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Abordagem sócio histórica: seus principais fundamentos

CAPÍTULO III: A BUSCA DE UM CAMINHO: CONSTRUÇÃO DO QUADRO TEÓRICO METODOLÓGICO

3.2. Seleção de uma metodologia qualitativa e o método hermenêutico dialético

3.2.3. Abordagem sócio histórica: seus principais fundamentos

Na tentativa de acompanhar transversalmente estas componentes que se conjugam na tarefa de ser professor, a investigação em curso procurou, numa atitude de partilha, desenhar as trajetórias de alguns educadores de infância, inseridos em

espaços organizacionais definidos, ponderando sempre sobre a

pluridimensionalidade abordada por Nóvoa (1998) e Tardif (2002). Pretendeu-se, assim, refletir acerca do modo como tais profissionais atuam com as constantes mutações e como fazem coexistir as várias competências e saberes, no momento de se confrontarem com as crianças com quem lidam, num cotidiano incerto e povoado de novas exigências dia após dia.

A aprendizagem e o processo de ensino decorrem e desenvolvem-se a partir da interação ‚face a face‛ entre os indivíduos; é a partir dessa interligação que o sujeito se vai construir como ser humano, um indivíduo formado culturalmente e capaz de se estabelecer psicologicamente, pois só através de tal contato social com os signos, fornecidos pela cultura (Vygostsky, 1991), é que os indivíduos, participantes do sistema social e educativo, desenvolvem a sua componente psicológica: ‚A interação social, seja diretamente com outros membros da cultura, seja através dos diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado, fornece a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo‛ (Oliveira, 1993, p. 38).

Portanto, se o ser humano se constrói segundo os signos que apreende da cultura, também é o indivíduo que influencia a própria ambiência cultural e, por isso, aquele teórico russo pensa a cultura como um sistema din}mico, ‚uma espécie de palco de negociações, em que seus membros estão num constante movimento de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados‛ (Oliveira, 1993,

p. 38). É esse processo que modifica o Homem e que o coloca numa constante luta entre o seu íntimo, subjetivo e pessoal, e o mundo, exterior e social.

Deste modo, não é viável pensar o profissional da educação, o investigador e todos os elementos que partilham do sistema educativo, sem antes compreendê-los como seres, que tomam para si comportamentos culturais, que sendo ‚interpessoais‛ se transformam em ‚atividades internas, intrapsicológicas‛, num desenvolvimento que ‚se dá de fora para dentro‛ (Oliveira, 1993, p. 39), no qual cada ser humano realiza uma atividade ‚externa‛, que será interpretada à luz da sociedade e da cultura em que está inserida.

Todo esse processo mediado entre o homem, ser individual, e o mundo, ambiente carregado de significados culturais, reveste-se de um sentido histórico. A propósito, Vygotsky (1991) pondera que é este sistema de símbolos, transmitido pela linguagem, que edifica significados compartilhados e a consequente interpretação das situações ou aspectos do mundo real.

Apoiada na perspectiva de compreensão de Vygotsky (1991), esta investigação pretende desenvolver uma abordagem sócio histórica, já que a reflexão colocará no foco da nossa análise o homem, articulando-se aqui os aspectos externos com os internos. Em outras palavras: o estudo proposto interpreta o Homem, sujeito da pesquisa, como ser biológico e ser social, membro da espécie humana e participante ativo do processo histórico, considerando as funções psicofisiológicas a ele inerentes, mas também o produto do desenvolvimento: natural e cultural (Vygotsky, 1996). Entendemos, dessa forma, que os sujeitos participantes desta investigação são, tal como apresenta Freitas (2002), em primeira inst}ncia, ‚históricos, datados, concretos, marcados por uma cultura como criadores de ideias e consciência que, ao produzirem e reproduzirem a realidade social, são ao mesmo tempo produzidos e reproduzidos

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por ela‛ (p. 22). Consequentemente, todo e qualquer fenômeno humano tem de ser abordado na sua evolução biológica e nos seus processos de transformação e mudança social e histórica. Assim, como sustenta Vygotsky (1991), na posição de metodólogo, a preocupação principal do investigador deve ser mais com o processo em observação do que com seu produto. Nesse sentido se fará indispensável ir à gênese da questão, buscando reconstruir a história de sua origem e de seu desenvolvimento.

Conclui-se, então, que a pesquisa desenvolvida se define como uma investigação qualitativa de cunho sócio histórico, indo-se ‚a campo com uma preocupação inicial, um objetivo central, uma questão orientadora‛ (Freitas, 2002, p. 28). A questão formulada precisa de uma compreensão e, para isso, é necessário que o investigador se envolva no campo de trabalho, familiarizando-se com a situação e os sujeitos em análise. Esse contato levará o investigador aos locais em estudo, observando, mantendo uma troca direta com os sujeitos, conversando e recolhendo informações in loco, produzidas por esses indivíduos. Ao percorrer tal caminho, ele terá em mãos dados qualitativos, com pormenores significativos dos sujeitos em estudo e de todo o ambiente e processo que os envolve. E dessa forma a pesquisa deverá acolher novas indagações que irão ampliar a questão base de estudo, permitindo uma melhor compreensão da situação em análise.

Logo, a investigação qualitativa baseada na abordagem sócio histórica assegurará uma visão mais rica dos fenômenos, descrevendo-os e procurando estabelecer relações entre o individual e o social. As escolas escolhidas em Aveiro (Portugal) e no Rio de Janeiro (Brasil) foram um campo a explorar, no contato direto com os educadores de infância e a realidade social, institucional e cultural em que eles desenvolvem as suas atividades.

Como foi dito, autores como Nóvoa (1991; 1995; 1998; 2000), Tardif (2002), Vygotsky (1991) e Bakhtin (2006) foram escolhidos como referenciais teóricos importantes para este estudo por suas contribuições que nos ajudam a esclarecer as trajetórias de formação e o processo de construção e/ou apropriação do saber docente e, mais especificamente, nesta investigação, dos educadores de infância.

Reconhecemos que ‚as visões de Homem e de mundo presente numa determinada perspectiva teórica marcam toda a sua organização metodológica e estrutura conceitual‛ (Freitas, 2007, p. 8). Ao considerarmos que, nesta investigação, o estudo é o homem um ‚ser expressivo e falante‛ perante o qual o pesquisador não se pode limitar a contemplar, mas sim a dialogar e a falar com ele, a situação inverte-se, perde-se o contato entre ‚sujeito objeto‛, para se estabelecer uma relação entre ‚sujeito sujeito‛, numa ‚perspectiva dialógica‛ (Freitas, 2007, p. 24).

Bakhtin (2006) afirma que, em muitos estudos em ciências humanas, a pesquisa terá de buscar a profundidade através da participação conjunta do investigador com o ‚investigado‛, j{ que tanto um como outro estão num processo contínuo de aprendizagem, de transformações, de reflexão, no qual o investigador tem de ir se ressignificando no campo em análise e o investigado, não sendo apenas um objeto, passa também a pensar e a aprender sobre si e o seu contexto.

Ao dar acolhida à perspectiva dialógica formulada por esse autor que se conjuga com o prisma analítico adotado por Nóvoa (1998) e Tardif (2002) em seu esforço para pensar a trajetória/desenvolvimento profissional do docente, o presente estudo insiste em compreender o sujeito como um ser singular, situado num ambiente histórico social. Por sua vez, os encontros com as educadoras de infância que poderão fornecer a base de construção de um novo conhecimento sócio

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educacional são nestes valorizados menos como uma aproximação entre ‚psiques‛ individuais do que como interações entre textos e contextos.