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SIMPLES COMPLEXO

5 UMA ANÁLISE DA TEORIA DE CAPACIDADES DINÂMICAS À LUZ DA VISÃO SISTÊMICA

5.2.4 A visão sistêmica na teoria evolucionária da mudança

Há pelo menos cinco aspectos do modelo econômico de Nelson e Winter (1982) merecem ser ressaltados no contexto desta dissertação. O primeiro aspecto diz respeito ao seu caráter inerentemente evolutivo. O diagrama causal da Figura 22 ilustra a lógica do modelo evolutivo de Nelson e Winter (1982, p. 19), conforme descrito na seção 2.6.2 . A figura reduz o mercado ao caso de duas empresas, por simplicidade de representação.

Em um determinado momento, as características internas de cada empresa, em interação com as condições de mercado, determinam os níveis de suprimento e demanda. O nível de demanda determina os preços no mercado, que, por sua vez, determinam a lucratividade de cada empresa. A lucratividade condicionará as regras de investimento de cada empresa, resultando na sua contração ou expansão. As condições da indústria em um período preparam as condições para o período seguinte (NELSON; WINTER, 1982, p. 19).

Em um novo período, os níveis de suprimento e demanda se alteram, de acordo com o novo tamanho das empresas; os preços e a lucratividade se ajustam e assim por diante. Através desse processo de seleção, os níveis agregados de suprimento e produção das empresas e os níveis de preço passam por mudanças dinâmicas, ainda que as características operacionais das empresas se mantenham constantes. Porém, as características operacionais também estão sujeitas a modificação, provocadas pela aplicação das regras de busca de cada empresa.

Figura 22 – Diagrama causal da modelo econômico evolutivo de Nelson e Winter (1982).

Fonte: Elaborado pelo autor usando o Vensim® PLE, versão 6.4b.

Busca e seleção são aspectos simultâneos e interdependentes do processo de evolução: os mesmos preços que fornecem feedback para seleção também influenciam as direções de busca. Através da ação conjunta de busca e seleção, as empresas evoluem com o tempo, expandindo-se ou contraindo-se.

O segundo aspecto do modelo econômico de Nelson e Winter (1982) que merece ser destacado no contexto desta dissertação está relacionado com o modelo organizacional baseado em rotinas. O modelo de organização baseado em rotinas de Nelson e Winter (1982) possui vários elementos em comum com o VSM. O Quadro 8 apresenta um mapeamento dos conceitos relacionados a rotinas às cinco funções do VSM de Beer (1979). A Figura 23 ilustra esse mapeamento.

Em resumo, a rotinização representa uma forma eficiente de coordenação (S2) entre indivíduos autônomos (S1). Enquanto algumas rotinas estão relacionadas às características operacionais e governam o comportamento de curto-prazo (S3), outras possibilitam o comportamento flexível, permitindo a adaptação em resposta a variações do ambiente (S4).

Há ainda rotinas (S5) que são responsáveis por redefinir as características operacionais com base no propósito do sistema, isto é, com base no escrutínio do que a empresa faz e do porque ela o faz. A operação de rotina estabelece um compromisso entre uma liberdade relativa que permite acomodar as motivações dos membros organizacionais e a restrição imposta pelos requisitos para o funcionamento organizacional. Esse compromisso entre liberdade e restrição é um aspecto importante na teoria do VSM (BEER, 1979, p. 173).

Quadro 8 – Mapeamento do conceito de rotinas no VSM

VSM

Beer (1979) Nelson e Winter (1982) Rotinas

Homeostase (1985, p. 9) Uma organização em operação de rotina está em um estado de equilíbrio interno com base em um fluxo circular de informação (p. 103)

Hierarquia (p. 335) Existe uma hierarquia de regras de decisão: há processos de mais alta ordem, que ocasionalmente agem para modificar os de mais baixa ordem (p. 17).

Sinergia (p. 203) A posse do “conhecimento” técnico é uma propriedade da empresa como um todo, como uma entidade organizada. Ela não pode ser reduzida a uma mera agregação das várias competência e capacidades de todos os vários indivíduos, equipamentos e instalações da empresa (p. 63).

Princípio da recursividade

(p. 73, 315, 321) Entretanto, em um sentido limitado, o comportamento organizacional pode ser reduzido ao comportamento dos indivíduos que são seus membros. Os próprios indivíduos são organizações complexas (p. 72)

S1 (p. 113) Os indivíduos retêm repertórios de rotinas que lhes cabem. Um membro individual da organização recebe um fluxo contínuo de mensagens dos outros membros organizacionais e do ambiente. Ele interpreta essas mensagens, seleciona a rotina apropriada do seu repertório de rotinas e a executa (p. 100). As interpretações que os membros organizacionais dão às mensagens são o mecanismo que seleciona uma coleção de desempenhos dos membros individuais que compõem o desempenho produtivo da organização como um todo (p. 104). S2 (p. 176) A coordenação é algo essencial para o desempenho organizacional produtivo; e

a capacidade dos membros individuais, conhecendo seus trabalhos, interpretar e responder corretamente às mensagens que recebem, é algo essencial para a coordenação (p. 104).

A rotinização permite alcançar a coordenação e estabelecer uma memória organizacional que sustenta essa coordenação (p. 107).

S3 (p. 202) As características operacionais são uma classe de rotinas relacionadas ao que a empesa faz diariamente através do emprego dos seus fatores de produção; elas governam o comportamento de curto-prazo (p. 16)

S4 (p. 227) O desempenho flexível, em que a organização como um todo realiza coisas bem diferentes em momentos diferentes, envolve variação do desempenho organizacional em resposta à variação do ambiente. Nesse caso, os membros organizacionais têm que reter no seu repertório uma grande variedade de rotinas especializadas, além de ser capazes de interpretar um conjunto rico de mensagens do ambiente e traduzi-las em execução dessas rotinas. Eles devem ser capazes de fazê-lo mesmo que transcorra um longo tempo entre execuções de algumas dessas rotinas especializadas. Isso tem um efeito disruptivo no desempenho organizacional (p. 106).

S5 (p. 259) Há rotinas que modificam, ao longo do tempo, vários aspectos das características operacionais da empresa. Elas envolvem escrutínio do que a empresa faz e do porque ela o faz, com o objetivo de revisão ou, até mesmo, de mudança radical (p. 17).

Um segundo conjunto de rotinas estão relacionadas a regras de investimento. As regras de investimento usadas pelas empresas são condicionadas pelos lucros que elas conseguem obter, de modo que as empresas lucrativas crescerão e as não- lucrativas se contrairão. Esse mecanismo de seleção é análogo à seleção natural na teoria evolutiva biológica (p. 17).

Liberdade (autonomia) versus restrição (sinergia) (p. 173)

A operação de rotina reflete uma acomodação entre os requisitos para o funcionamento organizacional e as motivações de todos os membros organizacionais (p. 108).

Conflito, tanto manifesto quanto latente, persiste; porém dentro de limites previsíveis e consistentes com a operação de rotina. A operação de rotina envolve uma trégua no conflito organizacional (p. 110).

Figura 23 – A organização baseada em rotinas de Nelson e Winter (1982) como um sistema viável

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Beer (1979, p. 321) e Nelson e Winter (1982).

O terceiro aspecto do modelo econômico de Nelson e Winter (1982) a ser ressaltado no contexto desta dissertação também está relacionado com o modelo organizacional baseado em rotinas. O modelo de organização baseado em rotinas desenvolvido por Nelson e Winter (1982) apresenta características em comum também com a SSM. O Quadro 9 apresenta o mapeamento dos conceitos relacionados a rotinas na teoria da SSM de Checkland (1981).

As rotinas, da maneira como foram descritas por Nelson e Winter (1982), se assemelham aos sistemas de atividade humana propositados e ao próprio sistema de aprendizagem da SSM,

?

S5 Rotinas de modificação: revisão x mudança radical

Regras de investimento: crescimento x contração S4 Desempenho flexível: variação do desempenho em resposta ao ambiente S3 Características operacionais: comportamento de curto-prazo S1 Seleção de uma rotina do repertório S1 Seleção de uma rotina do repertório Execução da rotina Execução da rotina S2 Coordenação: interpretação e resposta às mensagens dos outros membros da organização

conforme descritos por Checkland (1981). As rotinas representam acomodações de interesses entre o participantes que permitem encaminhar as ações necessárias ao funcionamento organizacional. Elas engendram a sinergia sistêmica que faz suscitar propriedades emergentes tais como o conhecimento organizacional e o comportamento organizacional que, se por um lado, não podem ser reduzidos ao que um único indivíduo sabe ou faz, por outro lado, também não podem ser reduzidos a uma mera agregação das várias competências e capacidades de todos os vários indivíduos, equipamentos e instalações da empresa.

Quadro 9 – Mapeamento do conceito de rotinas na SSM

SSM

Checkland (1981) Nelson e Winter (1982) Rotinas

Sistema de atividade

humana (p. 115) O termo rotina designa todos os padrões de comportamento regulares e previsíveis das empresas (p. 16). Complexidade

organizada (p. 78) A posse do “conhecimento” técnico é uma propriedade da empresa como um todo, como uma entidade organizada. Ela não pode ser reduzida ao que um único indivíduo sabe, tampouco a uma mera agregação das várias competências e capacidades de todos os vários indivíduos, equipamentos e instalações da empresa. Entretanto, em um sentido limitado, o comportamento organizacional pode ser reduzido ao comportamento dos indivíduos que são seus membros (p. 63).

Propriedades emergentes (p. 78)

Regularidade no comportamento individual têm consequências, senão contrapartidas, no comportamento organizacional (p. 72).

Acomodações

coletivas (p. 181) A operação de rotina reflete uma acomodação entre os requisitos para o funcionamento organizacional e as motivações de todos os membros organizacionais (p. 108). Fonte: Elaborado pelo autor.

O quarto aspecto do modelo econômico de Nelson e Winter (1982) que deve ser destacado no contexto desta dissertação diz respeito ao caráter de sistema sociotécnico das rotinas. Nelson e Winter (1982, p. 103) descrevem a capacidade produtiva como um exercício que envolve uma “lista de ingredientes” e “receitas” que combinam a habilidade dos membros individuais – elementos do sistema social – com as capacidades associadas às coleções de equipamento e plantas especializados – elementos do sistema técnico.

Nelson e Winter (1982, p. 105) observam que o conhecimento armazenado nas memórias humanas é significativo e efetivo somente no contexto organizacional. O contexto da informação que um membro individual possui inclui: (1) as várias formas de memória externa – arquivos, quadros de aviso, manuais, memória dos computadores, fitas magnéticas – que complementam e apoiam a memórias dos membros individuais; (2) o estado físico dos equipamentos, da estrutura e o estado do ambiente de trabalho; e (3) a informação que todos os demais membros possuem. Essa teoria sobre a memória organizacional ilustra a sinergia que pode existir entre recursos humanos e recursos técnicos. É essa sinergia que se caracteriza, aqui, como uma propriedade de um sistema sociotécnico.

Finalmente, o quinto aspecto do modelo de organização baseado em rotinas de Nelson e Winter (1982) que se pode destacar é que ele encerra uma preocupação comum com a teoria da administração evolutiva de Ulrich (1984) e de Malik e Probst (1984).

Nelson e Winter (1982, p. 109) entendem que, exceto no caso de tarefas que envolvem baixos níveis de habilidade, executada sob condições favoráveis para observação de vários membros organizacionais por um único supervisor, não é prático monitorar e controlar o comportamento tão detalhadamente que somente comportamentos organizacionais apropriados sejam permitidos. Ulrich (ULRICH, 1984, p. 85) concorda que é impossível se exercer controle sobre cada um dos elementos de um sistema complexo; por isso, deve-se projetar os sistema sociais com capacidade de autocontrole.

Malik e Probst (MALIK; PROBST, 1984), da mesma forma, observam que a sobrevivência e a eficiência da organização em um ambiente complexo que está constantemente mudando de maneiras imprevisíveis, requer que ela se ajuste e se adapte constantemente a um grande número de fatores; os sistema auto-organizadores são capazes de processar muito mais informação e desempenhar o ajuste mútuo de um grande número de relações em comparação com os sistema de decisão centralizadores. Por meio da sua teoria da memória organizacional retida através de rotinas, Nelson e Winter (1982) descrevem como se dá essa capacidade superior de processamento distribuído.

Nelson e Winter (1982, p. 106) distinguem entre os requisitos de memória para um desempenho coordenado complexo – em um momento específico – e os requisitos para um desempenho flexível – em momentos distintos. A memória organizacional está distribuída através das memórias humanas dos membros organizacionais. O desempenho complexo impõe uma demanda constante ou decrescente sobre a memória dos membros individuais, pois acaba sendo distribuído entre muitos indivíduos. O desempenho flexível, em contraste, envolve variação do desempenho organizacional em resposta a variação do ambiente. Nesse caso, os membros organizacionais têm que reter no seu repertório uma grande variedade de rotinas especializadas, além de ser capazes de interpretar um conjunto rico de mensagens do ambiente e traduzi-las em execução dessas rotinas.

Tanto no caso do desempenho complexo quanto no caso do desempenho flexível, são os membros organizacionais que processam as informações de coordenação – no primeiro caso – ou as informações de variação do ambiente – no segundo caso. Esse processamento distribuído entre os membros organizacionais tende a ser, conforme defendem (MALIK; PROBST, 1984), mais eficiente do que o processamento concentrado em poucos indivíduos designados para exercer controle centralizado.