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Abordagens de ensino de tradução desenvolvidas no Brasil nos últimos 30 anos

No documento Do ensino de tradução literária (páginas 96-104)

2. O ensino de tradução no Brasil nos últimos 30 anos

2.1. Abordagens de ensino de tradução desenvolvidas no Brasil nos últimos 30 anos

Márcia Martins (2006) relata a expansão dos Estudos de Tradução nos últimos anos e a importância de uma formação em tradução adequada. Porém, é importante frisar que pouco se tem relatado a respeito das abordagens metodológicas utilizadas em ambiente universitário brasileiro.

Nos últimos trintas anos [...] os Estudos da Tradução conseguiram firmar-se como uma nova e importante área de conhecimento, capaz de desenvolver suas próprias teorias, metodologias e instrumentos de pesquisa. Nesse período, a atividade tradutória também registrou uma grande expansão [...] Diante desse cenário, [...] a formação acadêmica do tradutor está sendo cada vez mais valorizada [...] Esse fato, por sua vez, vem provocando a necessidade de se pensar o ensino de tradução e a formação de professores especializados, preferencialmente com um perfil híbrido, que conjugue formação pedagógica e experiência tradutória. [...] o principal objetivo de um curso de formação de tradutores, não importa o nível, sempre foi levar o aprendiz a adquirir competência tradutória e a integrar-se com sucesso à comunidade de profissionais da área [...] (MARTINS, 2006, p. 26-27).

Essa pesquisadora partilha da mesma visão da professora e pesquisadora Rosemary Arrojo, ao relatar uma abordagem de ensino de tradução mais adequada, como pode ser observado abaixo:

Na visão de Arrojo (1993: 147-8), da qual compartilho, “a única abordagem realista ao ensino de tradução” envolve o desenvolvimento, nos aprendizes, de um aparato crítico que lhes permita descobrir que tipo de estratégia deve ser empregada em cada projeto tradutório que decidirem fazer. Cabe aos professores, portanto, ajudá-los a aprender a fazer traduções “que sejam aceitáveis e celebradas dentro da comunidade cultural em que desejam atuar[,] já que é humanamente impossível ensinar-lhes tudo o que há para se saber” (MARTINS, 2006, p. 39).

Observa-se o uso da abordagem processual focada nos “processos cognitivos presentes durante a atividade de traduzir” (LIPARINI, 2011, p. 1) como metodologia de ensino de tradução, que no Brasil tem como base o uso de protocolos verbais; assim como proposto por Amparo Hurtado Albir e Donald Kiraly, o que se propõe é o uso de uma abordagem cognitiva. De acordo com Cassio Rodrigues, “[...] a abordagem processual é uma fonte muito rica de informações para os estudos em tradução, uma vez que recorre a outras áreas do conhecimento na tentativa de explicar o processo da tradução [...]” (RODRIGUES, 1997, p. 62).

Contudo, como observado por Gonçalves (2003b) ainda há pouco consenso com relação à formação do tradutor e, por essa razão, as metodologias de ensino de tradução variam de instituição para instituição, já que não há um currículo unificado para os cursos de graduação em tradução. Gonçalves afirma:

[Com relação à formação do tradutor profissional] não há consenso abrangente entre diversos programas e cursos de tradução. E não haveria de ser diferente, visto que a “maior-idade” da nossa área de estudos ainda é bastante incipiente, além de sua integração ao espaço acadêmico-científico não ter sido plenamente consolidada. [...] No Brasil, a divergência entre orientações didáticas ou a ausência de uma diretriz predominante para a formação do tradutor é ainda mais marcante. [...] uma divergência bastante recorrente, tanto no universo acadêmico quanto no profissional, refere-se à diretriz didático-metodológica a ser adotada em um curso de tradução e pode ser expressa pela dicotomia treinamento (automatização) versus ensino (conscientização). (GONÇALVES, 2003b, p.3)

Desse modo, conforme apontado por Andréia Guerini e Marie-Hélène Torres, percebe-se que “a formação ampla é alcançada ao longo de anos de estudo e concretizada com alguns outros anos de experiência profissional” (GUERINI; TORRES, 2006, p. 20). A dicotomia prática e teoria, instituída no meio acadêmico, seria de extrema importância para a formação do tradutor.

Assim, apresentamos-se a seguir a abordagem do grupo LETRA/CORDIALL da Universidade Federal de Minas Gerais, que tem como foco a conscientização e a autonomia do aprendiz.

2.1.1. A conscientização no ensino-aprendizagem de tradução,

uma abordagem cognitiva: LETRA/CORDIALL, UFMG

Compreender o modo como a aprendizagem da tradução ocorre é uma tarefa de difícil compreensão e tentar buscar por uma metodologia que possa ser utilizada por todos os cursos de Tradução é uma tarefa ainda mais complexa, já que nem sempre os pesquisadores e professores concordam com o que deve ser ensinado e como o processo de ensino-aprendizagem deve ocorrer. Podemos perceber essa problemática por meio da afirmação de Gonçalves:

Entretanto, mesmo com uma considerável produção, além da inegável consolidação de diversas vertentes dos Estudos da Tradução, ainda há pouco consenso em relação aos contornos teóricos e didático-metodológicos ideais para os cursos de tradução. [...] ainda falta à didática da tradução uma orientação consensual em relação às habilidades, competências e conhecimentos necessários para a formação do tradutor profissional (GONÇALVES, 2003a, p. 1).

Defendendo a autonomia e conscientização do aprendiz em sua formação, Fábio Alves, Célia Magalhães e Adriana Pagano, professores e pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), componentes do grupo LETRA/CORDIALL, buscam demonstrar que a formação do tradutor deve ser realizada de forma reflexiva, já que essa “abordagem é [...] centrada em estratégias [...] que conduzem à resolução, de forma eficaz e adequada, de problemas tradutórios” (ALVES; MAGALHÃES; PAGANO, 2003, p. 7).

Tendo como meta a conscientização dos aprendizes de tradução, esses três pesquisadores da UFMG afirmam que o primeiro passo para que o ensino de tradução seja eficaz é trabalhar, junto ao aprendiz, as crenças, ou seja, a “visão do que seja aprender e adquirir conhecimento” (ALVES; MAGALHÃES; PAGANO, 2003, p. 9) sobre tradução e tradutor, pois suas crenças podem afetar diretamente o desempenho no

decorrer do curso. Esses autores trabalham também com um conceito subjetivo relacionado às partes do texto, problemáticas para o tradutor, as unidades de tradução, que para eles seria:

[...] um segmento do texto de partida, independente de tamanho e forma específicos, para o qual, em um dado momento, se dirige o foco de atenção do tradutor. Trate-se de um segmento em constante transformação que se modifica segundo as necessidades cognitivas e processuais do tradutor. A unidade de tradução pode ser considerada como a base cognitiva e o ponto de partida para todo o trabalho processual do tradutor. Suas características individuais de delimitação e sua extrema mutabilidade contribuem fundamentalmente para que os textos de chegada tenham formas individualizadas e diferenciadas. O foco de atenção e consciência é o fator direcionador e delimitador da unidade de tradução e é através dele que ela se torna momentaneamente imperceptível (ALVES; MAGALHÃES; PAGANO, 2003, p. 9).

Esses três autores demonstram também que o tradutor em formação deve estar ciente das diversas estratégias de busca de subsídios externos e da necessidade das análises macro e microtextual do texto. Por meio dessa “reflexão”, o aprendiz percebe que não há uma fórmula mágica para se tornar um profissional competente e que cada texto requer uma habilidade especial. Assim, permitem montar um método próprio de tradução relacionado diretamente às suas experiências.

Desse modo, Gonçalves afirma que “autores como Alves, Magalhães e Pagano [...] defendem que é fundamental a ampliação do nível de conscientização do tradutor em formação sobre os problemas de tradução e os processos de solução de problemas e tomada de decisão” (GONÇALVES, 2003a, p. 3). Percebe-se, portanto, que para eles é fundamental que o tradutor seja conscientizado com relação aos problemas de tradução, ao processo de solução, às estratégias e às tomadas de decisão, e, consequentemente, se torne autônomo:

A ideia de levar o tradutor em formação a desenvolver estratégias de tradução está imbuída do espírito de conscientizá-lo da complexidade do processo tradutório e da necessidade de monitorar suas ações e examinar com cuidado as decisões tomadas ao longo do processo tradutório. A conscientização deste tradutor envolve um redimensionamento do conceito de aprender, o qual passa a demandar que o aprendiz se torne diretamente responsável pelo seu próprio processo de aprendizagem (ALVES; MAGALHÃES; PAGANO, 2003, p. 7).

Assim como Echeverri (2008), Alves, Magalhães e Pagano (2003) propõem que os estudantes busquem por um modo próprio de aprendizagem aprender a superar seus limites e, assim, se tornem aprendizes independentes, e como consequência, se tornem profissionais que saberão como apreender tudo o que está ao seu redor.

Fábio Alves, Célia Magalhães e Adriana Pagano propõem um modelo de processo tradutório próprio, tomando como ponto de partida o modelo de processo tradutório do tradutólogo alemão Frank Königs, o qual divide as atividades tradutórias em bloco automático (BA - Adhoc-Block), representado pelas unidades já conhecidas, e reflexivo (BR - Rest-Block), sendo este o responsável pelas reflexões de unidades de tradução desconhecidas e tomadas de decisão (ALVES; MAGALHÃES; PAGANO, 2003, p. 114).

Tendo essa perspectiva, o modelo proposto por Königs para realização do processo tradutório, seria uma via simples, sem muitos atropelos, como pode ser observado no esquema seguinte:

Figura 6. Modelo do processo tradutório apresentado pelo teórico alemão Frank Könings (ALVES; MAGALHÃES; PAGANO, 2003, p. 114).

Porém, percebendo-se o ato tradutório como processo complexo, os autores especificam o modelo proposto por Könings em diversas outras etapas com diversas possibilidades de serem adotadas. Desse modo, buscando a conscientização dos tradutores, ou seja, desenvolver sua cognição, tanto dos que estão em formação quanto dos profissionais, os autores descrevem como o processo de tradução é realizado, a partir da escolha da UT, em diversas etapas, como: “(1) Automatização, (2) Bloqueio

Processual, (3) Apoio Interno, (4) Apoio Externo, (5) Combinação de Apoios Interno e Externo, (6) Priorização e Omissão de Informações e (7) Aperfeiçoamento do Texto de Chegada” (ALVES; MAGALHÃES; PAGANO, 2003, p. 115).

O tradutor, ao iniciar o processo tradutório por meio da leitura do texto de partida (TP), defronta-se com diversas unidades de tradução (UT) que podem levar ao automatismo (1) ou para a não compreensão e, consequentemente, para a não solução do problema. Ocorre um bloqueio durante o processo (2) e, desse modo, não consegue ir além do bloco automático. Assim, para que o tradutor demonstre e busque consciência do processo, é necessário que ele recorra a alternativas que o ajudem a realizar o processo tradutório, quer seja por meio de recursos como dicionário e glossário (3), de conhecimento prévio a respeito do assunto e que pode estar relacionado à memória de curto (MCP) ou longo prazo (MLP) (4) ou da combinação de ambos (5). O tradutor deverá refletir a respeito das unidades de tradução que problematizam o ato tradutório. Assim, cabe ao tradutor buscar as estratégias para repassar uma informação (6) e, por fim, analisar e aperfeiçoar o texto de chegada (TC) produzido por meio de revisão (7) e, dependendo, reiniciar todo esse processo ao encontrar novas unidades de tradução durante a revisão.

Figura 7. Modelo do Processo Tradutório (ALVES; MAGALHÃES; PAGANO, 2000, p. 118).

Estando ciente dessas etapas, torna-se possível conhecer os processos cognitivos que ocorrem durante as atividades tradutórias e, por essa razão, acreditam que a verbalização, concomitante ou retrospectiva, o uso de protocolos verbais, é de

grande importância para a inferência dos mecanismos e processos cognitivos que norteiam todo o processo tradutório. Assim, não achando possível o uso de verbalização simultânea para descrever os processos cognitivos, acredita-se que o uso de “verbalizações retrospectivas [imediatas] são capazes de destacar de forma mais detalhada relatos processuais que refletem aspectos inferenciais e contextuais relevantes para a solução de problemas e tomadas de decisão em tradução” (ALVES, 2003, p. 76), sendo uma ferramenta confiável para compreender a cognição dispensada pelo tradutor. Alves vai além, e relata a importância da metodologia da triangulação para a compreensão do processo de tradução e dos processos cognitivos nele implicados. Por essa razão, o autor defende “o uso triangulado de movimentos no teclado do computador com protocolos retrospectivos coletados” (ALVES, 2003, p. 78), ou seja, realizar uma análise de dados quantitativos e qualitativos. Segundo ele, esse método leva à tomada de consciência por parte do tradutor. Dessa maneira,

a técnica de triangulação presta, de forma correlata, uma contribuição no que diz respeito ao aperfeiçoamento didático-metodológico da formação de profissionais em tradução ao levar indiretamente tradutores novatos a observarem e tomarem consciência de suas próprias práticas cognitivas e discursivas e ainda a fomentar a prática de leitura crítica e promover a conscientização nesses tradutores novatos sobre os seus percursos quanto coconstroem um texto em uma nova língua e cultura (ALVES; MAGALHÃES; PAGANO, 2003, p. 109).

Alves afirma que para o desenvolvimento da autonomia dos tradutores em formação há a necessidade de cognição, tendo ainda como pano de fundo a técnica de triangulação, como pode ser observado abaixo:

Esse processo incorpora características cognitivas e discursivas e desenvolve níveis de consciência e autonomia que levam tradutores novatos a perceber as inter-relações dinâmicas entre linguagem, cognição e discursos. Desta forma, tradutores poderão aprender a lidar com exigências impostas pela tarefa de tradução e a tomar decisões que envolvam intervenções textuais em contextos interlinguísticos e transculturais (ALVES, 2003, p. 103).

Assim, mesmo sendo a princípio um modelo contrastante ao de Robinson (2002), Alves, Magalhães e Pagano ressaltam a importância da automatização na formação do tradutor, porém é necessário que os aprendizes desenvolvam as

competências tradutórias necessárias a essa atividade, bem como aumentar o nível de conscientização:

Como formador de tradutores, tenho adotado uma orientação teórica e didático-metodológica mais próxima àquela proposta por Alves, Magalhães & Pagano, entretanto não discordo de que muitos dos processos relativos à tradução precisam ser “automatizados” para que o tradutor se torne cada vez mais eficiente e produtivo. [...] a amplitude e a complexidade do fazer tradutório não permitem, ainda, que se apresentem respostas definitivas em relação a vários fatores envolvidos na CT [competência do tradutor]. Contudo, é fundamental que se estude a sua natureza para que obtenhamos mais e melhores subsídios para aperfeiçoar os cursos de tradução e, consequentemente, os conhecimentos, as habilidades e a competência dos profissionais formados (GONÇALVES, 2003b, p. 4).

2.2. Reflexões sobre as abordagens de ensino de tradução

No documento Do ensino de tradução literária (páginas 96-104)