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2 TEORIAS QUE INFLUENCIARAM A VISÃO DE CAPACIDADES DINÂMICAS

2.9.5 Críticas à visão baseada em recursos

Newbert (2007, p. 123), considera o artigo de Barney (1991) como a primeira formalização efetiva da VBR, até então disponível na forma de uma literatura fragmentada apenas, com a criação de um arcabouço teórico compreensível e empiricamente testável. De fato, Wang e Ahmed (2007, p. 32) também entendem que, embora a visão baseada em recursos tenha sido formulada por Wernerfelt (1984), foi o trabalho Barney (1991) que a popularizou. A partir de então, a visão baseada em recursos passou a ser amplamente difundida (NEWBERT, 2007, p. 123), tornando-se um framework influente para se entender como as empresas podem alcançar a vantagem competitiva e como essa vantagem pode ser sustentada ao longo do tempo. Com o tempo, o modelo de Barney (1991) da VBR passou a ser criticado por não levar em conta o dinamismo do ambiente. Embora a possibilidade de uma conceituação dinâmica não tenha sido excluída da sua origem, o conceito passou a ser explorado de forma estática pela literatura subsequente (NEWBERT, 2007, p. 123).

Várias abordagens teóricas começaram a surgir com relação a tipos de processos capazes de explorar o valor latente dos recursos, culminando com o surgimento o framework VRIO de Barney e a abordagem das capacidades dinâmicas (TEECE; PISANO; SHUEN, 1997). Com relação ao framework VRIO, Barney (1997, p. 160) argumenta que, para obter vantagem competitiva, além de possuir recursos valiosos, raros e inimitáveis (insubstituíveis inclusive), uma empresa precisa ser organizada de modo que possa explorar todo o potencial desses recursos (NEWBERT, 2007, p. 124).

Uma avaliação da literatura empírica sobre a VBR realizada por Newbert (2007, p. 138) mostrou que a teoria recebeu sustentação marginal, embora tenha recebido atenção considerável. A comunidade acadêmica abraçou uma variedade de abordagens teóricas nos

Heterogeneidade do Recurso Empresarial Imobilidade do Recurso Empresarial Valor Raridade Imitabilidade Imperfeita - Dependente da História - Ambiguidade Causal - Complexidade Social Substituibilidade Vantagem Competitiva Sustentada

testes de VBR, com muitas variáveis independentes sendo operacionalizadas de inúmeras maneiras e o grau de sustentação da VBR variando consideravelmente com a variável independente.

Visão baseada em conhecimento

A visão baseada em conhecimento é uma decorrência da visão baseada em recursos que destaca o conhecimento como um dos recursos da empresa mais importantes do ponto de vista estratégico. A visão baseada em conhecimento estende seu escopo para além dos temas tradicionais do gerenciamento estratégico. Ela aborda alguns dos aspectos fundamentais da teoria da firma, como a natureza da coordenação dentro da empresa, a estrutura organizacional, o papel da administração e a alocação de direitos de tomada de decisão, os determinantes das fronteiras da empresa e a teoria da inovação (GRANT, 1996, p. 110).

A visão baseada em conhecimento reconhece que algumas características do conhecimento têm implicações críticas para a administração. As características e aspectos pertinentes ao uso do conhecimento dentro da empresa para criar valor são: transferibilidade, capacidade de agregação, apropriabilidade, especialização em aquisição de conhecimento e requisitos do conhecimento para produção (GRANT, 1996, p. 111).

A transferibilidade dos recursos e capacidades de uma empresa é um determinante crítico da sua capacidade de conferir vantagem competitiva sustentada (BARNEY, 1986). A questão da transferibilidade do conhecimento é importante não somente entre empresas, mas principalmente dentro da empresa. A distinção entre conhecimento tácito (“saber como”) e conhecimento explícito (“saber sobre”) é crítica do ponto de vista da transferibilidade. O conhecimento explícito se manifesta através da sua comunicação; a facilidade de comunicação é sua propriedade fundamental. O conhecimento tácito se manifesta através da sua aplicação; ele não pode ser codificado, apenas observado através da sua aplicação e adquirido através da prática; sua transferência entre as pessoas é lenta, onerosa e incerta (GRANT, 1996, p. 111).

A eficiência com que o conhecimento pode ser transferido depende, em parte, do seu potencial de agregação. A transferência de conhecimento envolve transmissão e recepção. A recepção de conhecimento pode ser analisada em termos da capacidade absortiva do receptor. Tanto em nível individual quanto em nível organizacional, a absorção do conhecimento depende da capacidade do receptor de adicionar novo conhecimento ao conhecimento existente. A possibilidade de expressar o conhecimento usando uma linguagem comum, como a linguagem da estatística, por exemplo aumenta a eficiência da transferência da informação e a d agregação do conhecimento em uma única localidade. Conhecimento idiossincrático, como

as informações sobre as capacidades dos administradores, não pode ser agregado em uma única localidade. A capacidade de transferir e agregar conhecimento é um determinante crucial da localização ótima da autoridade de tomada de decisão (GRANT, 1996, p. 111).

A apropriabilidade se refere à capacidade do proprietário de um recurso receber um retorno igual ao valor que foi criado por ele (GRANT, 1996, p. 111). O conhecimento é um recurso sujeito a problemas particularmente complexos de apropriabilidade. O conhecimento tácito não é diretamente apropriável, porque ele não pode ser diretamente transferido: só é possível apropriar-se dele através da sua aplicação à atividade produtiva. O conhecimento explícito padece de dois problemas de apropriabilidade: (1) ele é um bem público, de modo que qualquer um que o adquira pode revende-lo sem perde-lo; e (2) o simples ato de colocá-lo no mercado já o disponibiliza para os compradores em potencial.

As dificuldades de se estabelecer claramente direitos de propriedade cria ambiguidades acerca da propriedade do conhecimento. Enquanto a maior parte do conhecimento tácito e explícito está armazenado nos indivíduos, grande parte desse conhecimento é criado dentro da empresa e é específico da empresa. Isso cria dificuldades quanto à alocação dos retornos oriundos do conhecimento e quanto à otimização do investimento em novo conhecimento (GRANT, 1996, p. 111).

A especialização é uma necessidade decorrente da racionalidade limitada. O princípio da racionalidade limitada de Simon reconhece que o cérebro humano possui capacidade limitada para adquirir, armazenar e processar conhecimento. A consequência desse princípio é que, por uma questão de eficiência ao lidar com o conhecimento, os indivíduos têm que se especializar em áreas particulares do conhecimento (GRANT, 1996, p. 112).

Com relação aos requisitos do conhecimento para produção, uma assimetria na economia do conhecimento explica a existência da empresa: a aquisição do conhecimento requer uma especialização maior do que a necessária para sua utilização. Considere-se, como exemplo, uma máquina como incorporação de conhecimento.

A produção requer o esforço coordenado de especialistas individuais que possuem muitos tipos diferentes de conhecimento. Os mercados falham em proporcionar esse tipo de coordenação, por causa da imobilidade do conhecimento tácito e do risco de expropriação do conhecimento explícito por um possível comprador. Portanto, as empresas existem como instituições para produzir bens e serviços porque elas são capazes de criar condições pelas quais múltiplos indivíduos conseguem integrar seu conhecimento especializado. Tais condições incluem propinquidade e pequenos incentivos projetados para favorecer a promover a coordenação entre especialistas de modo a se evitar problemas de oportunismo associados aos

grandes incentivos diretamente relacionadas às transações de conhecimento (GRANT, 1996, p. 112).

Grant (1996, p. 112) prescinde do conceito de conhecimento organizacional em favor de uma abordagem que enfatiza o papel do indivíduo na criação e armazenamento do conhecimento e o papel das empresas na aplicação de conhecimento existente à produção de bens e serviços. Para Grant (1996, p. 113), a criação do conhecimento é uma atividade individual. Ele entende que o conceito de conhecimento organizacional, que sugere a organização como uma entidade que cria, armazena e mobiliza conhecimento, encerra o perigo de obscurecer os processos organizacionais através dos quais os indivíduos se engajam nessas atividades. Isso reduz as possibilidades de se fornecer orientações aos administradores acerca de como influenciar tais processos.

Grant (1996, p. 113) destaca que, se o conhecimento é específico a um processo de produção em equipe, então a criação do conhecimento não pode ser separada da sua aplicação – ambos ocorrem dentro de um contexto organizacional comum.

A especialização proporciona ganhos na aquisição e armazenamento do conhecimento. A produção requer uma vasta gama de conhecimentos especializado. Sem os benefícios da especialização, não existe necessidade de organização composta de múltiplos indivíduos. Diante dos ganhos de eficiência proporcionados pela especialização, a tarefa fundamental da organização é coordenar as atividades de muitos especialistas (GRANT, 1996, p. 113).

Contudo, falta à teoria organizacional uma teoria comum da coordenação, que aborde os mecanismos através dos quais os indivíduos integram suas atividades produtivas. A maior parte do conhecimento relevante para a produção é tácito e difícil de se transferir entre os membros da organização. Então, a transferência de conhecimento não é uma abordagem eficiente para integração do conhecimento (GRANT, 1996, p. 114).

A forma de coordenação depende do tipo de interdependência entre os indivíduos. A visão baseada em conhecimento encoraja a percepção da interdependência como um elemento de projeto organizacional, sujeito a escolha gerencial, em oposição à ideia de que ela seja guiada pela tecnologia de produção. O problema geral consiste em inventar mecanismos para integrar o conhecimento especializado dos indivíduos. Assim, enquanto a tecnologia de processos define os aspectos técnicos da produção e os tipos de conhecimento especializado que um processo requer, a divisão de tarefas entre os indivíduos e departamentos, bem como a especificação das interfaces entre eles, pertence ao domínio do projeto organizacional (GRANT, 1996, p. 114).

Grant (1996, p. 114–115) reconhece quatro mecanismos para se integrar conhecimento especializado (Grant, 1996, pp. 114–115):

a) Regras e diretivas: padrões que regulam a interação entre indivíduos e formas de comunicação ágil e pouco onerosa entre especialistas e leigos em um determinado assunto;

b) Sequenciamento temporal: a maneira provavelmente mais simples de se integrar o conhecimento especializado dos indivíduos, minimizando a comunicação e a coordenação contínua.

c) Rotinas (Winter, 1986: 165): uma forma de coordenação caracterizada por elevada simultaneidade no desempenho de atividades pelos indivíduos e que permitem uma grande variedade de sequência de interação.

d) Solução de problemas e tomada de decisão em grupo: formas de integração mais pessoais e intensivas em termos de comunicação, que se tornam necessárias à medida que a incerteza e a complexidade das tarefas aumenta.

Todos esses mecanismos de integração do conhecimento, necessários por causa da diferenciação no conhecimento dos indivíduos, dependem da existência de um conhecimento comum para sua operação. Esse conhecimento comum permite aos indivíduos compartilharem e integrarem aspectos do conhecimento que não são comuns entre eles. O conhecimento comum inclui, por exemplo, uma linguagem comum, linguagem simbólica, domínio comum de conhecimento especializado, e significados compartilhados (GRANT, 1996, p. 116).

A capacidade de acessar e integrar o conhecimento dos membros individuais da organização possibilita à empresa desenvolver capacidades organizacionais distintivas. Quanto maior o nível de sofisticação do conhecimento comum, melhores serão as capacidades organizacionais, com efeito sobre a vantagem competitiva. Isso sugere que é interessante aumentar a base de conhecimento comum em detrimento de um aprofundamento na especialização das habilidades individuais (GRANT, 1996, p. 116).

Se a longevidade da vantagem competitiva depende da dificuldade de se imitar as capacidades da empresa, então torna-se interessante ampliar o escopo do conhecimento integrado dentro de uma capacidade, para aumentar a dificuldade de se imitar essa capacidade e, assim, criar barreiras à replicação (GRANT, 1996, p. 117).

A forma de organização hierárquica surgiu como uma solução para os problemas tanto de coordenação quanto de cooperação. Além disso, a organização hierárquica é uma forma conveniente para se lidar com a complexidade de sistemas organizacionais, como conjuntos de subsistemas inter-relacionados (GRANT, 1996, p. 117).

Porém, o único mecanismo de integração compatível com a hierarquia, dentre os quatro identificados anteriormente, é a integração através de regras e diretivas. No modelo burocrático tradicional, as regras e diretivas são veículos para se exercer autoridade. Porém, em uma visão da empresa baseada em conhecimento, as regras e diretivas existem para facilitar a integração do conhecimento. Na medida em que as decisões nos níveis hierárquicos mais altos dependem do conhecimento dos especialistas que atuam nos níveis hierárquicos inferiores, e na medida em que esse conhecimento é tácito e, portanto, difícil de ser transferido para os níveis hierárquicos mais altos, a hierarquia empobrece a qualidade das decisões nos níveis hierárquicos mais altos (GRANT, 1996, p. 118).

Grant (1996, p. 118) sugere que as estruturas baseadas em equipes são uma resposta a essas deficiências da hierarquia. Nessas estruturas, a associação de um membro a uma equipe é fluida e dependente do conhecimento requerido para a execução de uma tarefa específica em um determinado momento. Em essência, esse tipo de organização reconhece que se consegue melhor coordenação através do envolvimento direto dos especialistas e que especialistas em coordenação (administradores) não podem coordenar efetivamente se eles não podem acessar o conhecimento especializado requerido. Ao se disseminar a organização em equipes através das atividades de produção, admite-se que o know-how crítico se situa entre aos trabalhadores. A visão baseada em conhecimento tem duas implicações para a distribuição da tomada de decisão. Em primeiro lugar, uma vez que o recurso produtivo principal da empresa é o conhecimento, que reside nos empregados, então são os empregados que detêm a maior parte dos recursos da empresa. A empresa possui direitos de propriedade parciais e mal definidos sobre esses ativos. Se os direitos de propriedade são decorrentes da posse, e se os recursos da empresa são de propriedade tanto dos acionistas quanto dos empregados, então, os direitos de decisão são delegados de cima para baixo pelos acionistas e de baixo para cima pelos empregados. A visão baseada em conhecimento pressupõe esse sistema dual de controle, exercido conjuntamente por acionistas e empregados (GRANT, 1996, p. 119).

Em segundo lugar, como a qualidade das decisões depende do acesso a informação relevante, e como a capacidade de transmitir e agregar conhecimento varia de acordo com o tipo de conhecimento, então a visão baseada em conhecimento pressupõe duas esferas para a tomada de decisão: as decisões baseadas em conhecimento tácito e idiossincrático são descentralizadas, enquanto que as decisões baseadas em estatísticas são centralizadas (GRANT, 1996, p. 119).

As fronteiras verticais e horizontais da empresa podem ser analisadas em termos da eficiência relativa da utilização do conhecimento. Verticalmente, se um estágio de produção

requer o acesso a conhecimento usados em outro estágio adjacente, então eles serão integrados na mesma empresa; caso contrário, serão conduzidos por empresas separadas, com uma interface de mercado entre eles (GRANT, 1996, p. 119). Horizontalmente, a necessidade de muitos tipos de conhecimento para a produção de um produto, somada à dificuldade de integrar esses conhecimentos através do mercado, sugere que empresas que produzem um único produto devem predominar; porém, como o conhecimento geralmente não é específico de um produto e, além disso, é sujeito a economia de escala, o uso eficiente do conhecimento requer empresas que produzem vários produtos (GRANT, 1996, p. 120).