• Nenhum resultado encontrado

Pesquisa e política de formação: o professor reflexivo e sua prática

CAPÍTULO II: FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA

2.3. Pesquisa e política de formação: o professor reflexivo e sua prática

Emerge na atualidade como uma articulação possível entre pesquisa e política de formação, as novas tendências investigativas sobre formação de professores que valorizam o que denominam o professor reflexivo (Shön, 1990; Alarcão, 1996; Zeichner, 1993). Opondo-se à racionalidade técnica que marcou o trabalho e a formação de professores, durante muito tempo ao longo das práticas educativas, entendem-no

82

como um intelectual27 em processo contínuo de formação. Pensar sua formação

significa pensá-la como um continum de formação inicial e contínua. Consideram, também, que a formação é, na verdade, autoformação, uma vez que os professores reelaboram os saberes iniciais cotejando-os com suas experiências práticas, cotidianas,

vivenciadas nos contextos escolares. Como foi apontado acima, esse processo

contínuo de reflexão não consiste em um mero acúmulo de conteúdos, mas numa permanente atitude de revisão dos pensamentos incorporados, de revisão das práticas e das relações docentes.

A formação do docente reflexivo não se restringe a desenvolver capacidades cognitivas, técnicas ou instrumentais; esse professor não só se defronta com questões teóricas, mas no seu dia-a-dia lida com a problemática axiológica: com os valores. Esse docente pensa, fala, analisa situações, mas essencialmente é alguém que avalia, que lida com valores próprios e alheios, que se defronta com decisões geralmente delicadas, com opiniões muitas vezes conflitantes. Assim, a formação do profissional reflexivo tem que dar conta de vários tipos de saberes. Saberes de uma prática reflexiva, saberes de uma teoria especializada, saberes de uma militância pedagógica. Sob essa ótica, os problemas da prática profissional docente não são considerados como meramente instrumentais, mas comportam situações problemáticas que requerem decisões num terreno de grande complexidade, incerteza, singularidade e choque de valores. Por esses motivos, devemos frisar ‚a import}ncia de preparar

27 Para Giroux, H. A. (1997), ‚uma forma de repensar e reestruturar a natureza da atividade docente é encarar os professores como intelectuais transformadores. A categoria de intelectual é útil de diversas maneiras‛, não apenas, porque ‚oferece uma base teórica para examinar-se a atividade docente como forma de trabalho intelectual, em contraste com sua definição em termos puramente instrumentais ou técnicos‛. Mas também ‚esclarece os tipos de condições ideológicas e pr{ticas necess{rias para que os professores funcionem como intelectuais‛. Além de ajudar os professores a esclarecer o papel que desempenham ‚na produção e legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas‛(Giroux, H. A. 1997, p. 161).

professores que assumam uma atitude reflexiva em relação ao seu ensino e às condições sociais que o influenciam‛ (Zeichner, 1993).

É importante, após as ponderações anteriores, destacar que o professor deverá desenvolver as suas múltiplas capacidades aos efeitos de lidar com situações diversificadas. Ele é um prático reflexivo. A defesa de uma perspectiva dos professores como práticos reflexivos é o que leva Zeichner (1993) a questionar as reformas educativas propostas de cima para baixo, nas quais os professores aplicam passivamente planos desenvolvidos por outros atores sociais, institucionais e/ou políticos. Ao investigar a formação de professores na sociedade norte americana, Zeichner (1993) reconhece nessa tendência de formação reflexiva, uma estratégia para melhorar o desempenho de professores que, segundo ele, possibilitaria maior capacidade desses profissionais para o enfrentamento da complexidade, das incertezas e injustiças na escola e na sociedade.

As investigações mais recentes sobre o professor reflexivo, ao estabelecerem os nexos entre formação e profissão, como constituintes dos saberes específicos da docência, bem como as condições materiais em que se realizam, conferem o devido valor ao trabalho do professor como sujeito das transformações que se fazem necessárias na escola e na sociedade. Isso nos leva a destacar a necessidade de integrar no debate sobre formação de professores, a reflexão sobre condições de trabalho, salário, jornada, gestão, currículo.

A formação de professores reflexivos não se restringe a postular a capacitação técnica do profissional do ensino, mas também contém um projeto humano emancipatório. Desenvolver pesquisa nessa direção implica assumir posições político educacionais que apostam nos professores como autores da prática social.

84

No rastro de Giroux & Maclaren (1995), consideramos que as escolas de

formação de professores necessitam ser reconcebidas como esferas contrapúblicas28,

de modo a propiciarem a formação de professores com consciência e sensibilidade social. A noção de contra-pública alude a um docente que não é apenas um agente do Estado, alguém que exerce uma função burocrática, uma tarefa remunerada numa instituição oficial. Esse professor não se restringe a desempenhar um cargo do Estado, uma função estabelecida, regida e remunerada por entidades oficiais, ele pode indicar caminhos alternativos na docência, propondo culturas e crenças alternativas. Conforme essa proposta, abre-se assim espaço para que o sentido social, público e político façam parte da formação do professor, de maneira que os docentes e alunos passem a contribuir, com suas histórias culturais e pessoais e vontades coletivas, para o desenvolvimento de uma contra esfera pública democrática. Na perspectiva contrapública, procura-se formar os professores num sentido abrangente, não só como transmissores de saberes, mas como forjadores de atitudes, como reflexivos agentes políticos, isto é, como intelectuais críticos capazes de trazer à tona as questões de liberdade e da democracia. Em outras palavras, o professor que não se restringe a ser apenas um funcionário que administra a educação estatal, conforme apontam

28 Giroux & Maclaren (1995) esclarecem como, perante uma esfera pública, surge uma esfera contra- pública, comprometida em encontrar caminhos alternativos no ensino: caminhos para que apareçam instituições educativas populares, assim como para estimular a emergência de culturas e crenças alternativas: ‚No século XX, a razão foi praticamente eliminada e a investigação reflexiva perigosamente domesticada em função da destruição daquelas esferas públicas clássicas que prevaleceram na Europa dos séculos XVIII e XIX. Àquela época, as esferas públicas – tais como clubes políticos, periódicos, cafés, grupos de vizinhos de bairros, casas editoriais e sindicatos – proporcionavam espaços nos quais os indivíduos podiam reunir-se para debater, dialogar e trocar opiniões. Esferas públicas como essas freqüentemente se transformavam em uma coesa força política. [<] a esfera pública servia não apenas para criar a linguagem da liberdade, mas também para manter viva a esperança de que os grupos subordinados pudessem um dia gerar seus próprios intelectuais. [<] Ou seja, esses intelectuais poderiam fornecer o lastro moral e político necessário à criação de instituições de educação popular, bem como de culturas e crenças alternativas *<+‛ ( p.126-127).

Giroux & Maclaren (1997), têm uma grande sensibilidade democrática, capaz de resgatar as suas histórias pessoais e dos alunos, criando novas possibilidadades

educativas, sem se importar com a manutenção do status quo.29 Esse docente tem um

espírito altamente crítico, compreende o significado político da docência, exerce a sua reflexão crítica, evidenciando sua autonomia intelectual perante as instâncias

públicas.30

Em resumo, a formação de professores na tendência reflexiva ganha visibilidade como uma política de valorização do desenvolvimento pessoal e profissional dos professores e das instituições escolares, na medida em que supõe condições de trabalho propiciadoras da formação contínua desses docentes, no local de trabalho, em redes de autoformação, e em parceria com outras instituições de formação. Essa tendência é bem explicitada por Pimenta (2005), quando afirma que:

trabalhar o conhecimento na dinâmica da sociedade multimídia, da globalização, da multiculturalidade, das transformações nos mercados produtivos, na formação dos alunos, crianças e jovens, também eles em constante processo de transformação cultural, de valores, de interesses e

29 “A educação do professor raramente tem ocupado espaço público ou político de importância dentro da cultura contemporânea, onde o sentido do social pudesse ser resgatado e reiterado a fim de dar a professores e alunos a oportunidade de contribuir, com suas histórias culturais e pessoais e sua vontade coletiva, para o desenvolvimento de uma contra esfera pública democrática. [<] Não é exagero afirmar que os programas de formação de professores são concebidos para criar intelectuais que operam a serviço dos interesses do Estado, e cuja função social é primordialmente manter e legitimar o status quo‛ (Giroux, H. & Maclaren, P., 1997, p.128).

30‚O termo ‘contra-hegemonia’ (Adamason, 1980), confrontado com o termo ‘resistência’, é um termo [<] que exprime [<] o projeto político [<] como a criação de esferas públicas alternativas. [<] O conceito de contra-hegemonia, [<] implica um entendimento mais político, mais teórico e mais crítico, não só de natureza da dominação, mas também do tipo de oposição ativa que deveria engendrar. [...] Como domínio refletido de ação política, a contra-hegemonia devia o espírito combativo do terreno da crítica para o terreno coletivamenteconstituído da contra-esfera pública‛ (Giroux, H. & Maclaren, P., 1997, p.132-133).

86

necessidades, requer permanente formação, entendida como ressignificação identitária dos professores‛ (p. 31) [grifo nosso].

2.4. Identidade e formação do professor: profissionalidade docente, cultura e