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SIMPLES COMPLEXO

4.6.3 Administração evolutiva e evolução organizacional

Esta seção fornece uma visão geral de um modelo de organização e de evolução organizacional subjacente à administração evolutiva. Ela representa um esforço de compilação de algumas ideias que parecem estar relacionadas umas às outras e que podem contribuir para criar um arcabouço conceitual para compreensão da natureza da administração evolutiva

(DONAIRES; MARTINELLI, 2018). Antes de tudo, porém, é preciso que se tenha o cuidado de observar que ainda há uma necessidade de consenso acerca de uma definição de evolução organizacional. De acordo com Baum e Singh (1994), pode haver tantas definições de evolução organizacional quanto há pesquisadores.

Uma preocupação comum quando se considera a evolução organizacional diz respeito às analogias biológicas. As analogias biológicas recorrem nas literaturas sociológica, econômica e administrativa. Elas não necessariamente contribuem para uma compreensão mais profunda do fenômeno da evolução organizacional e poderiam até mesmo desorientar os estudiosos e decisores (DURAND, 2006). Hayek (1982, p. 23) dispensa completamente as analogias biológicas. Para ele, os teoristas sociais do século XIX, com base na evolução biológica, produziram o Darwinismo Social, um erro de concepção que se tornou responsável pela desconfiança na ideia de evolução entre os cientistas sociais. O grande erro do Darwinismo Social foi considerar que a seleção opera sobre o indivíduo e suas qualidades inatas ao invés de operar sobre as instituições e suas práticas e regras culturalmente transmitidas.

A intenção da administração evolutiva é lidar com sistemas sociais, incluindo as organizações de negócios, ou empresas. Esses sistemas pertencem a uma categoria que os distingue tanto dos sistemas naturais quanto dos sistemas artificiais: eles são resultados de ação humana, mas não de projeto humano (HAYEK, 1982, p. 20). Checkland os descreve como sistemas de atividade humana, cuja natureza distintiva é a autoconsciência do homem, uma faculdade que torna os seres humanos livres para escolher e selecionar suas ações (CHECKLAND, 1981, p. 116).

Os sistemas sociais, incluindo as empresas, podem ser entendidos como sistemas de regras de conduta (HAYEK, 1967). As regras podem ser inatas (transmitidas geneticamente) ou aprendidas (transmitidas culturalmente). O tratado de sociologia do conhecimento de Berger e Luckman (1985) fornece uma teoria que explica como essas regras de conduta se tornam institucionalizadas na sociedade e como elas são transmitidas por meio de processos de socialização dos indivíduos, em um processo que transcende gerações.

As ações coordenadas dos indivíduos de acordo com o sistema de regras de conduta contribui para manter a ordem do sistema (HAYEK, 1967). A ordem emerge das ações regulares dos indivíduos, que se comportam de acordo com a regras de conduta. As ações dos indivíduos, por sua vez, emergem como uma resposta a uma combinação de impulsos internos (por exemplo, necessidades básicas), de estímulos externos (incluindo as ações de outros indivíduos) e das regras às quais os indivíduos estão sujeitos. As mesmas ações que contribuem para manter a ordem do todo também contribuem para satisfazer os impulsos internos e

neutralizar os estímulos externos. O processo de seleção operará sobre a ordem como um todo. Uma regra será selecionada com base no efeito que ela tem sobre a ordem social, isto é, com base na sua contribuição para a viabilidade do todo social (HAYEK, 1967).

No contexto das organizações, Nelson e Winter (1982) focalizam o conceito de rotina. Rotinas são padrões de comportamento regulares e previsíveis das empresas, que incluem desde procedimentos administrativos até políticas e estratégias de negócio. A rotinização de atividade é uma forma de armazenamento de conhecimento operacional específico. As organizações “lembram” uma rotina exercitando-a. Uma grande quantidade desse conhecimento é tácita e mantida pelos membros individuais da organização. A coordenação da ação na empresa depende fortemente de comunicação que está implícita na execução dessas rotinas. Nesse sentido, essas rotinas organizacionais são muito semelhantes em natureza às regras de conduta em sistemas sociais. As rotinas podem ser entendidas como normas que podem ser usadas como uma referência para controle, replicação ou imitação. Eventualmente, à medida que elas são replicadas ou imitadas, pode ocorrer mutação. A mutação pode ser danosa, mas ela também pode resultar em melhoria. A seleção evolutiva opera sobre as rotinas. As rotinas são selecionadas de acordo com sua contribuição para o sucesso da organização, isto é, de acordo com sua contribuição para o desempenho organizacional.

Tanto o modelo evolutivo baseado no conceito de regras de conduta nos sistemas sociais (HAYEK, 1967) quanto o modelo evolutivo baseado no conceito de rotinas nas empresas (NELSON; WINTER, 1982) parecem ser úteis do ponto de vista da administração evolutiva. O que é crucial em ambos os casos é que se entende que a seleção evolutiva opera sobre as regras ou rotinas, não sobre os indivíduos e suas características inatas. Essa distinção é essencial, porque um dos objetivos mais importantes da administração evolutiva deve ser a preservação das pessoas à medida que o sistema organizacional evolui para se adaptar às mudanças.

Esse princípio está declarado explicitamente através do Primeiro Princípio da Organização de Beer (1979, p. 97). As mudanças que ocorrem no ambiente se manifestam como variedade, que se prolifera através do sistema organizacional. Essa variedade será absorvida pelo sistema organizacional, porque a Lei da Variedade Requerida de Ashby precisa ser satisfeita. Se a administração ignorar esse fato, permitindo que o processo aconteça por si próprio, então, ele não necessariamente ocorrerá da melhor maneira possível. Para lidar com a mudança ambiental e a consequente proliferação de variedade de forma competente, profissional e responsável, o sistema organizacional precisa ser projetado para que a variedade seja absorvida, de modo a causar o mínimo dano possível às pessoas (BEER, 1979, p. 97).

A teoria da destruição criativa de Schumpeter (1934) oferece um exemplo acerca de como esse processo de proliferação de variedade ocorre nas dimensões do sistema econômico como um todo. Quando novas combinações (ou inovações) são introduzidas no sistema econômico, sua homeostase – seu estado de equilíbrio dinâmico – é perturbado. A variedade, nesse caso, é introduzida na forma de investimento em novos negócios. A proliferação de variedade se propaga como uma onda através do sistema, causando um boom. A depressão que se segue é a consequência da busca do sistema econômico por um novo estado de equilíbrio homeostático. Nesse processo, negócios antigos podem ser levados à extinção, enquanto novas formas de negócio se estabelecem. O prejuízo para as pessoas, nesse exemplo, pode assumir a forma de desemprego. O sistema social deve ser administrado de forma a prover maneiras de aliviar essas consequências negativas para as pessoas. Este exemplo ilustra a essência da administração evolutiva na esfera social.

Uma das funções mais importantes dos administradores consiste em constantemente reconhecer a situação vigente e tomar decisões à luz dos eventos mais recentes. Nessa capacidade de agir à luz da situação vigente, orientado por regras de conduta, reside a adaptabilidade da organização. A teoria da administração evolutiva entende que os administradores desempenham um papel importante não como executores e comandantes, mas como catalizadores e cultivadores de um sistemas auto-organizador em permanente processo de evolução (MALIK; PROBST, 1984, p. 112).

5 UMA ANÁLISE DA TEORIA DE CAPACIDADES DINÂMICAS À LUZ DA VISÃO