• Nenhum resultado encontrado

SIMPLES COMPLEXO

4.6.1 Administração evolutiva A origem do conceito

O termo “administração evolutiva” foi cunhado por Malik e Probst (1984) para se referir a um desdobramento da abordagem orientada a sistemas no gerenciamento de negócios que se desenvolveu na Universidade de St. Gallen, na Suíça, sob liderança intelectual de Hans Ulrich (1984).

Ulrich (1984) observou que, tradicionalmente, a administração era definida em termos de um conjunto de atividades tais como planejamento, tomada de decisão, organização, liderança de pessoas, controle, etc., como foco, principalmente, em companhias de negócios. No contexto da visão sistêmica, ele sugeriu uma definição de administração mais geral e mais ampla do que essa conceituação tradicional. Ulrich (1984, p. 80) entendia que o campo de investigação da teoria da administração inclui todos os sistemas propositados da sociedade humana. Em um nível mais abstrato, então, ele define administração como “o projeto, controle e desenvolvimento de sistemas propositados” (ULRICH, 1984, p. 82).

O projeto é a construção de um sistema com os atributos desejados de viabilidade e sua manutenção como uma entidade competente, propositada. O projeto é um processo inventivo baseado na criação de modelos mentais que capturam uma realidade não existente, por ser alcançada, com todas a implicações éticas dessa atividade. O projeto é responsável por prover o sistema com “controlabilidade”.

O controle é “a determinação de metas e o estabelecimento de execução e supervisão de atividades propositadas de um sistema e seus componentes e elementos” (ULRICH, 1984, p. 83). Devido à impossibilidade fundamental de se saber tudo que é necessário acerca de uma situação complexa e devido à incapacidade de se exercer controle sobre cada um dos elementos de um sistema complexo, a função de administração deve desviar seu foco do controle direto e pessoal, buscando, ao invés, projetar sistemas sociais com capacidade de autocontrole, nos

quais, por exemplo, “o próprio processo de trabalho, ao invés de um superior, determina o comportamento dos empregados envolvidos no trabalho” (ULRICH, 1984, p. 85).

Finalmente, sistemas viáveis complexos não podem ser construídos seguindo-se plantas previamente definidas, mas eles somente podem ser desenvolvidos ao longo do tempo, através de uma abordagem evolutiva.

Portanto, de acordo com essa concepção de administração, “o controle e o projeto de sistemas sociais deve ser entendido como atividades que ocorrem dentro do arcabouço de um processo de desenvolvimento de sistema de longo-prazo, que nunca se completa” (ULRICH, 1984, p. 86).

Para Malik e Probst (1984, p. 107), o caráter evolutivo de uma organização decorre do seu entendimento como um sistema. Esses autores defendem que o entendimento dos princípios operacionais da evolução poderia ser de considerável importância para o desenvolvimento das organizações, e especialmente para sua habilidade de se adaptar a mudanças imprevisíveis.

A justificativa que Malik e Probst apresentam para sua proposta de uma abordagem evolutiva à administração é a seguinte (1984, p. 108, tradução do autor):

[...] os padrões complexos de organização que se encontra em toda empresa real jamais podem ser completamente baseados em planejamento, organização e administração consciente. Eles são, na verdade, em uma extensão considerável, baseados em princípios operacionais autônomos da dinâmica do sistema. Se entendermos esses princípios, podemos usá-los para desenvolvimento do sistema; mas podemos também estrangular ou destruir completamente o sistema através de interferência ignorante com o mesmo.

Ou seja, o entendimento dos princípios operacionais da dinâmica do sistema organizacional deveria ser cuidadosamente considerado, a fim de se evitar a interferência ignorante, ingênua ou irresponsável com um sistema organizacional complexo. A introdução do conceito de administração evolutiva visa, portanto, contribuir para a prática responsável da administração em organizações complexas inseridas em ambientes em constante mudança.

Um arcabouço conceitual para a administração evolutiva

Com base nas ideias de Ulrich (1984) e de Malik e Probst (1984), Martinelli (1995) elaborou um arcabouço conceitual para a administração evolutiva (Figura 19). O arcabouço conceitual parte da ideia de que administrar significa garantir a organizações com objetivos as duas categorias de atributos que são essenciais para a viabilidade em um ambiente em constante mudança. O arcabouço desdobra então, quatro ideias que decorrem desta definição.

Em primeiro lugar, as organizações são sistemas de atividade humana projetados por seres humanos para propósitos humanos. Os sistemas de atividade humana (CHECKLAND,

1981, p. 116) com visões (Weltanschauungen) variadas e variáveis para propósitos humanos variados e variáveis. O propósito está nos olhos de quem comtempla (BEER, 1979, p. 7). Muitas interpretações de qualquer propósito declarado são possíveis, cada uma baseada em uma visão (Weltanschauungen) particular (CHECKLAND, 2000, p. S14). Como consequência, e também em função da complexidade inerente aos negócios humanos, problemas mal-estruturados são endêmicos nas organizações humanas.

Figura 19 – Esquema conceitual da administração evolutiva

Fonte: Martinelli (1995, p. 109)

Em segundo lugar, há duas categorias de atributos que são essenciais à viabilidade de organizações propositadas (ULRICH, 1984). Eles correspondem a duas tendências contrárias que caracterizam a natureza dual dos sistemas dinâmicos abertos (KOESTLER, 1978): uma

Administrar significa garantir a organizações com objetivos continuamente os dois atributos essenciais viability

em um ambiente continuamente mutável

e os s is te m as d ev em s er a da pt at iv os , a ut o- or ga ni za do re s, e vo lu tiv os Administrar é lidar com problemas mal- estruturados sistemas dinâmicos manter a competência sistemas de atividade humana projetados

por seres humanos com Ws variadas e variáveis, para objetivos humanos variados e variáveis

O que exige desenvolvimento, renovação  homeostase, adaptação, evolução

auto- afirmação e integração com autonomia, mas como componentes do ambiente ajustamento contínuo entre sistema e ambiente Capacidade de sobreviver continuar a existir, mas desempe- nhando funções específicas recriar-se a todo o tempo métodos “soft”, para identificar problemas e ajustar Ws Métodos cibernéticos, para reestruturar-se viavelmente isto é o que cria

para de para para atua o que requer o que requer com para

tendência integradora de se manter como componente de um todo de ordem mais elevada versus uma tendência auto-assertiva de manter sua própria identidade e autonomia. Garantindo essas duas categorias de atributos continuamente, a administração contribui tanto para a manutenção do equilíbrio interno da organização (homeostase) quanto para o ajustamento da organização ao seu ambiente (adaptabilidade e evolução). Tanto a homeostase quanto a adaptabilidade são essenciais para a viabilidade.

Em terceiro lugar, uma organização é viável desde que ela consiga sobreviver através da manutenção de uma existência separada em um tipo particular de ambiente (BEER, 1985, p. 1). Entretanto, o critério de sobrevivência não é a mera existência, mas o cumprimento de uma função específica na sociedade humana (ULRICH, 1984). Garantir a viabilidade, portanto, significa manter a competência em um ambiente em constante mudança.

Em quarto lugar, manter a competência em um ambiente em constante mudança exige que o sistema organizacional se recrie ou renove todo o tempo. Isso pode ser executado somente por sistemas do tipo policêntrico, auto-organizadores (MALIK; PROBST, 1984). Para que uma organização sobreviva e seja eficiente em um ambiente complexo que está constantemente mudando de maneiras imprevisíveis, ela precisa se ajustar e se adaptar constantemente a um grande número de fatores. Os sistemas policêntricos e auto-organizadores são capazes de processar muito mais informação e desempenhar o ajuste mútuo de um grande número de relações. Eles exibem, assim, uma capacidade consideravelmente maior de lidar com a complexidade, em comparação com sistemas baseados no padrão da hierarquia de comando.

A definição original de administração de Ulrich, então, leva à conclusão que administrar significa lidar com problemas mal-estruturados de sistemas abertos dinâmicos para manter a competência em um ambiente que muda constantemente (MARTINELLI, 1995). Esses sistemas precisam ser adaptativos, auto-organizadores e evolutivos. Sistema evolutivos ocupam o topo – o oitavo nível – da hierarquia de sistemas de Martinelli (2001). Eles podem mudar continuamente tanto sua estrutura quanto sua identidade a fim de garantir sua viabilidade em condições e desafios ambientais de mudança constante.

Martinelli (1995) sugere que dois tipos de métodos são particularmente adequados para a prática da administração definida dessa forma: métodos soft e métodos cibernéticos. Os métodos soft podem ajudar a explorar problemas mal-estruturados, promover o debate e acomodar diferentes visões (Weltanschauungen) e encorajar a ação para melhoria. Em uma abordagem sistêmico-evolutiva à administração, a negociação e o debate são atividades diárias, que permitem que todas as intervenções – feitas por proprietários, administradores e trabalhadores – contribuam para o autodesenvolvimento e para a adaptação da organização

(MARTINELLI, 2006, p. 362). Os métodos soft podem ajudar o administrador a lidar com a complexidade e promover a adaptabilidade por meio da negociação e da aprendizagem (CHECKLAND, 1981, 2000).

Os métodos cibernéticos, por outro lado, podem ajudar a diagnosticar problemas de comunicação e controle e a reestruturar o sistema para a viabilidade. Aplicações bem-sucedidas ao redor do mundo têm demonstrado o potencial da cibernética gerencial para contribuir com a evolução consciente da sociedade e das organizações (SCHWANINGER, 2004). Os métodos cibernéticos podem ajudar a administração a lidar com a complexidade e a promover a adaptabilidade por meio da engenharia de variedade (BEER, 1972, 1979, 1985).

Uma preocupação essencial da administração evolutiva é a adaptabilidade. Normalmente, a adaptabilidade não é vista como uma característica importante das organizações até que um período duradouro de condições econômicas estáveis cessa. Quando isso acontece, a especialização unilateral induzida pelas condições de estabilidade econômica, a serviço da eficiência econômica, se torna uma ameaça à existência da empresa. Somente então a adaptabilidade é reconhecida como a característica mais importante para a viabilidade de uma organização (MALIK; PROBST, 1984, p. 107).

A administração evolutiva na literatura

Uma busca na Web of Science pelo tópico “evolutionary management” nas categorias de administração (management) e negócios (business) retorna muito poucos artigos. O conceito de administração evolutiva com referência aos trabalhos seminais de Ulrich (1984) e Malik e Probst (1984), é praticamente ausente na literatura.

A literatura relata, porém, algumas aplicações de abordagens evolutivas ao gerenciamento de situações complexas. Alguns autores observam que essas abordagens requerem uma mudança de atitude por parte dos gestores e suas equipes.

Van der Erve (1995), por exemplo, convida os administradores a levar a evolução das organizações em consideração e abraçar o que ele chama de “administração da evolução” (evolution management, em inglês). O autor critica o fato de que, apesar do apelo frequente por mudanças revolucionárias no mundo dos negócios, ainda é muito difícil abandonar o antigo e abraçar a inovação. Ele propõe que a transformação seja revolucionária no resultado, mas evolucionária na execução. Sua abordagem combina diagnóstico com o desenvolvimento de ações estratégicas para conduzir o negócio a um nível superior de desempenho. Ela inclui uma ferramenta de software para apoio dos administradores no seu papel de “guias da evolução”.

Buchanan (1997) defende a ideia de que uma abordagem evolutiva à mudança organizacional e ao processo de melhoria ajuda a superar a resistência a mudanças em ambientes altamente politizados. Ele observa que, além das habilidades técnicas tipicamente presentes em abordagens “hard”, habilidades “soft” são exigidas. Mezias e Glynn (1993) observam que abordagens evolutivas convidam definições não tradicionais do papel do executivo. Simulações conduzidas por esses autores demonstraram que, relaxando-se as noções tradicionais de controle gerencial e introduzindo-se variância nos processos de rotina, que são típicos de estratégias evolutivas à inovação, produz-se significativamente mais inovação em comparação com estratégias tradicionais.

Mueller(1996) argumenta que o gerenciamento estratégico de recursos humanos (strategic human resources management) somente pode conduzir a vantagem competitiva sob as condições descritas por uma abordagem evolutiva baseada em recursos. Políticas racionais codificadas pela administração sênior, por si só, não representam barreiras efetivas à mobilidade de recursos para impedir imitação. Ao invés disso, o que tem valor, realmente, é a “arquitetura social” que evolui a partir das atividades, aprendizagem incidental ou informal, cooperação espontânea e conhecimento tácito, que ocorrem o tempo todo.

Donaires e Martinelli (2018) demonstram a aplicação da administração evolutiva, operacionalizada através da SSM e do VSM, para suscitar auto-organização no processo de planejamento e controle de múltiplos projetos concorrentes de desenvolvimento de novos produtos. A intervenção permitiu estabelecer um ambiente de projetos que equilibra adaptabilidade a mudanças de requisitos e prioridades com previsibilidade de prazos.

Apesar do aparente desinteresse pela administração evolutiva na literatura científica, Saynisch (2010, p. 13) chama atenção para um fenômeno que ele denominou de “sobreposição evolutiva de métodos tradicionais”. De acordo com esse autor, os seres humanos pensam e agem de acordo com princípios evolutivos. Quando se pratica administração da forma tradicional, um processo evolutivo acontece sem que perceba, e isso determina o sucesso da abordagem tradicional. Malik (2004, p. 120) caracteriza essa situação paradoxal como uma ilusão de se estar diante de administração tradicional quando o resultado bem-sucedido foi alcançado, na verdade, de modo evolutivo. Portanto, Saynisch (2010, p. 14) conclui, o uso de modos operacionais sistêmicos e evolutivos já é praticado muito mais do que os teóricos da administração tradicional estejam dispostos a admitir.