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Os conselhos locais de planificação pública

3.4 AS ESTRATÉGIAS DE CONSOLIDAÇÃO DO APOIO DAS MASSAS

3.4.3 Os conselhos locais de planificação pública

A base legal para a criação dos Conselhos Locais de Planificação Pública está no artigo 182 da CRBV. Na realidade, embora de forma muito breve, e numa tentativa de normatizar o que preconizava a Constituição, o artigo 24 da Lei Orgânica de Planificação de 2001, cujo objetivo é estabelecer as bases e linhas para a planificação nos diferentes níveis territoriais de governo, assim como o fortalecimento dos mecanismos de consulta e participação democrática, já faz menção aos 114 Tal como comentado acima, o artigo 70 da Constituição define o referendo como um dos mecanismos de participação. E o artigo 72 diz que todos os cargos e magistraturas são revogáveis desde que transcorrido a metade do período para o qual foi eleito o funcionário ou funcionária. Neste caso, um número de eleitores ou eleitoras não menor do que 20% dos eleitores ou eleitoras inscritas nas circunscrições correspondentes poderão solicitar a convocação de um referendo para revogar um mandato, seja este do Presidente ou de um Vereador. Há, entretanto, uma diferença entre o referendo revogatório e o referendo consultivo que pode ser utilizado em matérias de transcendência para a nação, o qual foi usado pelo Presidente Chávez em 2007 para propor reformas na Constituição.

115 Com a aprovação da lei dos CC em 2006 esta tensão tenderia a agudizar-se mais ainda, já que estes tenderiam a concentrar ao redor de si todas as manifestações de movimentos sociais e comunitários. Por exemplo, a partir da reformulação da lei dos CC aprovada em 2009, os CTUs passam a compor o Conselho Comunal em pé de igualdade com outros tantos comitês (educação, habitação, água, etc).

Conselhos Locais de Planificação116. Para os efeitos de nossa pesquisa,

convém detalhar algumas prerrogativas da LCLPP promulgada em 2002, porque a figura dos CC é mencionada pela primeira vez nesta lei, embora a lei sobre os CC seja aprovada somente em 2006.

Por outro lado, a regulamentação dos CLPP seria uma tentativa de estabelecer uma política de descentralização administrativa e financeira prevista na CRBV117. O gráfico que segue abaixo, mostra

como a Lei Orgânica de Planificação concebe o Sistema Nacional de Planificação.

Gráfico I

Sistema Nacional de Planificação Poder Executivo Organismos de participação

Nacional Estadual Municipal

Fonte: Iveplan, 2004, apud Maingon, 2005: 541.

116 O faz nos seguintes termos: “corresponde ao Governador de cada estado elaborar o Plano Estadual de Desenvolvimento, os programas e ações correspondentes, de conformidade com os Planos Nacionais e em coordenação com o Conselho de Planificação e Coordenação e Coordenação de Políticas Públicas, com os organismos regionais e com os Conselhos Locais de Planificação correspondentes” (LOP, 2001, tradução nossa).

117 Entre os anos 2001-2002, foram aprovadas um conjunto de leis que promovem estas orientações, assim como a coordenação entre as várias esferas do governo em conjunto com a organização da participação cidadã, dentre elas: Lei Orgânica de Planificação, promulgada em 13-11-01; Lei Orgânica da Administração Financeira do Setor Público sobre o Sistema Orçamentário, de 18-12-2001; Lei Orgânica da Administração Pública, publicada em 17-10- 2001; Lei dos Conselhos Estaduais de Planificação e Coordenação de Políticas Públicas, de 20-08-2002; Decreto lei Nº 2.356: Comissão Presidencial para o Fortalecimento da Instrumentação, Seguimento e Avaliação dos CLPP, de 09-04-2002. A Lei do Conselho Federal de Governo só será aprovada em 2010.

Ministério de Planificação

e desenvolvimento Conselho Federal de Governo

Governação Coordenação Políticas PúblicasConselho de Planificação

Por sua vez, o artigo 3 da Lei dos Conselhos Locais de

Planificação estabelece que para cumprir as funções previstas, o

Conselho estará formado por: um presidente ou Presidenta, que será o Prefeito ou Prefeita; Os Vereadores ou Vereadoras do Município; Os Presidentes ou Presidentas das Juntas Distritais; os representantes de organizações de vizinhos dos Distritos, os representantes, por setores, das organizações da sociedade organizada e os representantes das comunidades ou povos indígenas. O gráfico que segue nos permite visualizar melhor a proposta dos CLPP e a distribuição dos atores que o compõem.

Gráfico II

Integrantes dos Conselhos Locais de Planificação Pública

Fonte: pesquisa do autor

As inúmeras atribuições correspondentes aos CLPP que somam mais de 20, poderiam ser resumidas na ideia de formulação, planificação, coordenação, controle e avaliação das políticas públicas previstas para o âmbito municipal. O mais importante a ser destacado aqui é a responsabilidade atribuída aos CLPP para que promovam e incentivem a participação das redes distritais e dos CC, no sentido de exercerem o controle sobre os planos e projetos elaborados pelos CLPP. De igual maneira, os membros do CLPP estarão obrigados a cumprir com suas funções em benefício dos interesses coletivos. Não só

Vereadores(as) municipais

Representantes de vizinhos por distritos

Presidentes(as) Juntas distritais

Sala técnica

Representantes dos povos indígenas onde estejam presentes Representantes da comunidade organizada

CLPP

manterão uma vinculação permanente com as redes dos conselhos distritais e comunais, mas deverão atender suas opiniões e sugestões, e deverão além disso:

Promover esta rede em cada um dos espaços da sociedade civil, que em geral, respondam à natureza própria do município cuja função será converter-se no centro principal da participação e protagonismo do povo na formulação, execução, controle e avaliação das políticas públicas, assim como viabilizar ideias e propostas para que a comunidade organizada as apresente ante o CLPP Pública. Uma vez aprovadas suas propostas e convertidas em projetos, os membros dos conselhos distritais e comunais poderão realizar o seguimento, controle e avaliação respectivo (LCLPP, art. 8, tradução nossa).

De acordo com a divisão territorial venezuelana, os estados estão divididos em trezentos e trinta e cinco (335) municípios, que constituem -segundo a CRBV- a unidade política primária da organização nacional. E de acordo também com a LCLPP, em cada município da Venezuela se deveria instalar um CLPP. Entretanto, a prática revela as dificuldades e limitações encontradas para a implementação de tais conselhos em todo o país. Em muitos municípios, as câmaras de vereadores não regulamentaram a lei nacional que permitiria a instalação de ditos conselhos, e na grande maioria de outros municípios, tais conselhos foram instalados à revelia, sem a presença da participação comunitária.

De igual maneira, a não instalação de ditos conselhos em muitos municípios foi fortemente influenciada pela tensão política estabelecida entre o governo central de Hugo Chávez e a oposição, já que para os líderes dos partidos resulta traumático desprender-se dos privilégios do poder. Isto significava perder o controle absoluto da formulação de políticas, e por extensão, da administração dos recursos econômicos sem nenhum controle social (Valladar; Hernández, 2005: 134-135). Segundo Lerner (2007), já se percebia a tendência ao estancamento da experiência dos CLPP no ano de 2003, pois do total de trezentos e trinta e cinco (335) municípios em todo o país, somente cento e sessenta e oito

(168) destas unidades teriam instalado os CLPP após um ano de sua vigência. Vários fatores são atribuídos ao estancamento dos CLPP, entre eles: a) vazios legais quanto ao procedimento de eleição dos conselheiros; b) falta de interesse ou resistência das autoridades locais ante a nova figura; c) fraude nos processos de escolha dos conselheiros; d) designação, em muitos casos, de funcionários das prefeituras e conselhos municipais como representantes das comunidades; e) ausência de incentivo, em forma de recursos financeiros, para projetos comunitários (Lerner, 2007: 118, tradução nossa).

A instalação e funcionamento dos CLPP constitui um primeiro passo, de parte do Estado venezuelano, para concretizar o ideário constitucional de participação democrática, tanto diretamente como de forma indireta. Porém não se deve perder de vista o artigo 2 de dita lei, a qual deixa claro que a participação e o protagonismo faz parte de uma “política geral do Estado”, o que poderá dar margem a uma “imposição de um modelo de intervenção na sociedade que busca articular as diferentes esferas do território por meio de um esquema hierárquico, centralista e autoritário, no qual o eixo articulador vem dado pela planificação” (Maingon, 2005: 549, tradução nossa).

Segundo Maingon, citando Parra, uma primeira avaliação da instalação e funcionamento destas instâncias nos municípios da região de Caracas, permite se detectar as seguintes limitações:

• Ausência de vontade política e disciplina legal por parte das autoridades do Estado;

• Falta de informação e de um devido processo de formação. Nesse caso, os funcionários públicos municipais são os que mais resistem porque supõem que ditos conselhos estão usurpando e intervindo em suas funções;

• Debilidade e incompetência dos órgãos responsáveis de promover a participação cidadã;

• Os CLPP não dispõem de espaços adequados para o desempenho de suas funções e não contam com pressuposto orçamentário para que a sala técnica funcione adequadamente; • Falta de compromisso e de coparticipação dos atores sociais e

políticos;

• Pouca transparência no processo de escolha dos representantes de vizinhos e setoriais;

• Apatia política e desconhecimento por parte da sociedade sobre o funcionamento e objetivo dos CLPP (Maingon, 2005: 549- 550, tradução nossa).

Em tese, os municípios seriam os espaços por excelência para a implementação dessa nova visão de descentralização que emanava da CRBV, mas a não aderência ao “projeto revolucionário” por parte de muitos prefeitos e governadores em todo o território nacional faria com que, pouco a pouco, este projeto perdesse forças. A tese da descentralização política, administrativa e financeira que vinha sendo colocada em prática desde a década de 1990, tendeu ser esquecida com o governo Chávez, na medida em que estava em jogo o projeto de manutenção no poder. Os CLPP foram criados em muitos municípios venezuelanos, porém, “o poder municipal caiu em suspeita por não servir aos interesses partidistas do governo central e assim se começa a gestar a criação de outra instância para tal fim” (Guerrero, 2010: 83). A partir daí, o governo nacional começaria a implementar um conjunto de ações informais que vão estruturando novas regras do jogo, surgindo novos atores tutelados como os CB, Missões Sociais, CC, Comunas, entre outros. (Vásquez Vera, 2010: 126-127, tradução nossa).

Haveria não só a instauração progressiva das ações informais descritas, assim como se constituiriam com o passar do tempo em estruturas paralelas aos governos estaduais e municipais, o que sobre dimensionaria a gestão pública, diminuindo dessa forma a eficiência social. A conclusão da autora anteriormente citada, é a de que “ao longo do processo, foi se deslocando, progressivamente, a autonomia política e econômica das prefeituras e governações com a finalidade de consolidar um sistema político centralizado” (Vásquez Vera, 2010: 135, tradução nossa). Já vimos o rol desempenhado pelos Círculos Bolivarianos e dos CLPP nesta reconfiguração do poder. Analisaremos a seguir as Missões Sociais.