pode ver em Memória

sobre o Governo, e Capitanias Gerais, com os Governos e Capitanias Mores e Sargentarias mores subalternas dos Governos e Capitanias Gerais dos Domínios ultramarinos de S. Majestade Fidelíssima em o Oceano Atlântico, África, Ásia e América, disposta e coordenada por ordem e mandato do Sr. D. Rodrigo de Sousa Coutinho [...] Ministro e Secretário de Estado na Repartição dos negócios da Marinha, e Domínios ultramarinos, Anno de 1799. Agradeço à Profª Fátima Gouvêa, da Universidade Fluminense, a indicação desta memória.

Unido antes mesmo de ter este nome; que muito antes da Regeneração política estava

unido a Portugal [...]; por isso é um Reino inteiramente unido[…]”381.

Ao contrário de outros povos, os portugueses tinham-se espalhado pelo globo, sem nunca

fundar novas sociedades, como tinha acontecido com os ingleses na América382.

A conservação desta unidade e a sua recriação, pela observância do princípio da igualdade jurídica entre o território ultramarino e metropolitano, foi o objectivo em torno do qual todos os deputados constituintes se uniram. A representação política do ultramar foi escolhida

como o principal elemento de expressão/construção dessa igualdade. O modelo implícito – o de

uma Nação unitária, representada num só Parlamento – iria permitir duas coisas: contornar as

desigualdades do “sistema colonial” e esconjurar, com isso, soluções federalistas, que todos repudiavam.

Os deputados vintistas partilharam também da ideia de que, apesar de “natural” e de depois confirmada pelo contrato, a unidade da Nação era frágil. A Constituição devia ser, em relação a ela, um instrumento de consolidação. No entanto, dividiram-se quanto ao método a seguir. Os deputados mais radicalmente integracionistas extraíram, de forma implacável, todas as consequências da ideia unitária de Nação: não podiam existir regras especiais para o ultramar porque existia um só interesse nacional, susceptível de ser interpretado por qualquer deputado da Nação, independentemente do seu local de nascimento e domicílio; não podia haver delegação de poderes nem ela se justificava em nome da igualdade de direitos, porque essa igualdade não implicava igualdade de acesso às instituições que os garantiam. Para este grupo, enfatizar a

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