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A visão sistêmica na teoria das flutuações econômicas de Schumpeter

SIMPLES COMPLEXO

5 UMA ANÁLISE DA TEORIA DE CAPACIDADES DINÂMICAS À LUZ DA VISÃO SISTÊMICA

5.2.1 A visão sistêmica na teoria das flutuações econômicas de Schumpeter

Schumpeter (1997, p. 29) faz uso extensivo do termo “sistema econômico”. Sua concepção do sistema econômico oscila entre as metáforas mecânica e orgânica. Ele declara que o que quer analisar é “o funcionamento de seu mecanismo ou organismo em um dado estágio de desenvolvimento”.

Schumpeter usa a metáfora mecânica ao descrever a atividade econômica como um “mecanismo da troca econômica” (1997, p. 26, 56) que “se opera com grande precisão” (1997, p. 25), do qual ele procurou capturar uma “imagem mental” (1997, p. 26). Schumpeter usa a metáfora orgânica ao descrever a atividade econômica como um fluxo circular “semelhante à circulação do sangue em um organismo animal” (1997, p. 72) e se refere à economia como um “organismo econômico” (1997, p. 47, 118); o interesse do autor estava na “compreensão da vida do organismo econômico” (1997, p. 108).

Schumpeter admite que seus modelos, baseados nessas metáforas, são apenas abstrações da realidade, isto é, que os fatos econômicos fazem parte de um contexto mais amplo e são artificialmente extraídos desse contexto pela “mão classificadora do investigador” (1997, p. 23). Essa consciência crítica é característica da visão sistêmica moderna.

O fluxo circular representa um equilíbrio dinâmico baseado em realimentação negativa, em que o sistema mantém sua natureza. A descrição do comportamento dos indivíduos nesse sistema econômico em equilíbrio (1997, p. 87) lembra o modelo de sociologia do conhecimento de Berger e Luckman (1985). Schumpeter descreve um tipo de conduta institucionalizada:

“Enquanto no fluxo circular habitual todo indivíduo pode agir pronta e racionalmente, porque está seguro do terreno em que pisa e se apoia na conduta ajustada a esse fluxo circular por parte de todos os outros indivíduos, que por sua vez esperam dele a atividade habitual”

A atividade habitual a que Schumpeter se refere, lembra a conduta institucionalizada do modelo sociológico de Berger e Luckman (1985). A institucionalização implica em historicidade – não pode ser criada instantaneamente – e controle – estabelece padrões previamente definidos de conduta. Essa factibilidade histórica e objetiva exerce poder coercitivo sobre o indivíduo. Essa força coercitiva corresponde a uma realimentação negativa que mantém a homeostase do sistema econômico, conforme detalhada por Schumpeter.

O diagrama causal da Figura 20 sumariza a descrição do ciclo econômico de Schumpeter (1997). A explicação da figura, que se segue, é uma interpretação da teoria de Schumpeter à luz da visão sistêmica.

Figura 20 – Diagrama causal do modelo do ciclo econômico descrito por Schumpeter (1997).

Fonte: Elaborado pelo autor usando o Vensim® PLE, versão 6.4b. Onda

primária

Boom secundário

A fase de prosperidade do ciclo econômico tem início quando empreendedores, em um processo em massa, introduzem novas combinações (ou inovações) no sistema econômico. A introdução de novas combinações não ocorre de forma lenta e gradual, porque “o aparecimento de um ou de poucos empresários facilita o aparecimento de outro, e estes provocam o aparecimento de mais outros, em número sempre crescente”.

Conforme mostra a Figura 20, há um ciclo de realimentação positiva: à medida que os pioneiros e seus sucessores obtêm sucesso com a introdução de novas combinação, eles removem os obstáculos, reduzindo gradativamente o nível de dificuldade do empreendimento, exigindo cada vez menos qualificação do empresário, facilitando o surgimento de um número paulatinamente maior de empreendimentos da mesma natureza.

Esse surto inicial, ou onda primária, se traduz em um aumento substancial do poder de compra, financiado pelo crédito concedido nos moldes do capitalismo, e provoca um boom secundário. O boom secundário tem a dinâmica de um processo inflacionário, representado na Figura 20 através de outro ciclo de realimentação positiva. A concorrência por meios materiais de produção e o aumento da demanda por trabalho, causa um aumento dos custos de produção e dos salários, respectivamente, acompanhado de um aumento dos preços, mas também do consumo. O aumento do consumo estimula a produção, realimentando, assim, positivamente todo o processo. Essa onda secundária “se espraia por todo o sistema econômico”, e envolve consequências que “se difundem por todos os canais econômicos” (1997, p. 213). Ela explica o fenômeno da prosperidade geral, que é acentuado pela euforia especulativa que lhe é característica. Trata-se de um ciclo virtuoso de aumento da prosperidade, em que a prosperidade se torna a causa de mais prosperidade.

Esse processo dura até que, depois de alguns anos, ou mais cedo, os novos produtos, resultantes das novas combinações, chegam ao mercado e concorrem com os produtos das empresas antigas (1997, p. 218). Tem início, então, um novo ciclo de realimentação positiva, também representado na Figura 20, que explica a depressão e a crise. As empresas antigas, que, ainda durante o boom secundário, já haviam sofrido com o revés do aumento de custos, sofrem agora com a redução das receitas, por causa da concorrência dos novos produtos. Além disso, a produção massiva dos novos produtos tem o efeito de reduzir os preços. Essa combinação de fatores leva muitas empresas antigas a terem prejuízos. Isso reduz a demanda por meios de produção e por trabalho, que, somados à redução dos preços, deflagra um processo inverso ao do boom secundário, de redução de salários, aumento de preços, retração do consumo e da produção; enfim um processo deflacionário que, como descreve Schumpeter, põe fim ao boom, pode levar a uma crise e deve levar a uma depressão (1997, p. 219).

Schumpeter explica que a depressão nada mais é do que o resultado da busca do sistema econômico por uma nova situação de equilíbrio, pela homeostase do fluxo circular, que sofreu uma grande perturbação com a introdução massiva de novas combinações. Por um lado, “o impulso que impele o processo de depressão teoricamente não pode parar” até que tenha conduzido o sistema econômico a uma nova posição de equilíbrio; por outro lado, “nenhuma perturbação nova na forma de um novo boom pode até então surgir do sistema econômico em si mesmo” (SCHUMPETER, 1997, p. 226). No novo estado de equilíbrio o sistema mantém a mesma natureza do fluxo circular original. Agora, porém, ele incorpora as inovações e consolida os efeitos da depressão e da crise sobre as empresas antigas.

O diagrama causal da Figura 20 mostra que tanto o período de prosperidade do ciclo econômico quanto o período de crise são processos de realimentação positiva (MARUYAMA, 1963). O sistema econômico capitalista, conforme descrito por Schumpeter, tem a natureza de um sistema dissipativo (PRIGOGINE, 1977), caracterizado por “flutuações econômicas recorrentes” (SCHUMPETER, 1997, p. 201). A energia injetada no sistema dissipativo são as inovações, a liderança dos empreendedores e o crédito para financiar os novos empreendimentos. A forma como a onda de prosperidade “se espraia por todo o sistema econômico” remete às correlações de longo alcance que conduzem o sistema dissipativo da economia a um novo estado de equilíbrio (BAUER, 2000). No novo estado de equilíbrio, as inovações se estabelecem em detrimento de empreendimento que se tornaram obsoletos.

A descrição de Schumpeter do sistema econômico o caracteriza como um sistema auto- organizante, adaptativo e autopoiético (BAUER, 2000). Após as perturbações, restabelece-se o fluxo circular, a situação de homeostase que define a natureza do sistema econômico schumpeteriano.