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DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO NO PERÍODO 1958-1999

desenvolvimento, consolidação e institucionalização da sociedade civil venezuelana pode ser analisada em três períodos: pré constituinte (1961- 1998); constituinte (1999) e pós-constituinte. Salamanca, por sua vez, analisa o surgimento da sociedade civil venezuelana em termos mais amplos e prefere falar de organizações de interesses sociais que já tiveram uma presença ativa desde a década de 1920, tais como o movimento estudantil e a geração de 1928, possibilitando “reconverter” as modalidades de organizações dominantes na sociedade agrária. Antes de falar de sociedade civil propriamente dita, o autor descreve o surgimento de uma nova pauta associativa em etapas, a qual tem seu início com a mobilização de massas da década de trinta e quarenta, e depois surgem os partidos de massas -tal como visto até aqui-, dando passo num segundo momento ao controle e cooptação daquelas pelos 1814 com a insurgência de Boves. A III República inicia em 1819 em Angostura e finda em 1830 com a morte Bolívar.

93 Palavras de Hugo Chávez no ato de juramentação de posse do cargo de Presidente. Vale ressaltar que os discursos de Hugo Chávez apresentam algumas características de: 1) Ruptura com o discurso puntofijista; 2) Os referentes simbólicos seguem sendo históricos; 3) Emprega elementos ligados a fatores autoritários ou militares; 4) É um discurso em constante mudança devido à diversidade de temáticas, portanto é transitório; 5) É um discurso carismático e não racional. E segundo Romero ( 2001: 235), o discurso de poder de Chávez passa por duas etapas em sua construção: a primeira etapa corresponde ao período da estruturação do Movimento Bolivariano-200 até a coesão do Movimento Quinta República (1982-1996), e um segunda etapa, que parte do início de 1996 e chega até a atualidade. O tom do discurso da primeira etapa estava diretamente relacionado à ideia de insurreição e de descrença nos valores da democracia representativa e no sistema partidário com um todo. Na segunda etapa, o discurso de Chávez tende à participação política formal, porém fazendo apelos diretos às massas e apostando nas mudanças via processo constituinte.

partidos.

A relação entre as organizações sociais e os partidos que se configura entre os anos quarenta e cinquenta e se consolida a partir de 1958, vai gerar, segundo Salamanca, duas consequências fundamentais para as primeiras: uma é “a perda da autonomia da organização social controlada pelo partido; a outra é “a subordinação dos interesses sociais aos [interesses] políticos”, convertendo-se dessa forma, os grêmios, os sindicatos e as organizações campesinas em “correias de transmissão” da “linha partidista” em direção às organizações. Terminava assim, continua Salamanca, “produzindo-se a colonização das associações de interesses coletivos por parte dos partidos94”, fato que dará lugar a

modalidade de conflito entre cidadãos e partidos. O autor situa na década de setenta a origem deste conflito, o que dará margem ao nascimento do discurso contemporâneo sobre a sociedade civil na Venezuela (Salamanca, 2003: 10, tradução nossa).

Dada as características do sistema político venezuelano descrito até aqui, percebe-se que a sociedade civil ficou praticamente subsumida e ofuscada pela forte presença do Estado e dos partidos políticos no cenário político, algo que a própria Constituição de 1961 já revelava em suas linhas mestras. A Constituição da época concebeu um modelo democrático representativo e restrito, centrado nos partidos. À população competia uma participação restrita, exercida de tempos em tempos na escolha de seus representantes, deixando de fora a participação da sociedade civil organizada, e “os cidadãos não tinham a responsabilidade nem o direito de participar na orientação da vida pública e menos ainda, no processo de tomada de decisões” (Garcia- Guadilla, 2005: 90, tradução nossa).

No sistema de conciliação de interesses que vigorou desde 1958 até o final da década de 80, nem os sindicatos ficaram de fora da relação de tutelagem entre Estado, partidos e sociedade civil. Se pode afirmar que os sindicatos exerceram um papel importante na maioria dos países da América Latina no que diz respeito a avanços e conquistas para a classe trabalhadora e população de modo geral, mas este não parece ser o caso do sindicalismo venezuelano, comandado pela CVT 94 As poucas organizações e associações, diferentes dos partidos, que existiam nessa época, “rapidamente foram colonizadas, liquidadas ou absorvidas pelos partidos, e sua voz ocupou um lugar marginal em relação à construção de demandas e a tomadas de decisões” (Arenas: 194).

(Confederação Venezuelana de Trabalhadores), cujas conquistas nunca ultrapassaram a interesses corporativos. A CVT se tornou, ao longo das décadas, outro braço a mais dos partidos e governos de plantão. De igual maneira a FEDECÂMARAS (Federação de Câmaras de Comercio e Produção), estava rigidamente controlada pelo partido AD.

Dessa maneira, segundo Edgardo Lander ( 1994: 03, tradução nossa), se perde, ou não chega a se desenvolver, a capacidade autônoma dos diversos setores sociais para tomar inciativas próprias em relação a suas aspirações, “e se legitima aos partidos e ao Estado como o lugar de solução de todos os problemas sociais. O resultado é uma politização (partidarização) dos mais diversos âmbitos da vida social (artístico, profissional, sindical, militar, econômico, etc.).” A relação clientelar e paternalista que o Estado e os partidos estabeleceram com a sociedade, trouxe como consequência a fraca capacidade de organização e autonomia dos diversos setores sociais.

Por outro lado, também é correto afirmar que, embora houvesse a tentativa dos partidos restringirem a vida associativa e participativa da grande maioria da população, nem por isso deixaram de existir resistências fora dos canais institucionalizados, que se davam sobretudo na forma de protestos e de política de rua, conforme mostrado em tabela acima, tendo como motivos norteadores as reivindicações políticas, civis e econômicas.

Vimos que, em função da crise do final da década de 1970, houve uma tentativa de reforma do Estado a partir de meados da década de 80, sinal de que os partidos tradicionais passaram do centro à periferia do sistema político venezuelano, constituindo-se em obstáculo para o processo de democratização do país. Esse foi um fato muito importante no curso da política venezuelana mais recente, já que possibilitou uma pequena abertura para que a sociedade civil participasse no processo de descentralização do Estado. Mas aqui se faz necessário uma certa cautela. Mantendo uma posição pouco otimista em relação aos resultados dos trabalhos desenvolvidos pela COPRE, Maya e Calcaño, citados por Lander, se referem ao processo da seguinte forma:

Como Penélope assediada por seus pretendentes, a elite venezuelana promete ceder às importunas demandas de abertura e renovação que fazem os

inoportunos. À luz do dia tece as reformas que, afirma, serão a vestidura para o enterro da democracia clientelista excludente. E na obscuridade descostura o realizado, quiçá à espera do caudilho que possa enfrentar a tarefa de expulsar os intrusos” (apud Lander, 1994: 24, tradução nossa).

Isso significa dizer que o modelo de relações entre o Estado e a sociedade “passava pelo filtro das grandes organizações políticas que mediavam, mediatizavam e controlavam os interesses, as organizações e as bases sociais mesmas mediante uma compacta rede de vínculos que ademais dos políticos incluía os pessoais e clientelares (Salamanca, 2003: 14, tradução nossa).

É importante destacar que a principal pauta dos atores sociais até o final da década de setenta foi a luta em prol de um regime político não militar. Entretanto, dadas as proporções da crise sociopolítica e econômica do começo da década de oitenta, a sociedade civil tende a situar em seus representantes a causa de seus problemas sociais, prevalecendo, dessa forma, uma atitude anti partidos. Dessa vez, o confronto já não era entre civis e militares, mas entre aqueles e os líderes de partidos políticos, em função de todos os problemas já amplamente esboçados acima, os quais vão desde a má condução do Estado à sua ineficiência e corrupção. Em outras palavras, se a partir da década de quarenta os partidos puderam oferecer um projeto de país que fosse aceitável pelas organizações sociais existentes, tendo em vista a distribuição da riqueza petrolífera, esta situação vai mudar radicalmente, já que “os partidos da era puntofijista careciam de um programa mobilizador do ativismo cidadão emergente e só podiam oferecer um encapsulamento clientelar às bases sociais, cada vez mais precário devido ao esgotamento da modernização distributiva” (Salamanca, 2003: 27, tradução nossa).

Diante de uma situação nada alentadora, produto das crises sociais, institucionais e econômicas instaladas a partir da década de oitenta, emerge na Venezuela um tipo de sociedade civil antiestatal, e sobretudo, anti partido95. Mas, no seio de tanta instabilidade política,

também haveria espaço para o surgimento de novos perfis de líderes políticos, tal como o de Chávez, que tinha em comum com a sociedade civil do final da década de 1990 uma postura anti partido e de ataque a todos os poderes políticos tradicionais. Diante deste novo cenário político, a sociedade civil se veria confrontada e ao mesmo tempo lutando para não não ser dirigida desde cima.

Prevalece, de certa forma, um discurso maniqueista sobre o político desde ambos os campos, tanto do campo do Estado em relação à sociedade civil, como desta em relação ao Estado. Por um lado, o presidente Chávez situa em uma parte da sociedade civil o locus da “pureza” do poder popular, neste sentido imagina que esta parte da sociedade civil seja uma extensão do Estado e do Partido Socialista de Venezuela, reeditando a postura do Estado e dos partidos da IV República. Arenas (2001) esclarece esta nova situação, dizendo que “a construção do conceito de sociedade civil que faz o governo, se articula a partir de uma reivindicação naturalista do conceito de 'povo', remetido a mero dado, a natureza inerte, mas com um forte sentido mobilizador, com presença de elementos fundamentalistas” (Arenas, 2001: 196, tradução nossa). De outro lado, a parte da sociedade civil não reconhecida pelo governo de Hugo Chávez Frías, não consegue ver no Estado senão a expressão do “mal” e da “força”. E por outro lado, ainda, vastos setores da sociedade civil continuam a acreditar que a solução de seus problemas e demandas acumuladas durante décadas, depende tão somente da riqueza distribuída pelo petro-estado venezuelano.

organizações privadas de interesses públicos. Uma primeira aproximação foi realizada por CISOR (Centro de Investigações Sociais em 1998), o qual resenha um total de de 24.628 entidades não governamentais e sem fins lucrativos, classificadas e distribuídas em 11 grandes grupos (Colmenares, 2002: 41-42): 1) Cultura e recreação: 2.455; 2) Educação e pesquisa: 1.297; 3) Saúde: 475; 4) Serviços Sociais: 1.135; 5) Ambiente: 231; 6) Habitação: 5.500; 7) Leis, defesa e promoção de direitos, partidos políticos, associações de pais e representantes de educação básica: 9.738; 8) Intermediárias filantrópicas: 315; 9) Religiosas: 1.606; 10) Empresariais: 1.932. De igual maneira se registra a presença de importantes redes sociais nas diversas frentes: desenvolvimento social, da infância, de mulheres, da juventude, de educação, de habitação de economia popular e cooperativas, de meio ambiente, de população e desenvolvimento, de justiça, de direitos humanos, de indígenas, e Afro venezuelanos, de fundações privadas, de organizações católicas, de organizações culturais e esportivas.