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A Vormerkung do sistema germânico e a obrigação com eficácia real

A posse, permitindo uma generalização apropriativa, desempenhando uma função social autónoma, tende, assim, a ser chamada à ordem do dia

3 REGISTRO IMOBILIÁRIO DO CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA E TUTELA DO PROMITENTE COMPRADORCOMPRA E VENDA E TUTELA DO PROMITENTE COMPRADOR

3.3.3 VincuJação do terceiro adquirente em termos de obrigação com eficácia real

3.3.3.1 A Vormerkung do sistema germânico e a obrigação com eficácia real

M anuel H en rique M E SQ U IT A 181, ao analisar o artigo 413° do C ódigo C iv il Português182 — dispositivo legal sem elhante ao da legislação b rasileira — , acredita que do com prom isso de com pra e venda decorre verdadeiram ente de um direito de crédito, direito de natureza obrigacional, que um a vez registrado, tem eficácia análoga àquela dos direitos reais, mas que com os mesmos não se confunde, porquanto produz m era obrigação de fazer.

E, no seu m odo de ver, um regim e ju ríd ico sim ilar ao consagrado pelo C ódigo C iv il A lem ão, no § 883, denom inado de Vormerkung™, caracterizado pela

181 MESQUITA, p. 256.

182 V. nota de rodapé 168, página 100.

183 “Wesen und Wirkung der Vormerkung. (1) Zur Sicherung des Anspruchs auf Einräumung oder Aufhebung eines Rechtes an einem Grundstück oder an einem das Grundstück belastenden Rechte oder auf Änderung des Inhalts oder des Ranges eines solchen Rechtes kann eine Vormerkung in das Grundbuch eingetragen werden. Die Eintragung einer Vormerkung ist auch zur Sicherung eines künftigen oder eines bedigten Anspruchs zulässig. (2) Eine Verfügung, die nach der Eintragung der Vormerkung über das Grundstück oder das Recht getroffen wird, ist insoweit unwirksam, als sie den Anspruch vereiteln oder beeinträchtigen würde. Dies gilt auch, wenn die Verfügung im Wege der Zwangsvollstreckung oder der Arrestvollziehung oder ducrh den Konkursverwalter erfoglt.” Manuel Henrique MESQUITA traduziu o item (1) do dispositivo legal acima nos seguintes termos: “Para segurança do direito (Anspruch) à constituição ou extinção de um direito sobre um prédio ou sobre um direito que onera um prédio, ou à modificação do conteúdo ou do grau de prioridade de um destes direitos, pode ser inscrita uma anotação prévia (Vormerkung) no livro fundiário. A inscrição de uma anotação é também admissível para segurança de um direito futuro e condicional” (op. cit.,

anotação preventiva de direitos obrigacionais, de modo que eles ficam assegurados sem alteração de sua natureza ju ríd ica de direitos obrigacionais para direitos reais.

N a hipótese, os d ireitos obrigacionais sobre o bem objeto da prom essa, caso registrados através da “anotação preventiva ou prenotação”18’, não podem ser violados po r atos de alienação ou oneração po r parte do prom itente vendedor, sob pena de ineficácia, tendo em vista que a Vormerkung visa assegurar um a pretensão creditória com vistas a m odificar a posição ju ríd ica real.

Em sendo ineficaz o ato de disposição, o prom itente vendedor m antém a posição de titu la r do direito alienado a terceiro, não podendo alegar im possibilidade de execução po r falta de objeto.

H á, então, um direito obrigacional de aquisição, que é beneficiado pela publicidade registrai m ediante a sua anotação no livro respectivo. A Vormerkung não altera a natureza da relação ju ríd ica entre o prom itente vendedor e o com prador — ela se m antém como relação ju ríd ica obrigacional, não sendo subm etida a nenhum dos conceitos do direito das coisas, visto que se apresenta como sim ples m eio de m elho r proteger a pretensão cred itó ria do pro m iten te com prador, especificam ente a do cum prim ento da obrigação de fazer, com a celebração da escritura pública de com pra e venda e seu respectivo registro, e a conseqüente aquisição do direito de propriedade.

A tente-se, porém , que a Vormerkung do sistem a germ ânico tem identidade com a n atureza abstrata dos negócios ju ríd ico s185 aquisitivos de direitos reais, abstração que não se apresenta no sistem a do C ódigo C iv il B rasileiro.

p. 257). O item (2), na tradução livre, pode ser assim entendido: “Uma alienação ou ato de disposição que se operar posteriormente ao registro ou anotação preventiva relativamente ao imóvel ou ao direito registrado, que com ele esteja em conflito, não tem efeitos, é ineficaz, como se o direito fosse malogrado ou prejudicado. Isso também se aplica se o ato de disposição é resultado de execução judicial, arresto ou alienação resultante de processo falimentar realizada pelo síndico”.

184 Conforme o Dicionário alemão-português de economia e direito. Deutsch-portugiesisches Wörterbuch für Wirtschaft und Recht, de Edel Elga Kick EHLERS e Gunter EHLERS (São Paulo : E.H.K. Ehlers, 1981. p. 390).

185Conforme Antonio Junqueira de AZEVEDO, “negócio abstrato pode ser definido como aquele cujos efeitos jurídicos se produzem independentemente de causa; ele tem, portanto, causa, mas sua causa é juridicamente irrelevante para a validade ou a eficácia; ele se caracteriza pela forma, e não pelo conteúdo; tem fo rm a típica”. (Negócio Jurídico, p. 161). Decorre daí que se no sistema do Código Civil Brasileiro a nulidade do negócio jurídico obrigacional

N o direito brasileiro, C lóvis V. do C outo e SILV A tam bém acredita ser o com prom isso gerador de m era obrigação de fazer, p rin cipal elem ento defin idor da categoria, pelo que a eficácia diante de terceiros resultante do registro do contrato se identifica ou tem sem elhança com a prenotação dos direitos de crédito do direito germ ânico, destinada a dar segurança ao nascim ento e desfazim ento de direitos sobre a propriedade im óvel ou de outros que a onerem . Parece-lhe que, da possibilidade de inscrição de pretensões sobre os bens, não resulta situação idêntica a de um direito real. Sobre isso assevera:

Em matéria de aquisição derivada de propriedade, há a fase do desenvolvimento do vínculo, cuja proteção não deve significar transformação da própria obrigação em direito real. A eficácia do registro deu nova dimensão ao direito obrigacional, o qual, por vezes, por meio da publicidade, atingirá círculo maior do que as partes e seus herdeiros, ultrapassando o âmbito previsto no art. 928 do Código C ivil, que definiu, à época, a extensão da eficácia dos direitos obrigacionais, segundo a doutrina então prevalente.

Sustenta o autor que, em certas hipóteses, os efeitos são sem elhantes aos dos direitos reais, o que não im plica reconhecer a natureza real do direito de crédito. A seu ver, a qualificação de direito real não pode ser conferida de m odo arbitrário pelo legislador, pois do com prom isso nasce p rin cip alm en te um a obrigação de fazer, em que o seu desenvolvim ento se opera na dim ensão dos direitos obrigacionais.

O autor lusitano M anuel H en rique M E SQ U IT A acredita que a m elho r denom inação a ser u tilizad a nos textos legais é “eficácia contra terceiro s” ou

“oponibilidade a terceiros”. U m a vez registrado o com prom isso, prevalece a sua oponibilidade, de m odo que qualquer ato de alienação ou oneração praticado pelo p rom itente vendedor, inviab ilizand o o cum prim ento da obrigação po r im possibilidade ju ríd ica do objeto da prestação da obrigação do contrato defin itivo , é ineficaz unicam ente em relação ao com prom issário, que pode fazer valer o seu

(que contém em si a autorização para a transcrição) for judicialmente reconhecida, haverá a nulidade da transcrição.

Sendo o negócio causal, a transcrição fica contaminada pela nulidade do negócio, já que nele se fundamenta. Lsso não ocorre no sistema do direito alemão.

186 Couto e SILVA, A obrigação como processo, p. 161.

como se nenhum a alienação houvesse ocorrido. O objeto da prestação da obrigação é, então, considerado como ainda integrante do patrim ôn io do p rom itente vendedor.187

O registro im o b iliário do contrato de com prom isso, em bora atrib ua ao prom itente com prador um direito obrigacional dotado de eficácia contra terceiros, não se confunde com o direito real propriam ente dito, cuja titularid ad e ele busca adquirir, tam pouco tem natureza de direito real de aquisição. H averá, com o registro do contrato, um a obrigação com eficácia ou oponibilidade diante de terceiros, sendo, do m esm o m odo, designada de obrigação com eficácia real.

A p artir daí, conform e já explicado, se alguém ad qu irir do p rom itente vendedor o direito real objeto da obrigação, essa transm issão não p ro d u zirá efeitos em relação ao prom itente com prador. Esse poderá, através do d ireito de seqüela, pleitear num a m esm a e única ação188, do prom itente vendedor e do atual proprietário, a titularidade do dom ínio, face à oponibilidade do direito ob rigacion al diante de terceiros conferida pelo registro do contrato.

3 .4 Ôn u s d o r e g ist r o ee x e c u ç ã o e s p e c íf ic a d o c o n t r a t o d e C O M P R O M ISSO DE C O M P R A E V E N D A

N ão tendo o com prom issário a in iciativa de registrar o contrato de com prom isso na m atrícula, no cartó rio de registro de im óveis ou se esse registro é indeferido ou recusado pelo oficial, pela falta de qualquer dos requisitos legais para a sua efetivação,189 não há dúvida de que a relação ju ríd ica obrigacional não terá oponibilidade diante de terceiros.

187MESQUITA, p. 255.

I88Especificamente a ação de adjudicação compulsória.

189 Exemplos: quando o loteamento se encontra em situação irregular; quando, muito embora regularizado, a descrição do imóvel constante do contrato de compromisso de compra e venda não confere com a matrícula do lote compromissado; quando há violação ao princípio da continuidade do registro, em que o outorgante, promitente vendedor, não consta do registro como titular do direito real; quando, por força do princípio da prioridade registrai, há direito real registrado de natureza incompatível com o direito obrigacional do promitente comprador, como a hipoteca.

O com prom issário sem registro fica na situação de po der exigir unicam ente do prom itente vendedor a prestação de fazer, consubstanciada na efetivação, na concretização do contrato definitivo, ou de po stular a declaração da vontade negociai im prescindível à celebração desse ú ltim o contrato. Poderá p leitear junto aos órgãos jurisd icion ais, um a sentença que produza os efeitos da declaração negociai eventualm ente faltosa, desde que o im óvel ainda se encontre registrado em nom e do prom itente vendedor, por não haver o direito de seqüela sobre o bem . Isto é, se o pro m iten te vendedor alienar o im óvel ou co n stitu ir um d ireito real em favor de terceiro — com o a hipoteca, o usufruto ou q ualquer outra form a onerar o im óvel

— ou o tiv e r ju d icialm ente apreendido com a efetivação inclusive do respectivo registro im o b iliário , não poderá o prom itente com prador, sem posse do im óvel, fazer prevalecer contra os dem ais o seu d ireito obrigacional, tendo em v ista os prin cípio s da prio ridade registrai e da continuidade, considerando o fato de que adquiriu a propriedade plena. Esse aspecto tem especial relevância no que se refere aos lim ites e possibilidades de tu tela do prom itente com prador através dos em bargos de terceiro.

Desse m odo, caso o prom itente vendedor aliene ou onere o im óvel prom etido à venda, em detrim ento do d ireito obrigacional do p ro m iten te com prador, verificar-se-á a im possibilidade da prestação, acarretando o conseqüente im pedim ento do exercício do direito de execução específica oriundo do con trato de com prom isso, porque o órgão ju risd icio n al não poderá su p rir os efeitos da declaração de vontade om itida pelo prom itente vendedor, através da sentença, para d eterm in ar a transm issão da propriedade, se ela já não se encontra na titu larid ad e do com prom itente. N esse caso, o com prom issário terá o ônus190 de p ro var que o im óvel ainda se encontra registrado em nom e do pro m iten te vendedor e isento de q ualqu er lim itação ou oneração ao seu direito de propriedade.

190 Ônus é o encargo que pesa sobre a parte, cabendo-lhe, caso não queira sujeitar-se a prejuízo, desincumbir-se dele. O ônus difere da obrigação, porque não existe em relação a outrem, mas a si proprio, por isso satisfazê-lo é de interesse do próprio onerado.

Caso o bem objeto do com prom isso já não pertença ao pro m iten te vendedor e não sendo o prom itente com prador titu la r de um d ireito obrigacional com eficácia real decorrente da averbação ou do registro do contrato de com prom isso, não poderá exercitar o direito de seqüela. Isso não o im pede, contudo, de estando da posse do im óvel, dem andar em sede de in terd ito s possessórios, assim como de ter a sua posse respeitada em face de apreensão ju d icial1"1. A particularidade de não ter providenciado o registro do com prom isso o im po ssibilita de fazer realizar coativam ente a prestação obrigacional que o prom itente vendedor deixou de adim plir, justam ente por ser titu la r de um direito exclusivam ente obrigacional, de vínculo inter partes, não prevalecente sobre o direito real ou direito obrigacional com eficácia real de terceiro adquirente. M as, repita-se, isso não o im pede de, estando na posse do im óvel, vê-la respeitada po r terceiros e pelos órgãos jurisdicionais. Sobre esse aspecto, é interessante a ponderação de M ário Jú lio de A lm eida C O S T A de que “a execução específica resulta in viab ilizad a quando o contrato-prom essa se apresenta dotado de m era eficácia obrigacional e o prom itente-vendedor transm ite a coisa a terceiro : com o a venda que o prom itente depois realizasse à contraparte, a sentença ju d icial obtida em sua substituição conduziria a um a venda de coisa alh eia”192.

H averá im possibilidade ju ríd ica do pedido p o r perda de objeto da prestação da obrigação definitiva. R estará ao com prom issário o direito de p leitear indenização po r perdas e danos resultantes do inadim plem ento do com prom itente.

Sob o aspecto obrigacional, não terá o prom itente com prador com o p leitear a execução específica do contrato, mas a sua posse terá condições, conforrpe as circunstâncias, de em basar o pedido de liberação através de em bargos de terceiro, face a qualqu er ato de apreensão judicial.

191 Situação semelhante ocorreu no caso julgado na Apelação Cível n. 1283/85, que pode ser consultada no anexo, página 173.

COSTA, Contrato-promessa, p. 51.

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