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Uma unidade instável: uma Nação de terras descontínuas, distantes e diversas

No documento A cidadania no Ultramar português (páginas 96-103)

4. O modelo vintista positivado

4.1. Uma unidade instável: uma Nação de terras descontínuas, distantes e diversas

Apesar do paradigma unitário e igualitário da Constituição, os deputados que a votaram e que se identificaram com ela reconheceram e valoraram, quase sempre negativamente, a dimensão e a diversidade do território da Monarquia. Existiam, afirmaram vários deles, elementos

296 “A Nação Portuguesa é representada em Cortes, isto é, no ajuntamento dos deputados que a

mesma Nação para esse fim elege com respeito à povoação de todo o território Português”, art. 32.

297 V. M. Fioravanti, Appunti di Storia delle Costituzioni Moderne[...], cit., p. 67. v. também Keyth

Michael Baker, "Representation", in Bryan Turner e Peter Hamilton (eds.), Citizenship. Critical Concepts; London and New York, Routledge, 1994; Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, s.d. (3ª ed.), p. 109-110.

de desagregação a temer: as distâncias, a descontinuidade geográfica, línguas diferentes, produções diferentes, pessoas de cor diferente e com costumes diferentes. A “grande família portuguesa” era uma só (como o vocábulo “família”, tantas vezes usado, denotava), tinha a mesma origem, falava a mesma língua, professava a mesma religião, mas não habitava somente território europeu. Habitava igualmente os “Campos d‟África”, as “Índias”, os “Sertões da América”. Tudo isto foi lembrado pelo deputado Pereira do Carmo numa Memória por si escrita e apresentada logo numa das primeiras sessões da Constituinte, memória na qual se mostrou

favorável à representação política da parte ultramarina do território 298. A Nação era uma só, disse

o deputado, mas encontrava-se espalhada pelas “quatro partes do Globo” 299. E essas partes,

apesar do discurso da unidade, foram descritas como partes distintas, com designações que quase pareciam evocar estatutos diferenciados. Falou-se de “possessões na Ásia e África Oriental”, de “um novo Reino Português” criado no século XIX (o Brasil), de ilhas “povoadas de

portugueses”, de “Domínios do Reino Unido” 300, de “possessões ultramarinas”, de “Domínios do

ultramar”, de “Domínios portugueses de além – mar” 301.

Um dos momentos em que o discurso sobre esta diversidade e a sua valoração negativa ganhou contornos nítidos foi aquele em que se discutiu se devia ou não consagrar-se a indivisibilidade e inalienabilidade deste território na Constituição. Os deputados que se manifestaram favoráveis à inalienabilidade olharam para ela como a forma de garantir uma integridade que a diversidade tornava frágil. Havia que ter em conta as “circunstâncias muito particulares em que se acha a família portuguesa, espalhada por toda a face da terra [...]. A Nação Portuguesa compõe-se de povos de diferentes costumes; são precisos institutos muito particulares entre estes, para apertar os vínculos da fraternidade, parece que deve haver uma lei, que familiarize a Nação Portuguesa, de que ela nunca jamais se possa separar. É preciso portanto estabelecer a impossibilidade que a Nação portuguesa ceda parte do seu território, e é preciso

298 DCGECNP, sessão de 30 de Janeiro de 1821, p. 9. 299 DCGECNP, sessão de 3 de Fevereiro de 1821, p. 23. 300 DCGECNP, sessão de 30 de Janeiro de 1821, p. 9

301 DCGECNP, sessão de 3 de Fevereiro de 1821, p. 23. Como se verá, em muitos outros momentos

das Constituintes surgiram as designações de “colónias”, “possessões”, “estabelecimentos” e “domínios”, a evocar estatutos diferenciados das “partes” do território, sem que em nenhum momento se possa estabelecer com exactidão o significado destas designações. Apenas se percebe a conotação de subalternidade de toda esta terminologia quando os deputados lhe contrapõem o vocábulo “Províncias ultramarinas”. Mas mesmo esta última designação convivia, no texto de uma Portaria de 18 de Abril de 1821 (em que a regência mandava cumprir os decretos das cortes em que se declaravam legítimos os governos dos Estados ultramarinos favoráveis ao regime constitucional, art. 7º), com a expressão, aparentemente incompatível, de “estados portugueses do ultramar e ilhas adjacentes”, art. 1º, v. Clemente José dos Santos (ed.), Documentos

[...], t. I (1820-1825), cit., pp. 186-187. A mesma oscilação aparece em inúmeros outros documentos: “domínios transatlânticos” e “possessões ultramarinas” no Manifesto da Nação portuguesa aos soberanos e

povos da Europa, de 1820 (v. Clemente José dos Santos (ed.), Documentos [...], cit., t. I (1820-1825), p. 118); na “Relação dos deputados pelo ultramar” apresentado pela Deputação permanente a 20 de Março de 1823, distinguia-se entre “Possessões da África e Ásia” e “Províncias do Brasil”. Já no texto da lei eleitoral de 11 de Julho de 1822 esta oscilação desapareceu, para dar lugar a expressões mais niveladoras (“províncias do ultramar”, “ultramar”). Na Constituição foram também as expressões “províncias do ultramar” e, sobretudo, “ultramar”, que designaram a parte não europeia do território português.

igualmente que as Nações estrangeiras vivam nessa persuasão [...]” 302. Uma opinião semelhante

foi expressa pelo deputado Correia de Seabra, cuja proposta era a de que o artigo constitucional em discussão fosse redigido da seguinte forma: “O Reino-Unido português é essencialmente indivisível, e por conseguinte o seu território é indivisível, e inalienável”, em vez de ”Este território somente pode ser alienado com a aprovação das Cortes”, como constava do art. 20 do Projecto

de Constituição303. Outro deputado sistematizou finalmente o problema em todas as suas

dimensões:

“A Monarquia Portuguesa é uma Monarquia a mais singular, que se pode considerar, se se atende à separação das suas partes. Pode dizer-se, que há uma espécie de dissolução entre estas mesmas partes integrantes da monarquia, dissolução que é feita pela quantidade e situação dessas mesmas partes, dissolução que é feita por meio dos desertos que estão entre distantes povoações. Além disto [da distância, da quantidade], há um princípio de desorganização, que consiste em que as partes desta Monarquia, que estão para além dos mares, são compostas de habitantes que têm diferentes cores; e em consequência disto têm grande antipatia entre si. Além disso [da diversidade humana] há um princípio de dissolução e é que as possessões ilustradas deste país têm diversos sistemas: umas tendem mais para o sistema da independência,

outras para o sistema constitucional […]. Atendendo a isto é de toda a necessidade que a

Constituição remova quanto puder, ou se oponha a esta dissolução. Por isso de maneira alguma se deve admitir na Constituição um princípio, que seja capaz de promover, ou

autorizar em algum tempo a desmembração da monarquia”304.

À diversidade humana que caracterizava o território da monarquia também se tinha

referido Bento Pereira do Carmo, quando, nas suas Memórias, recordou, no ultramar, o “sangue

dos portugueses arriscado no meio de uma povoação heterogénea” 305. Vamos voltar a falar desta

diversidade, em outro capítulo. Por agora, importa salientar que entre as duas possibilidades – a

alienabilidade do território ou a sua indivisibilidade – optou-se pelo silêncio. No texto final da Constituição não se previa a alienação do território, mas também não se proibia. O que estava em causa, naturalmente, era a possibilidade real de uma futura separação das províncias americanas das “possessões ilustradas” - como veio a suceder, efectivamente, com a independência do Brasil -, e até de outras províncias ultramarinas, em África e na Ásia. Nestas circunstâncias dramáticas, a solução encontrada para resolver o problema da indivisibilidade ou não do território foi, então, a sua omissão.

302 V. DCGECNP, sessão de 1 Agosto de 1821, p. 1736, Dep. Sarmento.

303 V. DCGECNP, sessão de 1 Agosto de 1821, p. 1732.

304 V. DCGECNP, sessão de 1 de Agosto de 1821, p. 1732, Dep. Margiochi.

4.2. Os laços da liberdade.

O problema da “activação” dos elementos desagregadores e das formas de os contrabalançar esteve presente em todos os debates constitucionais. Esteve também presente no primeiro momento em que a questão da representação política do ultramar foi discutida, mostrando que, com ela, não se tratava apenas de dar expressão a uma unidade preexistente, mas de a fundar de novo, através da criação do que se pretendia que fossem relações igualitárias entre as suas partes. Por meio desta refundação, afirmava-se, desejava-se ver superadas as

desigualdades atribuídas ao regime anterior – o “mesquinho sistema colonial [que] assemelhava

os habitantes das colónias antes a escravos, do que a homens livres” 306. Desejava-se reconstruir,

mas em termos igualitários, a relação entre as diversas “partes” que constituíam o todo da Monarquia. Assim, se constituir significa formar, unir, integrar, devendo a Constituição criar as

condições para que a unidade seja possível, reconduzir da pluralidade à unidade por meio do

achamento de um mínimo ético comum 307, podemos dizer, ainda que aplicando o mesmo

raciocínio a circunstâncias totalmente diversas daquelas sobre as quais a autora destas frases reflectiu, que a questão do ultramar colocou aos constituintes quase todos os problemas que o acto de constituir pode convocar. Tratava-se verdadeiramente de criar condições para a unidade, tendo a igualdade sido o mínimo ético comum em torno do qual todos os constituintes de (des)entenderam.

Esta associação feita nas Cortes vintistas entre o repúdio pelo “sistema colonial”, o desejo de criar igualdade e a representação politica do ultramar foi comum ao primeiro constitucionalismo espanhol. Também aí se tentou resolver o problema da sujeição da América espanhola à sua metrópole, contrária à natureza liberal do novo regime, através da criação de “laços de igualdade” que pudessem afastar do horizonte a possibilidade das independências americanas. Assim, logo em 1808, para obter o apoio dos domínios espanhóis na América para o projecto político e militar de Napoleão, José Bonaparte (José I, “Rei das Espanhas e das Índias”) determinou, na

Constituição por ele outorgada à Espanha, em Bayonne, a igualdade jurídica dos “Reinos e

províncias espanholas da América e Ásia”308. Em 1810 (a 15 de Outubro) voltou a declarar-se por

decreto a igualdade entre espanhóis europeus e espanhóis americanos, recomendando-se às Cortes que “tratassem com particular interesse tudo o que respeitasse à felicidade dos povos do

Ultramar”, e particularmente à sua representação política309. Em 1812 o mesmo princípio foi

306 V. DCGECNP, sessão de 14 Novembro 1821, p. 3072, Dep. Pereira do Carmo.

307 V. Maria Lúcia Amaral, A forma da República. Uma introdução ao estudo do direito

constitucional, Coimbra, Coimbra Editora, 2005.

308 Nessa Constituição, além de se indicar que os territórios espanhóis na América e na Ásia gozariam dos mesmos direitos que a metrópole, designava-se o número de deputados que esses territórios deviam enviar às Cortes, v. A Constituição de Hespanha feita em Bayona por José Bonaparte, precedida de

um discurso comparativo entre ela e as cartas de Bonaparte [...], Coimbra, Imprensa da Universidade, 1808. 309 V. Carlos Petit Calvo, "Una Constitución Europea para América: Cadiz, 1812", in Andrea Romano (a cura di), Alle origini del costituzionalismo Europeo, Messina, Accademia Peloritana dei Pericolanti, 1991, pp. 59-60.

acolhido na Constituição de Cádis, para cuja elaboração contribuíram os deputados eleitos na

América espanhola310. É importante, contudo, recordar dois factos que ajudarão a compreender as

próximas páginas. Em primeiro lugar, apesar da quase sacralização do princípio da igualdade de direitos e de representação das partes ultramarina e peninsular dos territórios, em Portugal, como em Espanha a atitude dos deputados peninsulares nas Cortes constituintes (de Cádis, em 1812, e de Lisboa, em 1820) foi sempre a de tentar assegurar a supremacia da parte peninsular, quer no respeitante à representação nas Cortes, quer na arquitectura das instituições que governariam a Monarquia bi-hemisférica, como se verá a seguir para o caso português311. Havia, contudo, uma situação que diferenciava as circunstâncias portuguesas das do país vizinho. Por um lado, desde 1808 que a sede da Monarquia portuguesa era o Rio de Janeiro, para onde se tinha transferido a

Corte na sequência das invasões napoleónicas. Por outro, desde 1815 que já existia um “Reino

Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarves”, criado por Carta Régia de 16 de Dezembro de 1815, do qual faziam parte o Reino de Portugal e o Reino do Algarve, na Europa, mas também, na América, o “Reino do Brasil”, um Reino “igual”, em dignidade, ao de Portugal, e não já um

“domínio”312. Ou seja, o significado igualitário da expressão Reino Unido (e o próprio Reino Unido)

não eram uma novidade trazida pelo regime liberal, o que tornava forçado que o novo regime se apresentasse como portador de soluções que visavam superar as desigualdades de um anterior “regime colonial” 313.

Em Portugal a ideia de que a representação política seria o instrumento privilegiado de criação de igualdade nas relações entre metrópole e “antigas colónias” surgiu pela primeira vez nas Instruções para a eleição de deputados às Cortes, publicadas a 31 de Outubro de 1820 pela

310 Sobre a aplicação deste “modelo” em Cádis, bem como o seu significado e desfecho, v. Marta

Lorente, “América en Cadiz (1808-1812)”, in A.A.V.V., Los Orígenes del Constitucionalismo Liberal en

España e Iberoamérica: un estúdio comparado, Sevilha, Junta de Andalucia, 1993 e, da mesma autora, “De Monarquia a Nación: la imagen de América y la cuestión de la ciudadanía hispana”, XIII Congreso del

Instituto Internacional de Historia del Derecho Indiano (21-25 Maio de 2000), San Juan, Asamblea Legislativa de Puerto Rico, vol. II, 2003. v. também Roberto Luís Blanco Valdês, “El «problema americano» en las primeras Cortes Liberales españolas (1810-1814)”, in AAVV, Los Orígenes del Constitucionalismo

Liberal en España…, cit., e Josep M. Fradera, “Por qué no se promulgaron las «leyes especiales» de

Ultramar?”, in Richard L. Kagan e Geoffrey Parker, España, Europa y el Mundo Atlántico (Homnaje a John H. Elliot), Madrid, Marcial Pons, 2001.Algo de semelhante tinha já sucedido na França revolucionária, em relação às suas colónias nas Antilhas, como se verá (v. Pierre Pluchon., Histoire de la Colonization ..., cit., p. 783 e ss).

311 Para o caso da Espanha v. bibliografia citada na nota anterior.

312 V. António Delgado da Silva, Collecção da Legislação Portugueza … (Legislação de 1811 a

1820), Lisboa, Typografia Maigrense, 1825, p. 379.

313 Sobre o conceito de Reino Unido, expresso na Carta Régia de 16 de Dezembro de 1815, que

elevou o Brasil à condição de Reino, bem como a sua conotação igualitária, veja-se Zilia Osório de Castro,

Portugal e Brasil, Debates Parlamentares, 1821-1836, Lisboa, Assembleia da República, s.d., vol I (“Introdução”), pp. IX-XVI. V. também Cristina Araújo, “O «Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, 1815-1822”, Revista de História das Ideias, vol. 14, 1992, onde se mostra como essa igualdade tinha sido percebida pela parte europeia do Reino Unido, em 1815, como uma desigualdade, na qual Portugal se convertera em “colónia da sua colónia”.

Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, para justificar a extensão daquelas Instruções à parte ultramarina do território 314:

“Extinto para sempre o injurioso apelido de Colónias, não queremos todos outro nome que o título generoso de concidadãos da mesma Pátria. Quanto nos deprimiu a uns e a outros a mesma escravidão tanto nos exaltará a comum liberdade, e entre o europeu, americano, asiático, africano, não restará outra distinção que a porfiada competência de nos excedermos e avantajarmos por mais estranhável fraternidade, por mais heróico patriotismo [...]” 315.

Estas Instruções ficaram sem efeito, na sequência do golpe militar de 11 de Novembro (Martinhada), mas nem por isso o tema da representação dos “povos do ultramar” perdeu centralidade. Pelo contrário, esse foi um tema logo recuperado nas primeiras sessões das Cortes constituintes: quando, a 3 de Fevereiro de 1821, o deputado Bento Pereira do Carmo apresentou à Assembleia, juntamente com as memórias já citadas, um projecto de decreto para regular a “Representação nacional Portuguesa de ambos os Mundos para que todos os portugueses

concorram à formação da Lei Fundamental, que deve ligar a todos” 316, o deputado voltou a

recordar que a representação política não era apenas uma expressão passiva da unidade da Nação mas antes uma forma activa de a recriar em termos tais que ela pudesse ser conservada. O que se decidiu nessa sessão, contra esta proposta de Bento Pereira do Carmo, foi que só os representantes do continente e ilhas elegessem deputados para a Constituinte. Preferiu-se esperar pela reacção do Rei, então residente no Rio de Janeiro, à revolução ocorrida na parte metropolitana do território, ou pela adesão espontânea das capitanias brasileiras ao sistema constitucional. Não era preciso “fazer já esta união por meio de deputados substitutos”, como

314 O art. 38 das Instruções de 31 de Outubro de 1820, que deviam regular as “eleições dos

deputados que vão formar as Cortes Extraordinárias Constituintes no ano de 1821”, dizia de facto que “As presentes instruções são aplicáveis às Ilhas adjacentes, Brasil, e Domínios ultramarinos”, v. Clemente José dos Santos (ed.), Documentos [...], t. I (1820-1825), cit., p. 84.

315 Cit. em José Gonçalo Santa Rita, “As questões coloniais nas Cortes constituintes e na segunda

legislatura (1821-1823)”, Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, t. XIV, 2ª série, Lisboa, 1949, p. 138. Na Proclamação das Cortes ao Povo do Brasil, de 17 de Agosto de 1822, as Cortes confirmaram o seu desejo de subtrair o Brasil do “estado servil de dependência colonial”, v. Clemente José dos Santos (ed.),

Documentos [...], t. I (1820-1825), cit., p. 356. Que essa intenção era extensiva a outras partes ultramarinas do território mostra-o a resposta do Presidente das Cortes ao discurso do procurador dos povos de Macau, confirmando a adesão destes ao sistema constitucional (“Um dos primeiros e mais constantes cuidados das cortes nacionais tem sido o de promover a união de todos os portugueses que habitam as quatro partes do mundo, trazendo-os a uma só família, ligada, não pelos laços de uma sujeição servil, mas pela igualdade de direitos[...]”, v. Clemente José dos Santos (ed.), Documentos [...], t. I (1820-1825), cit., p. 645. Rodrigo Ferreira da Costa na sua Indicação e Projecto de Decreto sobre os Governos Ultramarinos, lida na sessão de 31 de Julho de 1821, falava da “cessação do sistema colonial em consequência dos princípios liberais adoptados na nossa Regeneração política”, v. Maria Benedicta Duque Vieira, A Crise do Antigo Regime[ ..].,

vol. I, cit., p. 194.

316 v. DCGECNP, sessão de 3 de Fevereiro de 1821, p. 23, sublinhados nossos. Este deputado tinha

queria Pereira do Carmo 317; mais valia esperar que, em pacto tão decisivo de recriação de uma

Nação composta por “[…]Portugueses de ambos os hemisférios” 318, a união se fizesse por meio

da adesão voluntária dos povos do ultramar à Constituição que viesse a ser votada. A Constituição e as instituições liberais seriam os elementos de união da Monarquia (“Só a Constituição pode

reunir actualmente os seus membros espalhados pelas quatro partes do Mundo”) 319. Uma vez

aprovadas e conhecidas as suas Bases, os povos do ultramar (do Brasil e dos outros “estabelecimentos”) elegeriam os seus deputados e estes, juntamente com os deputados eleitos

na metrópole, cuidariam, num Congresso único, dos “interesses gerais da Nação” 320. Era nisso

que quase todos os deputados diziam acreditar quando votaram o artigo das Bases da Constituição, tendo essa dimensão voluntarista da união ficado consagrada no artigo:

“Esta lei fundamental obrigará por ora somente aos Portugueses residentes nos Reinos de Portugal e Algarves, que estão legalmente representados nas presentes Cortes. Quanto aos que residem nas outras três partes do mundo, ela se lhes declarem ser esta a sua vontade”, art. 22) 321.

A representação política do ultramar e a aplicação universal da Constituição foram, portanto, elementos aos quais se concedeu um lugar decisivo na preservação da unidade do

Reino Unido e na sua recriação. Foram a garantia de que os diferentes territórios da Monarquia se conservariam unidos, por serem igualitárias as suas relações. Foram, por isso, o elemento poiético

da nova Nação, tendo-se convertido em dogmas para os deputados da primeira assembleia constituinte portuguesa. Esses dogmas e o vocabulário a eles associado encontraram aqui o seu contexto originário mas, como se tentará mostrar na última parte deste capítulo e ao longo de todo o trabalho, esses dogmas, juntamente com a “vertigem” da desagregação do Império, foram recebidos em todas as discussões constituintes de oitocentos e passaram a fazer parte da

compreensão oitocentista acerca das relações entre a metrópole portuguesa e os seus territórios

317 V. DCGECNP, sessão de 3 de Fevereiro de 1821, p. 25, Dep. Soares Franco, sub. nossos. Sobre

estas propostas contraditórias e os motivos que as sustentaram v. Maria Beatriz Nizza da Silva, Movimento

Constitucional e Separatismo no Brasil (1821-1823), Porto, Livros Horizonte, 1988, p. 50-51.

318 V. DCGECNP, sessão de 3 de Fevereiro de 1821, p. 25, Dep. Castelo Branco.

319 V. DCGECNP, sessão de 3 de Fevereiro de 1821, p. 26, Dep. Soares Franco.

320 V. DCGECNP, sessão de 3 de Fevereiro de 1821, p. 26, Dep. Soares Franco. Também o Dep.

Anes de Carvalho, para contrariar a tese, defendida por deputados como Margiochi, de que a Constituição devia consagrar a indivisibilidade e inalienabilidade do território nacional, para que não fossem activados os “princípios de dissolução” que a ameaçavam interna e externamente, lembrou a dimensão unificadora do momento constituinte: “[...] nós por meio da Constituição, e outras instituições, procuramos por todos os

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