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Exposição de possíveis abordagens para o processo tradutório: Peter

No documento Do ensino de tradução literária (páginas 52-56)

1. O ensino de tradução no contexto americano e europeu nos últimos 30 anos

1.1. Abordagens de ensino de tradução desenvolvidas nos últimos 30 anos

1.1.2. Exposição de possíveis abordagens para o processo tradutório: Peter

Tradução

Em 1988, com a publicação de A Textbook of Translation, Peter Newmark busca apresentar aos leitores – tradutores, estudantes e leigos – os princípios dos Estudos da Tradução, área científica criada há pouco tempo, além de abordagens utilizadas no processo tradutório.

Segundo Newmark, o tradutor deve conhecer sua própria língua, pois necessita sempre tomar decisões (NEWMARK, 1988, p. 8); além disso, deve ter sensibilidade, intuição e inteligência quanto à língua estrangeira, de modo a ter um “sexto sentido” quanto às línguas envolvidas (NEWMARK, 1988, p. 4). Esse autor pressupõe que o tradutor deve saber que a tradução atua em quatro níveis distintos e que deve conhecê-los bem:

[...] a tradução é primeiramente uma ciência, o que acarreta no conhecimento e verificação dos fatos e da língua que os descreve [...]; em segundo lugar, é uma habilidade, que busca pelo uso apropriado e aceitável da língua; em terceiro lugar, é uma arte, que distingue a boa escrita da medíocre e, por vezes, é a criatividade, a intuição e a inspiração que diferenciam a tradução, e por fim, é uma questão de gosto, onde os argumentos cessam, as preferências

raisonner l’enseignement de la traduction. Les objetifs d’apprentissage décrivent l’intention visée par une activité pédagogique et indiquent les changements durables de comportement chez un étudiant, comme l’expliquait Jean Delisle en 2003.”

são expostas e a variedade de traduções louváveis é o reflexo das preferências pessoais34 (NEWMARK, 1988, p. 6).

Desse modo, “o tradutor ao fazer uma escolha está intuitivamente ou conscientemente seguindo uma teoria da tradução”35 (NEWMARK, 1988, p. 8), ou seja, teoria e prática estão sempre atreladas. Para ele o processo tradutório é um ato operacional, o qual enfoca em quatro aspectos:

(1) o nível do texto na língua de partida, o nível da língua, de onde começamos e para onde voltamos frequentemente (mas não de forma contínua); (2) o nível referencial, o nível dos objetivos e eventos, reais ou imaginários, que precisamos gradualmente visualizar e acumular, inicialmente pela compreensão e depois pelo processo de reprodução; (3) o nível de coesão, mais geral e gramatical, traça a linha de pensamento, o tom (positivo ou negativo) e as diversas suposições do texto de partida. Esse nível engloba tanto a compreensão quanto a reprodução: apresenta uma visão geral que podemos seguir para ajudar o nível de linguagem; (4) o nível de naturalidade, a linguagem apropriada em uma determinada situação para o escritor ou o orador36 (NEWMARK, 1988, p. 19).

A partir desses níveis, Newmark considera que existem duas abordagens possíveis no processo tradutório: (1) traduzir frase por frase sem ler o texto todo antes ou (2) ler o texto completo, analisá-lo, e somente depois iniciar a tradução (NEWMARK, 1988, p. 21). Vale enfatizar que para Newmark abordagem e método são equivalentes. Esse teórico acredita que a escolha pelo método decorrerá do temperamento do tradutor, pois dependerá “se você confia na sua intuição (primeiro

34

“He works on four levels: translation is first a science, which entails the knowledge and verification of the facts and the language that describes them – here, what is wrong, mistakes of truth, can be identified; secondly, it is a skill, which calls for appropriate language and acceptable usage; thirdly, an art, which distinguishes good from undistinguished writing and is the creative, the intuitive, sometimes the inspired, level of the translation; lastly, a matter of taste, where argument ceases, preferences are expressed, and the variety of meritorious translations is the reflection of individual differences.” 35 “In making his choice, he is intuitively or consciously following a theory of translation.”

36 “My description of translating procedure is operational. It begins with choosing a method of approach. Secondly, when we are translating, we translate with four levels more or less consciously in mind: (1) the SL text level, the level of language, where we begin and which we continually (but not continuously) go back to; (2) the referential level, the level of objects and events, real or imaginary, which we progressively have to visualise and build up, and which is an essential part, first of the comprehension, then of the reproduction process; (3) the cohesive level, which is more general, and grammatical, which traces the train of thought, the feeling tone (positive or negative) and the various presuppositions of the SL text. This level encompasses both comprehension and reproduction: it presents an overall picture, to which we may have to adjust the language level; (4) the level of naturalness, of common language appropriate to the writer or the speaker in a certain situation.”

método) ou em sua análise (para o segundo método)”37

(NEWMARK, 1988, p. 21) . Contudo, o tipo de texto também poderá influenciar na escolha do método, visto que “você poderá pensar que o primeiro método é mais adequado para textos literários e o segundo para textos técnicos ou institucionais”38

(NEWMARK, 1988, p. 21).

A escolha pelo método do processo tradutório é um dos principais problemas para a tradução e, portanto, também para a teoria da tradução, pois, conforme Newmark (1988, p. 21),

o cerne da teoria da tradução é os problemas de tradução (levando em conta que o que é problema para um tradutor pode não ser para outro); a teoria da tradução consiste e pode ser definida como um grande número de generalizações a respeito dos problemas tradutórios.39

Ele alerta ainda que a escolha pelo primeiro método pode resultar em maior necessidade de revisão e, consequentemente, perda de tempo. E, por isso, deve-se preferir a segunda alternativa, pois a análise do texto ajudará nas escolhas durante o ato tradutório (NEWMARK, 1988, p. 21). Newmark, buscando ainda apresentar o universo da tradução para seus leitores, subdivide os métodos de tradução em oito possibilidades, que são explicadas de maneira resumida por ele e que disporemos abaixo.

1. Palavra por palavra: a ordem das palavras da língua de partida é preservada e são traduzidas pelos seus significados mais comuns, geralmente fora de contextos. As palavras que fazem referência à cultura [culturemas] são traduzidas literalmente40 (NEWMARK, 1988, p. 45-46).

2. Tradução literal: as construções gramaticais da língua de origem são convertidas para os equivalentes mais próximos na língua de chegada, mas o léxico é traduzido isoladamente, fora de contexto41 (NEWMARK, 1988, p. 46).

37 “Which of the two methods you choose may depend on your temperament, or on whether you trust your intuition (for the first method) or your powers of analysis (for the second).”

38

“Alternatively, you may think the first method more suitable for a literary and the second for a technical or an institutional text.”

39 “The heart of translation theory is translation problems (admitting that what is a problem to one translator may not be to another); translation theory broadly consists of, and can be defined as, a large number of generalisations of translation problems.”

40 “Word-for-word translation: The SL word-order is preserved and the words translated singly by their most common meanings, out of context. Cultural words are translated literally.”

41 “Literal translation: The SL grammatical constructions are converted to their nearest TL equivalents but the lexical words are again translated singly, out of context.”

3. Tradução fiel: a tradução fiel busca reproduzir o contexto preciso do significado do original dentro dos limites gramaticais da língua de chegada. “Transfere” culturemas e preserva o nível gramatical e as “anomalias” lexicais (divergências das normas do texto de partida) na tradução. Tenta ser o mais fiel possível das intenções e da concepção do texto do escritor da língua de partida42 (NEWMARK, 1988, p. 46).

4. Tradução semântica: a tradução semântica distingue-se da “tradução fiel” somente na medida em que ela considera mais o valor estético (ou seja, a beleza e os sons naturais) do texto de partida, comprometendo-se com o “significado” onde apropriado, de modo que nenhuma assonância, jogos de palavras ou repetições sejam perdidas na versão final. […] A diferença entre a “tradução fiel” e a “tradução semântica” é que a primeira é inflexível e dogmática, enquanto a segunda é mais flexível, admite a criatividade, ao invés de 100% de fidelidade e permite ao tradutor usar a intuição junto ao original43 (NEWMARK, 1988, p. 46).

5. Adaptação: é a tradução mais “livre”. É usada geralmente em peças (comédias) e em poesia. Os temas, os personagens, o enredo são geralmente preservados, ao passo que a cultura de partida é convertida para a cultura de chegada e o texto é reescrito. A prática deplorável de ter a peça ou o poema traduzido literalmente por um dramaturgo ou poeta consagrado tem originado muitas adaptações de baixa qualidade, enquanto outras adaptações têm “resgatado” peças de época44 (NEWMARK, 1988, p. 46).

6. Tradução livre: a tradução livre reproduz o assunto sem a forma ou o conteúdo sem a forma do original. Geralmente é uma paráfrase mais longa do que o original, chamada “tradução intralinguística”, muitas vezes prolixa e pretensiosa e não uma tradução em si45 (NEWMARK, 1988, p. 46-47). 7. Tradução idiomática: a tradução idiomática reproduz a “mensagem” do original, mas tende a distorcer as nuances do significado ao preferir o uso de coloquialismos e expressões idiomáticas onde não existem no texto original46 (NEWMARK, 1988, p. 47).

42 “Faithful translation: A faithful translation attempts to reproduce the precise contextual meaning of the original within the constraints of the TL grammatical structures. It ‘transfers’ cultural words and preserves the degree of grammatical and lexical ‘abnormality’ (deviation from SL norms) in the translation. It attempts to be completely faithful to the intentions and the text-realisation of the SL writer.”

43

“Semantic translation: Semantic translation differs from ‘faithful translation’only in as far as it must take more account of the aesthetic value (that is, the beautiful and natural sound) of the SL text, compromising on ‘meaning’ where appropriate so that no assonance, word-play or repetition jars in the finished version. The distinction between ‘faithful’ and ‘semantic’ ctranslation is that the first is uncompromising and dogmatic, while the second is more flexible, admits the creative exception to 100% fidelity and allows for the translator's intuitive empathy with the original.”

44 “Adaptation: This is the ‘freest’ form of translation. It is used mainly for plays (comedies) and poetry; the themes, characters, plots are usually preserved, the SL culture converted to the TL culture and the text rewritten. The deplorable practice of having a play or poem literally translated and then rewritten by an established dramatist or poet has produced many poor adaptations, but other adaptations have ‘rescued’ period plays.”

45 “Free translation: Free translation reproduces the matter without the manner, or the content without the form of the original. Usually it is a paraphrase much longer than the original, a so-called ‘intralingual translation’, often prolix and pretentious, and not translation at all.”

46 “Idiomatic translation: Idiomatic translation reproduces the ‘message’ of the original but tends to distort nuances of meaning by preferring colloquialisms and idioms where these do not exist in the original.”

8. Tradução comunicativa: a tradução comunicativa tenta produzir o mesmo significado contextual do original de modo que tanto o conteúdo quanto a língua sejam facilmente aceitos e compreendidos pelo leitor47 (NEWMARK, 1988, p. 47).

Newmark não chega a propor um método próprio, mas, sim, apresentar as diversas possibilidades que podem ser seguidas durante o processo tradutório. No entanto, ele acredita que a tradução semântica e a comunicativa são as únicas que suprem os principais objetivos da tradução: a precisão e a economia (NEWMARK, 1988, p. 47). Após termos descrito os conceitos apresentados por Peter Newmark, passaremos à abordagem inicialmente proposta por Christiane Nord, que tem como foco a função do texto traduzido para os leitores, a qual se destina, resumidamente, as tomadas de decisão ao decorrer do ato tradutório seriam justificados pelo contexto.

No documento Do ensino de tradução literária (páginas 52-56)