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CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA POPULISTA DE CONCILIAÇÃO

Tal como comentado acima, muitos setores da sociedade venezuelana apoiaram a derrocada do regime de Pérez Jiménez em função de interesses bem definidos e corporativos, mas o fato mais importante é que dessa vez os partidos que estavam participando e costurando os acordos, davam sinais de que estavam mais conscientes sobre a envergadura de suas responsabilidades, sobretudo o partido AD que deveria deixar para trás as posturas e condutas intransigentes do triênio 1945/1948. A dura experiência do passado ensinou aos partidos do PPF que deviam evitar confrontações entre si, conflitos e sectarismos, afinal de contas, as tensões sociais e políticas eram prementes, e ainda não estava descartada a possibilidade de outro golpe militar depois da queda de Pérez Jiménez. E foi nesse contexto de instabilidade e de possibilidades de regresso novamente dos militares na condução do país que os partidos AD, COPEI e URD assinaram o PPF, apoiados por alguns setores da Forças Armadas, da Igreja Católica, de setores como o Comitê Sindical Nacional e a Federação de Centros Universitários. O Partido Comunista de Venezuela (PCV) ficou excluído do Pacto, ponto que já estava acordado desde 1957 quando líderes de AD, COPEI e URD se reuniram em New York para debater sobre a implementação da democracia no país52.

O documento redigido em Punto Fijo consta de princípios gerais e de compromissos. Os princípios gerais foram concebidos assim:

a) segurança de que o processo eleitoral e os Poderes Públicos que dele vão surgir respondam às pautas democráticas da liberdade efetiva do sufrágio; e b) garantia de que o processo eleitoral não somente evite a ruptura da frente unitário senão que a fortaleça mediante a prolongação da trégua política, a despersonalização do debate, a erradicação da violência inter partidista, a definição de normas que facilitem a formação do Governo e dos corpos deliberantes, de modo que ambos agrupem equitativamente a todos os sectores da sociedade venezuelana, interessados na estabilidade da República como sistema popular de Governo (Pacto de Punto Fijo, 1958, tradução nossa).

Tal como comentado acima, e fazendo alusão ao passado, o documento reflete no ponto “b” a preocupação com a política em termos de violência, ideia que ficará melhor explicitada nos compromissos específicos do documento, a saber: a) Defesa da constitucionalidade e do direito a governar conforme o resultado eleitoral; b) Governo de Unidade Nacional; c) Programa mínimo comum.

O PPF ocorreu em outubro de 1958 e as eleições estavam previstas para dezembro do mesmo ano, sendo que o período de governo previsto seria de 1959-1964. No fundo, o apelo à Unidade Nacional contido no documento evidenciava duas coisas: em primeiro lugar, que as forças políticas partidárias e todas as organizações que estavam apoiando o PPF se sentissem responsáveis na defesa das autoridades constitucionais, caso o setor militar não aceitasse os resultados das eleições que estavam por acontecer. E, em segundo lugar, e em consequência do anteriormente exposto, o Governo de Unidade democráticos, além de alguns grupos de militares. Mesmo tendo participado da derrota de Pérez Jiménez e apoiado a democracia naquele momento, o Partido Comunista adotou mais tarde a política da insurreição armada em função do caráter antidemocrático que o sistema recém instalado demonstrava. Há que esclarecer que o PCV foi o partido que fez mais enfrentamentos ao regime de Pérez Jiménez enquanto a AD continuava na clandestinidade.

Nacional seria uma forma de canalizar forças partidistas distintas, evitando, dessa forma, o debilitamento das forças democráticas no país.

Em outras palavras, a Unidade Nacional não significou a ideia de escolha de candidato único dentre todos os partidos que disputariam as eleições, ao contrário, significava que cada partido poderia disputar as eleições com candidatos próprios. Neste caso, os partidos perdedores deveriam respeitar não só os resultados advindos da disputa, assim como deveriam estar dispostos a defender o partido vencedor de futuros golpes de estado, se chegassem a ocorrer. Além do que, o PPF significou também, a possibilidade de participação de várias correntes políticas nacionais no governo executivo, vencedor do pleito eleitoral. E por fim, e de acordo com o Pacto, uma vez eleito, o Presidente realizaria sua administração inspirada no programa mínimo de governo, o qual compreenderia a execução de projetos nas áreas de ação política e administração pública, política econômica, política petrolífera e mineira, política social e laboral, política educacional, forças armadas, política imigratória e política internacional (Camargo, 2007: 102).

Pode-se dizer que o PPF foi um dos fatos políticos mais relevantes do século XX que impulsaria a implementação da democracia na Venezuela da década de 60. Mas somente este fator não explica a consolidação do regime democrático instaurado a partir de então. A Constituição de 1961 viria a ser o suporte que faltava para dar uma certa “blindagem” a este sistema53, além da consolidação do sistema de

partidos ao longo da década de 70 e da renda petrolífera que facilitou o desenvolvimento de várias políticas públicas voltadas para muitas parcelas da população venezuelana, até então excluídas da vida social do país.

A Constituição de 1961 refletiu em seus artigos a preocupação de dotar mecanismos institucionais que pudessem assegurar as regras do jogo democrático representativo54, colocando os partidos políticos como

53 Na perspectiva de Trenado (1994: 120, tradução nossa), trata-se de uma “democracia consensual populista”. E na perspectiva de Juan Carlos Rey (1989: 542), trata-se da instauração de um “sistema populista de conciliação”, ou então de uma “democracia sem povo” (1989: 253, tradução nossa).

54 O art. 3º das disposições fundamentais da Constituição de 1961 diz que: “O governo da República de Venezuela é e será sempre democrático, representativo, responsável e alternativo”. E complementando o artigo anterior, o art. 4º diz: “A soberania reside no povo, quem a exerce, mediante o sufrágio, pelos órgãos do Poder Público”.

epicentro da vida pública, de tal maneira que os mesmos pudessem competir no jogo eleitoral livremente, sem enfrentamentos diretos. De igual maneira, a Constituição de 1961 estabeleceu o sufrágio universal, o direito de associação, o princípio de representação proporcional das minorias e a regulação do sistema eleitoral. De certa maneira, a Carta Magna dessa época colocava em evidência duas preocupações que já estavam, de certa forma, presentes no PPF, quais sejam: procurar superar a cultura de governos autoritários do passado e evitar que os sectarismos partidários levassem à deriva a democracia nascente, tal como ocorreu no traumático período de 1945-1948.