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Hugo Chávez Frías no cenário político venezuelano

2.6 CRISE DO SISTEMA POLÍTICO VENEZUELANO

2.6.5 Hugo Chávez Frías no cenário político venezuelano

“chavismo” no campo da política Latino Americana, parece ter sido um fenômeno recente e desconectado da história dos eventos políticos ocorridos na Venezuela, nas últimas décadas do século XX. O surgimento de Chávez no cenário político venezuelano está diretamente relacionado ao contexto da crise política que viemos descrevendo até aqui e só pode ser entendido se o vinculamos ao grupo de algumas variáveis, a saber: institucionais, estruturais, de cultura política, comportamento das elites e eleição racional.

Antes mesmo da grave crise de 1983 (“viernes negro”), Chávez já se reunia no interior da academia militar com pessoas afins ao projeto

Exército de Liberação do Povo de Venezuela, com o objetivo de

transformar a realidade política venezuelana mediante a insurgência militar, fundando, dessa forma, o Exército Bolivariano Revolucionário

200086, de caráter insurrecional também. O mesmo grupo fundaria em 1983 o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR-200)87. Em

função da crise que atravessava o país (cuja agudização promoveu o

Caracazo), o Movimento Bolivariano não acreditava em soluções

pacíficas, nem eleitorais para a saída da mesma, por isso apelava para as armas como forma de ascender ao poder e a partir daí promover as mudanças que o grupo achava serem necessárias88.

86 Cuja sigla EBR remete à simbologia da “árvore das três raízes”: “E” (Ezequiel Zamora, caudilho da Guerra Federal), “B” (Simón Bolívar) e “R” (Simón Rodríguez, mestre de Bolívar). O número 2000 fazia referencia ao ano (tempo limite) em que o grupo deveria assumir o poder do governo central.

87 Procurando seguir o exemplo de Bolívar no Monte Sacro (Itália), o grupo fez juramentos debaixo de uma árvore onde Simón Bolívar costumava descansar na época da luta independentista, num povoado do Estado Aragua. A Constituição ideológica do grupo estava formada desde o início pelo pensamento de Simón Bolívar, Simón Rodríguez e Ezequiel Zamora. Dessa vez, o número duzentos (200) faz alusão ao bicentenário do nascimento do prócer Simón Bolívar, celebrado em 1983. O ideário de democracia participativa e protagonística difundido pelo movimento bolivariano teria suas raízes aí e inspiraria as ideias do livro Azul, elaborado pelo movimento.

88 A insurreição militar de 1992 foi justificada posteriormente pelo MBR-200 num documento escrito na cadeia e intitulado Por que insurgimos? com base nos seguintes argumentos: revogação do presidente Carlos Andrés Pérez, dos congressistas, da Corte Suprema de Justiça, do Conselho de Juízes, do Conselho Supremo Eleitoral, e convocação de uma Assembleia

A forte conotação anti-partidista e antieleitoral atribuída ao Movimento Bolivariano talvez se explique pelo fato de que, para este grupo, a história venezuelana do século XIX e XX fosse na essência a mesma: “uma história donde as massas populares foram vítimas das oligarquias, que no século XX estavam representadas pelos partidos. Oligarquias e partidos eram duas caras da mesma moeda” (MAYA, 2006: 177, tradução nossa). Neste caso, só um “processo revolucionário” poderia fazer tábula rasa de todos os problemas advindos tanto do poder exercido pelas oligarquias como pelos partidos da IV República. Em outras palavras, o dever ser do Movimento Bolivariano se espelharia nos ideais “traídos” de Bolívar, Ezequiel Zamora e Simón Rodríguez. Na ótica dos membros do MBR-200, parece que até mesmo um golpe militar justificaria o cumprimento dos ideais dos próceres.

E foi o que ocorreu. Em fevereiro de 1992 o Movimento Bolivariano promoveu um golpe de Estado. Como o grupo não conseguiu êxito em muitas partes do país, inclusive em Caracas, o comandante Hugo Chávez chamou os colegas à rendição das armas por meio televisivo, dizendo naquela época, que “por agora” não tinham obtido sucesso, dando a entender que num futuro próximo as coisas poderiam ser diferentes. Esta frase, dita num contexto de extrema fragilidade institucional teria promovido um tom de esperança em uma imensa parte da população venezuelana que de fato apoiou o golpe, e apostava em mudanças para o país, assim fossem mudanças radicais promovidas por um grupo de militares. Chávez foi preso no governo de CAP e liberado no governo de Rafael Caldera, no ano de 1994, mas em função dos acordos realizados, Chávez não poderia mais exercer suas funções nas forças militares.

A partir de então, Chávez segue seu destino percorrendo a Venezuela para consolidar um projeto político para o país em torno do nascente Movimento Quinta República (MVR), e Rafael Caldera seguirá exercendo seu mandato até 1998. O mesmo Caldera que fundou COPEI há quatro décadas, agora volta à cena política, vencendo as eleições de 1994 com um movimento eleitoral chamado Convergência Nacional89, o

Nacional Constituinte. Foi nesse período também que surgiu a ideia de fundarem os CB em todo o país como forma de divulgarem a plataforma política do Movimento Bolivariano. 89 Também conhecido como “el chiripero”, uma coalizão partidária heterogênea formada por

qual se transformaria mais adiante no partido Convergência, contudo sem que pudesse fazer maioria no Congresso Nacional. Este seria o sinal dos tempos para a política venezuelana contemporânea. Decididamente, as eleições deste ano colocaram em cheque não só a crise de representação dos partidos políticos AD e COPEI, mas também a hegemonia destas máquinas eleitorais que se alternavam no poder desde 1958.

O tom da campanha eleitoral de Rafael Caldera esteve pautado nas críticas ao sistema político tradicional que ele mesmo representou outrora, mas isto não significou mudanças bruscas de parte de seu governo em relação às políticas de Carlos Andrés Pérez, a quem ele se opôs ferrenhamente durante a campanha. Ao contrário, o período de 1994-1998 esteve marcado por políticas de cunho neoliberal, sendo implementado o terceiro pacote econômico no seu governo, desde que a crise se anunciara no início dos anos 80. Caldera afirmou, na época, que nunca acudiria ao Fundo Monetário Internacional, mas não pode cumprir sua promessa. De fato, as políticas neoliberais se intensificaram em todos os planos, “com um visão estratégica que pretende reorientar a cultura política do país desde o estatismo e o populismo, valorizando o mercado e o individualismo” (Calcaño, 1993: 290, tradução nossa).

A crise que sobreveio no Governo de Caldera representou o deterioramento dos serviços públicos, o que trouxe como consequência o rebaixamento do nível de qualidade de vida da população e de insegurança generalizada. Tanto a pobreza crescia, assim como aumentavam a cada dia o déficit fiscal, a recessão e a inflação. Todo este caldeirão de problemas estava nutrido com a pior crise bancária jamais vista na Venezuela. Nem mesmo a Agenda Venezuela, criada nessa época com o fim de evitar males maiores para a economia venezuelana, pode mostrar resultados significativos a ponto de fortalecer a capacidade de crescimento econômico e melhorar a distribuição de rendas. O modelo econômico rentista petrolífero continuou dando sinais de piora, sem perspectiva de mudanças a médio prazo.

A insatisfação com o sistema político vigente continuava em alta, e foi neste ambiente que ocorreu a campanha eleitoral para presidente de 12 agrupações políticas de centro-esquerda e esquerda como el MAS, URD y MEP, e outros de tendencia centro-direita como o MIN, e inclusive comunistas como o PCV e socialistas como o MAS.

1998, “carregada de uma incerteza sociopolítica, e já não somente pelos indicadores macroeconômicos e financeiros, senão pelo crepúsculo das próprias instituições sociopolíticas, particularmente, os partidos políticos e sua classe dirigente” (Muños, 2008: 235, tradução nossa). Pouco a pouco Hugo Chávez Frías foi mudando de posição em relação ao movimento armado como alternativa de tomada de poder, e pela primeira vez participou da disputa para a presidência, depois de longos percursos pelo país visando a conglomeração de forças políticas de oposição ao modelo democrático vigente.

A partir de agora, o Movimento Bolivariano Revolucionário-200, de caráter eminentemente militar, passaria a fazer parte da história, cedendo lugar ao Movimento Quinta República, dessa vez com caráter cívico-militar90. O Hugo Chávez que fazia campanhas pela abstenção

eleitoral nos anos 90 parecia ter ficado para trás também, mas nem por isso o Chávez da campanha de 1998 deixou de enfatizar sua crítica aos partidos políticos tradicionais e ao sistema político como um todo91. “A

mim não me tira o sono nenhum partido político”, afirmava Chávez em 1999, “a mim me tira o sono a organização do movimento popular […]. Os partidos para mim são como ensaios” (El Nacional, 12-12-1999,

apud, Maya, 2006: 186, tradução nossa).

Revestido de características de governos populistas do passado latino-americano, Chávez ganhou a disputa presidencial de 1998 com mais de 56% das intenções dos votos, oferecendo mudanças radicais e despertando grandes esperanças em setores cada vez mais amplos das massas populares (RAMÍREZ, 2000: 144). A partir de então, a refundação da República92 se daria por meio de um processo de

90 O grupo civil estava encabeçado por José Vicente Rangel e Luis Miquelena, e o grupo militar estava representado por Jesús Urdaneta e Francisco Arias. A legislação eleitoral vigente proíbe expressamente a utilização da figura e o nome do Libertador Simón Bolívar por parte dos partidos e de qualquer movimento eleitoral, por isso o MBR-200 teve que mudar de nome. Na realidade, o MVR será o catalizador de Polo Patriótico, frente eleitoral onde se integravam partidos como: o MAS, o PPT, o MEP, o PCV, entre outros.

91 Na perspectiva de Margarita Maya (2006: 179), esta valorização negativa da política e do político moldará as concepções organizativas e programáticas das organizações surgidas no calor da transição.

92 A partir daí seria chamada de V República em contraposição à IV república que teve seu início com a morte de Bolívar em 1830 e deixaria de existir em 1999 com a com a chegada de Chávez ao poder. Complementando a informação, a I república deu início em 1811 e culminou com a morte de Francisco de Miranda em 1812. A II República nasce em 1813 e morre em

constituinte, promessa que cumpriu em 1999, quando passaria a vigorar não só um novo ordenamento jurídico para a Nação, mas sobretudo, a convicção de que a “moribunda93” Constituição da IV República ficaria

enterrada no passado e a democracia até então vigente, passaria, quem sabe, a outro patamar a partir da V República.

2.7 DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO NO PERÍODO 1958-1999