• Nenhum resultado encontrado

Abordagem por objetivos de ensino: Jean Delisle

No documento Do ensino de tradução literária (páginas 49-52)

1. O ensino de tradução no contexto americano e europeu nos últimos 30 anos

1.1. Abordagens de ensino de tradução desenvolvidas nos últimos 30 anos

1.1.1. Abordagem por objetivos de ensino: Jean Delisle

Em 1980, com a publicação de L’Analyse du Discours comme méthode de traduction: Initiation à la traduction française des textes pragmatiques anglais, Jean Delisle, ao reunir trabalhos de diversos autores canadenses, iniciou a discussão a respeito do processo de ensino-aprendizagem voltado à formação de tradutores centrando sua abordagem em textos não literários (ECHEVERRI, 2008, p. 132). Vale ressaltar que parte da obra de Delisle foi inspirada no livro Princípios básicos de currículo e ensino, de autoria de Ralph W. Tyler. Trate-se de uma tradição pedagógica iniciada nos Estados Unidos em 1949 (ECHEVERRI, 2008, p.133) e que tem como pano de fundo uma teoria tradicional que se baseia na grade curricular do curso e nas disciplinas que compõem os programas a serem desenvolvidos, ou seja, “em questões básicas: como selecionar objetivos, como selecionar as experiências de aprendizagem, como organizar essas experiências e como avaliar sua eficácia” (SCHMIDT, 2003, p. 62).

Delisle foi, então, o primeiro a utilizar na formação de tradutores a premissa pedagógica básica de que estabelecer objetivos claros para o processo de ensino- aprendizagem de tradução, por meio de uma abordagem por objetivos de aprendizagem como método para a formação de tradutores, geraria uma melhor comunicação entre aprendizes e professores. Esse pesquisador subdivide os objetivos de aprendizagem em objetivos gerais e específicos. Enquanto os objetivos gerais estão relacionados ao ponto de vista do curso, descrevendo a aprendizagem ou as habilidades que serão adquiridas pelo aluno, os objetivos específicos estão relacionados ao ponto de vista do estudante a partir da descrição do que serão capazes de realizar em cada um dos momentos, preparando-os para o êxito ao final de cada aprendizagem (DELISLE, 1997, p. 21).

De acordo com a abordagem proposta por Deslile (1997), a sistematização do ensino ocorre por meio da estruturação coerente dos cursos de tradução, além da progressão minuciosa do que deve ser aprendido. Assim, a grade curricular deve ser organizada de modo a facilitar o aprendizado. Isso se deve ao fato de que a formação do tradutor é centrada na aprendizagem, portanto, são os aprendizes que estão no foco do processo tradutório, devendo o professor perceber o ritmo deles e adequar as atividades

a serem desenvolvidas e utilizando os objetivos propostos para direcionar a avaliação. Em Traduction raisonée: manuel d’initiation a la traduction professionnelle de l’anglais vers le français, de 1993, reeditada em 1997, Delisle propõe uma pedagogia da tradução na qual os aspectos teóricos são ligados aos procedimentos didáticos e com vistas à contribuição de uma metodologia de iniciação à tradução profissional. Para Delisle, o uso de objetivos de aprendizagem facilitaria a comunicação entre professor e aprendiz, além da escolha de instrumentos pedagógicos, estimulando a busca pela diversificação das atividades, e sendo a base para a avaliação da aprendizagem do estudante.

Conforme Delisle, “a falta de método torna difícil a produção de traduções de qualidade profissional. Um método jamais substituirá o talento, porém o tradutor, talentoso ou não, tem por obrigação adquirir o hábito de trabalhar sistematicamente e demonstrar o maior rigor intelectual possível”29

(DELISLE, 1997, p. 121). Delisle acredita que a aprendizagem de tradução está atrelada a duas competências: de compreensão e reverbalização do sentido do texto de partida; e quatro atitudes: evitar a interferência entre as línguas; realizar a transferência linguística; aplicar conhecimentos não linguísticos aos linguísticos; e dominar as técnicas de redação. Tais competências e atitudes estão diretamente ligadas a três níveis: regras de escritura, interpretação e coerência.

Por esses motivos, para Delisle, uma metodologia de ensino de tradução deve englobar a busca pelas competências, atitudes e níveis:

Um método de ensino deve delimitar claramente a maneira de transmitir, classificar as dificuldades, fixar os objetivos de aprendizagem, especificar os meios para alcançá-los, estabelecer uma progressão na formação e, por fim, fornecer as formas de avaliação do desempenho observado30 (DELISLE, 1997, p. 21).

29 “Sans méthode, il paraît difficile de produire des traductions de qualité professionnelle. Une méthode ne remplacera jamais le talent, mais tout traducteur, talenteux ou non, se doit d’acquérir l’habitude de travailler systématiquement et de faire preuve de la plus grande rigueur intellectuelle.”

30 “Une méthode d’enseignement doit clairement délimiter la matière à transmettre, sérier les difficultés, fixer des objectifs d’apprentissage, préciser les moyens permettant de les atteindre, établir une progression dans la formation et, enfin, prévoir des modalités d’évaluation des performances observables.”

Delisle propõe um método composto por etapas para a realização do processo de tradução: preparação, realização e revisão.

A primeira etapa pode ser subdividida na localização do texto no espaço (função, origem, destino, etc.), na leitura e na compreensão. Conforme Delisle (1997, p. 121), “a leitura é uma etapa crucial do processo [...] já que mostra o texto como estrutura e indica o modo como deve ser interpretado cada um dos elementos que o compõe”.31

Desse modo, a partir da leitura, o tradutor (aprendiz ou experiente) perceberá as características do texto e suas dificuldades de compreensão. E, caso algo não tenha sido entendido ou esteja confuso, é na última etapa desse primeiro ciclo que o tradutor busca solucionar seus questionamentos com relação ao texto. Passado o período de assimilação do texto, pode-se iniciar o ato tradutório em si, ou seja, a transferência para a língua/cultura de chegada e ao seu término deve-se deixar o “texto repousar”32 (DELISLE, 1997, p. 123). Por último, passa-se à verificação ou revisão do texto de chegada, etapa extremamente importante ao processo de tradução, devendo fazer parte do método usado por tradutores e, por fim, o tradutor deverá realizar uma leitura final crítica.

Delisle rejeita o uso de traduções coletivas, pois, segundo ele, demonstra a ausência de método, visto que o foco estaria nas dificuldades encontradas no texto escolhido. Para Delisle, a didática das práticas tradutórias pouco evoluiu nos últimos anos, uma vez que o treinamento dos professores universitários é pouco ou inexistente.

Georges Bastin e Monique Cormier demonstram a importância da metodologia proposta por Jean Delisle ao afirmar que

o método de aprendizagem por objetivos, introduzido em 1980 por Jean Delisle e seguido amplamente não somente no Canadá, mas em todo o mundo, contribuiu para sistematizar e fundamentar o ensino de tradução. Os objetivos de aprendizagem visam descrever a intenção proposta por uma atividade pedagógica e indicam as mudanças comportamentais no estudante, como foi explicado por Jean Delisle em 200333 (BASTIN; CORMIER, 2007, p. 42).

31 “La lecture est une étape cruciale du processus. [...] la lecture [...] du text fait voir comme un tout structuré et définit un cadre général d’interprétation de chacun des elements que le composent.” 32 “Une fois le premier jet terminé, il est bon de le laisser ‘reposer’. On gagne à laisser ‘décanter’ une

traduction.”

33 “La méthode par objectifs d’apprentissage, introduite par Jean Delisle en 1980 et largement suive depous non seulement au Canada, mais ailleurs dans le monde, a contribué à systématiser et surtout à

Com a afirmação acima, percebe-se a importância de Jean Delisle para o início de uma “discussão” necessária na pedagogia da tradução e, consequentemente, sua influência direta ou indiretamente nas demais abordagens propostas pelos tradutólogos que o seguiram. Passaremos a apresentar conceitos expostos por Peter Newmark, que busca apresentar àquela época os Estudos de Tradução como uma nova ciência desvinculada da linguística e da literatura comparada a tradutores, estudantes e leigos.

1.1.2.

Exposição de possíveis abordagens para o processo

No documento Do ensino de tradução literária (páginas 49-52)