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A Copre e a reforma do estado

2.6 CRISE DO SISTEMA POLÍTICO VENEZUELANO

2.6.3 A Copre e a reforma do estado

Diante de tanto descrédito, tanto institucional como partidário, surgiu uma pequena abertura de parte do governo Lusinchi para pensar algumas reformas do Estado, antes do Caracazo de 1989. A Comissão Presidencial para a Reforma do Estado (COPRE) reuniu atores novos e velhos do cenário sociopolítico venezuelano e foi criada para pensar políticas de descentralização do Estado, numa tentativa de salvaguardar o sistema político e econômico, já em crise, em função da conjugação de múltiplos fatores analisados até aqui: “a longa e pronunciada crise do sistema e o consequente colapso do Estado rentista, o fortalecimento de fatores de poder com expressão territorial provincial, e a decadência das

ideias no plano do desenvolvimento regional” (Mascareño, 2005: 148, tradução nossa).

Dentre as reformas sugeridas, uma das mais importantes foi a eleição direta para governadores estaduais e prefeitos municipais80, as

quais foram acatadas e colocadas em prática no ano de 1989, “alterando dessa forma, a estrutura de oportunidades políticas, sindicais e empresariais para aceitar modificações de ordem socioeconômica e política existente” (Maya, 2006: 49, tradução nossa).

Entretanto, a comissão não pode levar adiante a proposta de reformas econômicas, sendo que as propostas de reformas sugeridas para o campo político sofrerão duras críticas do próprio Executivo nacional, o mesmo ator que impulsou ditas reformas. É importante ressaltar a imbricação deste debate com um debate mais amplo sobre o processo centralizador do Estado venezuelano, que ao longo de sua existência provocou uma centralização política, uma centralização administrativa, uma concentração da administração pública, e um debilitamento das autoridades locais (Brewer-Carías, 1982: 98). Dessa forma, o problema da descentralização não passa a ser visto apenas como um requisito na implementação de políticas neoliberais no país81.

80 O artigo 22 da Constituição de 1961 estabelecia que a eleição e remoção dos governadores ocorreria de acordo aos princípios democráticos, e que a mesma dependeria de projeto de lei aprovado pelas Câmaras do congresso nacional. E caso o corpo legislativo não elaborasse a lei prevista no artigo, os governadores seriam nomeados e removidos livremente pelo Presidente da República. Algo que chama a tenção, quando se analisa o sistema política democrático venezuelano desde a década de 60 é que os deputados e senadores da república foram omissos quanto a este quesito tão importante para o fortalecimento e descentralização do poder, ao não aprovarem o projeto de lei que regulamentaria as eleições diretas para governadores. Durante a vigência da ditadura no Brasil, por exemplo, a escolha de governadores era feita a dedo (bionicamente), mas não dá para imaginar que este tipo de ação tenha ocorrido durante mais de três décadas na Venezuela democrática. De costas para os interesses regionais, os governadores seguiam tanto as diretrizes do governo nacional, assim como as linhas dos líderes nacionais dos partidos.

81 Segundo Brewer-Carías (1982: 98-100-103, tradução nossa), no Estado venezuelano, “o poder político, jurídico, financeiro, tributário, normativo e administrativo, ficou centralizado nas instituições políticas nacionais: o Congresso e o Poder Executivo. O país, fora da sede dos poderes nacionais, existe com dificuldade. A vida política de nossas províncias às vezes é inócua e inútil: quase não serve para nada, salvo para a sobrevivência dos líderes políticos locais, os quais, em geral, tem uma só visão: Caracas. O interior, politicamente não atrai […]. Administrativamente falando, se chegou ao absurdo do absurdo de “centralizar tudo no nosso país: os serviços educativos, os serviços de atenção médica, a regulação do trânsito, a planificação urbana, o abastecimento das populações […]. E o que é mais grave: “nossas

Embora o conservadorismo político tenha prevalecido sobre a vontade de mudanças e reformas propostas pela COPRE, é importante ressaltar que os trabalhos realizados por esta Comissão desde 1984 trouxeram como resultado a aprovação de um conjunto de importantes leis82 que seriam fundamentais nos processos de descentralização, de

mais participação política e de controle social sobre o poder executivo, que o país começava a reclamar. Por outro lado, este não tem sido um processo isento de tensões entre seus vários atores nacionais e regionais (Maya, 1991: 247)83. As primeiras eleições para a escolha direta de

governadores, de dezembro de 1989, fruto dos trabalhos da COPRE, já dava mostra do quão descontente andava a sociedade venezuelana com o sistema político representativo vigente84.

O “voto castigo” tirou vários mandatários tradicionais da cena política, renovando os quadros políticos em muitas regiões do país até então redutos consagrados de AD e COPEI85. O resultado das eleições

administrações municipais são, na atualidade, os exemplos mais característicos de administrações inservíveis, esvaziadas de competência, de caráter ineficiente, e dominadas por partidos políticos ou grupos com atribuições apenas burocráticas” (Brewer-Carías, 1982: 98- 100-103, tradução nossa).

82 Dentre elas: 1- Lei de Eleição e Remoção dos Governadores de Estado (1988 e 1989), promovendo dessa forma a eleição direta para os mandatos de governadores estaduais; 2- Lei Orgânica do Regime Municipal (1989), que incrementou as referencias à participação e incorporou um capítulo sobre a Descentralização de serviços às comunidades e grupos de vizinhos organizados; 3- Lei Orgânica de Descentralização, Delimitação e Transferências de Competências do Poder Público (1989); 4- Lei do Fundo Intergovernamental para a Descentralização (FIDES/1993).

83 Dentre as propostas da COPRE para a área política sugeria: 1- Fortalecimento dos níveis locais estaduais e municipais como instancias com poderes próprios de decisão política; 2- Eleição de governadores e de prefeitos; 3- Reforma do sistema eleitoral no sentido de que as autoridades locais e regionais fossem eleitas pelas comunidades e não por indicação partidária; 4- Criação de um sistema de cargos administrativos, por meio do qual os funcionários pudessem aceder a cargos públicos mediante a realização de concursos públicos, o que levaria a consequentemente respeitando a estabilidade dos mesmos, evitando, dessa forma, uma politização de tais cargos.

84 Neste sentido, se pode afirmar que foi a proposta de descentralização promovida pela COPRE, e não outra razão, “a que promoveu a ruptura do bipartidarismo hegemônico imperante na Venezuela desde 1958” (LALANDER, 2004, tradução nossa).

85 O Estado Bolívar, no sul da Venezuela, parece que estava dando o alerta de que algo começava a fugir o controle da hegemonia bipartidarista nas eleições de 1989. Andrés Velásquez, fundador do partido Causa Radical, foi um candidato da oposição que surgiu no movimento obreiro no seio da CVG (Corporação Venezuelana de Guayana). De igual maneira, no Estado Aragua surgia outra frente política diferente a partir do MAS.

trouxe a presença da oposição para o cenário político regional e local, começando dessa forma uma discussão efetiva sobre a descentralização dos recursos nacionais para ditas regiões, “o que possibilitou que o mapa político do país adquirisse uma diversidade de cores, a diferença da etapa anterior em que os governadores dos estados tinham a mesma filiação política do mandatário nacional de turno” (Banko, 2008: 171, tradução nossa).

Por um lado, parecia não haver dúvidas de que a conquista do direito da população escolher seus mandatários regionais diretamente significou um avanço importante, e os esforços caminhavam no sentido de garantir o êxito de tais ações. Porém, por outro lado, essas mudanças significativas não pareciam atenuar os efeitos da crise econômica e social que se arrastava desde o início da década de 80: “graves deficiências nas políticas sociais e serviços públicos indicavam a incapacidade dos sucessivos governos para utilizar o ingresso petrolífero como instrumento de desenvolvimento” (Banko, 2008: 171, tradução nossa). O Caracazo ocorrido em 1989 e as tentativas de golpes militares no ano de 1992, indicam que a sociedade venezuelana estava diante de um quadro gravíssimo de desinstitucionalização, e que as reformas sugeridas pela COPRE foram capazes de amenizar os problemas por um tempo, mas não puderam evitá-los.