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AS ELEIÇÕES DE 1998 E O AUGE DO CHAVISMO

Assim que o governo de Rafael Caldera lhe concedeu a Hugo Chávez Frías a liberdade em 1994, o ex-militar insurgente começa a percorrer o interior da Venezuela, amparado por um movimento cívico- militar que crescia a cada dia, e que tinha como mote o apelo à abstenção eleitoral. No ano de 1996, as ideias de dito Movimento seriam delineadas na Agenda Alternativa Bolivariana (AAB), cujos membros se identificavam como “bolivarianos”, “revolucionários,” “patriotas”, e “nacionalistas”, e se recusavam a aceitar os postulados da “velha política”, ou seja, os pressupostos do modelo adeco-copeiano que via na reforma do Estado, nos ajustes econômicos, no live mercado, e em compromissos com o Fundo Monetário Internacional, uma saída para a crise.

Segundo as linhas do documento da AAB, o Movimento pretendia a “morte do velho” e o “nascimento do novo”, por isso propunha romper com os fundamentos do neoliberalismo, ampliar a visão sobre a realidade, percebendo-a em sua magnitude, por meio de um “enfoque humanístico, holístico e ecológico”. Para o grupo, o problema do país não poderia ser atacado de forma estanque. Assim, a estratégia do Movimento Bolivariano tinha como objetivo não somente a reestruturação do Estado, senão a mudança de todo o sistema político, “desde seus fundamentos filosóficos mesmos até seus componentes e as relações que os regulam”. Por essa razão, defendiam “a reconstituição ou refundação do Poder Nacional em todas as suas facetas, baseado na legitimidade e na soberania”. Segundo o Movimento, para um projeto de tal envergadura, o poder constituído não teria a mais mínima capacidade de fazê-lo. Deveriam então, recorrer ao Poder Constituinte, “para ir no sentido da instauração da Quinta República: a República Bolivariana” (Chávez, 1996: 13, tradução nossa)96.

96 A Agenda Bolivariana detecta dois eixos emblemáticos, a saber: pobreza e desnacionalização. A primeira está refletida na crise social e na distribuição regressiva do ingresso. Ao passo que a desnacionalização está relacionada à dívida externa e à abertura da PDVSA para a privatização. A longo prazo, a Agenda Bolivariana previa passar da abertura petrolífera promovida pelos governos de CAP e Caldera a uma “internalização” dessa matéria prima, que consistiria da “Propriedade e controle da industria em mãos do Estado e da Nação

Uma vez definida a Agenda Alternativa Bolivariana como proposta de projeto para a Venezuela, e de acordo com os princípios da legitimidade e da soberania expostos no mesmo documento, em 1997 o MBR-200 abandonaria o discurso abstencionista e começaria a se preparar para as eleições de novembro (para governadores, deputados federais e senadores), e a de dezembro de 1998 para presidente. Nesse sentido, o MBR-200 dará lugar ao MVR (Movimento Quinta República), o qual terá um peso muito grande na composição do movimento Polo Patriótico (PP), grupo em torno do qual se conglomerarão as forças de esquerda venezuelana: MVR, PPT (Pátria Para Todos), MAS, PCV, MEP, Gente Emergente (GE), Solidaridad Independiente (SI) e Asociación Agropecuária (AA).

Os resultados da eleição de novembro para governadores dava mostras de que novas lideranças políticas estavam despontando no cenário político venezuelano. A composição PP elegeu 8 governadores em todo o país, igualando-se à AD, e ficou em segundo lugar em dez dos treze estados restantes (Maya: 2006: 229). Nas eleições de dezembro para presidente, o PP repete a façanha de novembro e Hugo Chávez Frías vence o pleito eleitoral de 1998 para presidente, e de acordo com a tabela abaixo, com uma vantagem considerável em relação a seus oponentes, de acordo com a tabela abaixo.

Tabela VII

Resultado das eleições presidenciais, dezembro de 1998

Hugo Chávez Frías 3.673.685 56,20

Henrique Salas Römer 2.613.161 39,97

Irene Sáez Conde 184.568 2,82

Luís Alfaro Ucero 27.586 0,42

Outros 38.304 0,58

Fonte: CNE, In: http://www.cne.gov.ve/estadisticas.php, acessado em: 12-09-2010. venezuelana; Industrialização 'para baixo': gás e petroquímica; Tecnificação 'desde dentro': ciência e tecnologias próprias” (Chávez, 1996: 21-22).

Um dado que chamou a atenção dos analistas nas eleições de 1998 para presidente, foi exatamente o fato de que a abstenção diminuiu bastante, se comparada com o número de eleitores que se abstiveram de votar nas eleições de novembro. O que explicaria o baixo índice de apatia do venezuelano nas eleições desse ano para presidente? Parece que a candidatura de Chávez e as forças que se aglutinaram ao seu redor, “introduziram na disputa política, a esperança de uma mudança profunda, tanto da classe política como das propostas até então apresentadas” (Maya, 2006: 231, tradução nossa). Mas, haveria também a forte promessa de transitar de um modelo democrático centrada nos partidos para um modelo democrático participativo, no qual estivesse presente o elemento popular, esquecido ao longo de quatro décadas de vigência do sistema populista de conciliação. Se estruturaria, a partir de então, um novo pacto de caráter nacional popular denominado por seus executores como “participativo” e “revolucionário” (Reyes, 2001: 177).

É importante esclarecer que antes do processo constituinte de 1999 havia um antecedente de tendências participativas dos cidadãos nos assuntos públicos locais. Salamanca (2004) aponta que um dos antecedentes jurídicos da nova Constituição em matéria de participação é a Lei Orgânica do Regime Municipal de 1989, cujo Título X faz referencias importantes sobre a participação da comunidade, e estabelece novos mecanismos de democracia direta como o referendo e a revogatória de mandatos em níveis locais. Em matéria de gestão municipal, a lei citada concedia ao cidadão:

Participar na gestão municipal; a iniciativa para a criação de um município; solicitar a destituição do Prefeito ou vereador por irregularidades ou por condenação penal, definitivamente firme, se a câ- mara de vereadores não o fizesse; pronunciar-se em referendum sobre a revogatória ou não do mandato do Prefeito; levar à consideração do Pre- feito, por meio da junta paroquial, as aspirações prioritárias da comunidade em matéria de obras e serviços sociais; ser informado sobre a atividade municipal e a ser promovida sua participação na vida local, especialmente, por meio de associações de vizinhos; reunir-se a cada três meses com a Câ-

mara Municipal com a presença do Prefeito; apre- sentar projetos de gastos por meio de organizações comunitárias, com o respaldo de pelo menos mil vizinhos devidamente identificados; consultar os eleitores mediante referendum […] (Salamanca, 2004: 91, tradução nossa).

Porém, a presença de dispositivos legais direcionados ao campo da participação não significava necessariamente que as deliberações das comunidades tivessem um teor vinculante. Quando de fato ocorria uma convocação da comunidade por parte de prefeitos e vereadores para que se manifestassem sobre determinados assuntos, aquela não era necessa- riamente tomada em conta na hora das decisões, ficando a participação reduzia em seu caráter consultivo. A participação cidadã vinculante -aquela de caráter obrigatório- é, segundo Salamanca (2004: 92, tradu- ção nossa), “o que verdadeiramente define uma democracia semidireta ou participativa”.

3.2 A DEMOCRACIA NO PROCESSO CONSTITUINTE DE