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A VIDA POLÍTICA ENTRE SECTÁRIOS E DITADORES

Os partidos políticos venezuelanos ganham vida própria, praticamente com a morte de Juan Vicente Gómez46, entre os anos de

1936-1945, tendo como vanguarda a geração de 28, primeiro germe estudantil de oposição ao governo de Gómez. Segundo interpretação de Rey (1991: 536), a criação dos modernos partidos de massa na América Latina se deu sob a modalidade de um sistema populista de

mobilização. Para o caso da Venezuela, esta época representa o

momento em que os atores sociais estão se formando mediante coalizões de grupos sociais heterogêneos, e que surgiram com o propósito de reestruturar a ordem sociopolítica existente, “mediante a organização e mobilização de massas, até então passivas, e sua integração à nação não só do ponto de vista de sua participação política, mas também econômico e social” (Rey, 1991: 536, tradução nossa).

Dentre os governos que sucedem Gómez, Isaías Medina Angarita foi uma das primeiras expressões do período democrático da década de 40, eleito pelo voto indireto (Congresso) em 1941, e governaria o país até 1946 caso não sofresse um golpe de estado no dia 18 de outubro de 194547, levado a cabo por um grupo de oficiais e a direção do Partido

AD48, partido este que foi legalizado pelo mesmo governo de Medina,

assim como os demais partidos da época que se opunham ao gomecismo.

O triênio que compreendeu os anos de 1945 a 1948, denominado 46 A modernização das forças armadas venezuelana lhe permitiu a Gómez uma das maiores conquistas de seu governo: a “eliminação dos caudilhismos regionais que desde distintos rincões do país criavam uma revolução quando qualquer cacique se indispunha com seus peões de sua fazenda e se dirigia a Caracas para tomar o governo” (Ramírez, 2000: 24, tradução nossa). De igual maneira subjugou os partidos Liberal e Conservador, os quais disputavam o cenário político na época. É importante notar (e seguindo um caminho distinto daquele seguido pelos partidos europeus) que os nascentes partidos venezuelanos antecedem à universalização do sufrágio, ao invés de segui-la.

47 Trata-se da Revolução de Outubro de 1945, ancorada no ideal de estabelecer o sufrágio universal e direto para a escolha de presidente, promovendo a competição eleitoral entre os diversos partidos.

48 Surgido de setores médios urbanos e de mobilizações estudantis contra o gomecismo, foi fundado “como expressão de uma tendência reformista no seio da oposição de esquerda aos governos posteriores ao de Gómez”. (Calcaño, 1993: 266).

revolução de outubro, sob a direção do Partido AD, não foi um período político tão pacífico assim. Foi um período em que novos movimentos e classes sociais começam a ter vida na sociedade venezuelana. Por um lado, uma ampla gama de trabalhadores provenientes do meio rural procurava se organizar em sindicatos, além dos movimentos estudantis em defesa de direitos. E por outro lado, a igreja católica visava a manutenção do status quo. De igual maneira, a classe média em ascensão, representada por grupos de comerciantes e câmaras de comércio, buscavam nas dádivas do petróleo uma fatia de renda que lhes pudesse garantir a reprodução de capital.

Trenado, citando Juan Carlos Rey, diz que o novo momento implantado com a revolução de outubro implicava a implantação de um novo estilo político na Venezuela:

Caracterizado pela organização e mobilização de grandes massas e significava uma mudança substancial nas 'regras do jogo', até então imperante, mediante a fixação de novos meios de interação e novos recursos, a inclusão de novos jogadores e a exclusão, na prática, das elites políticas tradicionais. Os novos partidos políticos criados são, precisamente, as únicas organizações apropriadas para participar neste 'jogo' para o qual de pouco servem as relações e influencias de tipo tradicional (Rey, apud Trenado, 1994: 98, tradução nossa).

Venezuela viveu uma experiencia de muitos conflitos, mas não ao ponto de produzir instabilidade no sistema como um todo. Sem embargo, segundo Campos (1983: 194), as classes dominantes da época acreditavam que a ordem do sistema estaria comprometida, o que as levou a apoiarem a derrubada do governo de Rômulo Gallegos, recém instalado democraticamente, em 1948. Muitos analistas tendem a pensar que a derrubada do governo democrático ocorreu somente em função do sectarismo prevalecente no interior do partido AD, impossibilitando dessa forma a convivência com outras correntes políticas do momento. Aliás, esta foi uma tese amplamente defendida pelos militares que

promoveriam o golpe, apoiados por muitos partidos opositores ao Partido AD, inclusive o partido COPEI e URD49.

Para além dos desentendimentos entre partidos que estavam à tona, outros fatores explicariam o descontento com o governo de AD50.

Se se parte do princípio que neste período os partidos não tinham interesse em associar-se, e que o partido AD exacerbou seu sectarismo51,

há que se perguntar por que o golpe militar seria a saída de tal situação de conflito? A mesma junta militar de governo que ascendeu a Rómulo Betancourt ao poder em 1945 “conciliou os interesses das classes dominantes e lhes serviu, servindo-se assim mesmo delas, numa combinação político-econômica que tradicionalmente tem favorecido no país a estabilidade dos governos” (Campos, 1983: 207, tradução nossa). Em outros termos: os vastos setores de uma mesma classe que apoiaram o ascenso de AD em 1945, pouco a pouco vão se sentindo deslocados em relação aos centros de decisões, e a partir de então, resolvem apoiar o golpe de 1948, dando início a um década de regime militar sob o comando de Pérez Jiménez.

Quanto à lealdade da burguesia nacional ao projeto ditatorial recém inaugurado, o tempo diria que se tratava de “lealdades não estáveis” (Campos, 1983: 264, tradução nossa), já que a mesma burguesia que apoiou a Pérez Jiménez em épocas de “vacas gordas”, também apoiará as forças de renovação político no contexto de 1958 para derrubá-lo, sem que isso tenha significado a perda de sua identidade de classe. Embora as “vacas” dessa época não fossem tão gordas assim, a burguesia nacional resolveu embarcar no movimento de renovação política, promovido pelas “forças vivas” e os líderes de várias tendências partidárias, até então exilados. De modo que a Igreja 49 Copei: Comitê de Organização Política Eleitoral Independente. URD: União Republicana Democrática.

50 Parece ser correto afirmar que AD estava atacando interesses de distintos grupos da sociedade. A Igreja Católica, por exemplo, andava descontente com o Estado pelo fato de que este queria tomar para si as diretrizes da educação nacional e torná-la pública. De igual maneira, as reformas na área de terras estavam ameaçando interesses de terratenentes e gerando conflitos no campo. Outros fatores como a sindicalização dos trabalhadores e melhoras de seus direitos, bem como o deslocamento das Forças Armadas para os quartéis, também promoveram progressivamente o afastamento dos dirigentes de AD dos círculos de poder (Trenado, 1994: 105)

51 Tal como observa Trenado (1994: 104), as percepções políticas que se estabelecem durante o triênio estão fundamentadas no binômio amigo/inimigo e não no binômio aliado/opositor.

Católica, os partidos políticos e a Junta Patriótica, as forças armadas e a burguesia somaram forças para expulsar o terror do poder. Mas também é correto afirmar, seguindo algumas conclusões de Campos (1983: 267, grifos do autor, tradução nossa) a partir de estudo desse período, que “a substituição do governo foi obra de todos e de ninguém, incluindo no

todo o próprio governo”. Não se pode atribuir a uma única força em

especial, o desempenho do papel fundamental na derrota do regime ditatorial, porque dentre as causas de debilitamento do regime, também contam aquelas atribuídas ao próprio governo.

2.4 CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA POPULISTA DE