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CAPÍTULO IV: DESVENDANDO O CAMPO: OS EDUCADORES E SUAS HISTÓRIAS, TEXTOS E CONTEXTOS

PERCURSO PESSOAL E PROFISSIONAL E

SC O L HA D A P RO F IS O ( C ON T .)

[…] A educação estava me dando muito retorno, tanto profissional quanto em realização pessoal. Eu já estava dando aula em Educação Infantil e entrei num dilema - se eu quisesse continuar arquitetura teria que largar meu emprego. Resolvi fazer Pedagogia. Nessa época o governo estava oferecendo um curso superior, em convênio, da UERJ com a Prefeitura. Eu poderia fazer o curso superior, e tendo uma carga horária dobrada para poder me dedicar a escola e a faculdade, ganhando um salário a mais (Suzete-brasileira).

[…] quando entrei no município a minha primeira turma foi de Educação Infantil. […] O meu primeiro ano no município foi muito gostoso, me conquistou e fez com que eu continuasse até esses vinte e dois anos (Vilma–brasileira).

[…] não foi fácil para mim. Foi a vontade que me moveu […] Eu era auxiliar de acção educativa. Estudava de noite e trabalhava de dia. O meu filho […] chegava a esconder as canetas e os lápis e dizia ‘É para tu não escreveres’ […] Sabia que queria ter uma outra formação para ser verdadeiramente educadora, porque como auxiliar eu achava que não podia ficar por ali (Marta–portuguesa).

Enquanto fui estudando no liceu não sabia muito bem o que queria. Fui fazendo os testes psicotécnicos, que me indicavam mais para as áreas das matemáticas e das ciências. Eu até, era a melhor aluna de matemática, nas ciências, mas não era isso o que eu queria pra mim. […] Concorri para educação de infância sem saber bem pra onde é que ia. E me identifiquei com o curso e acho que a minha escolha foi acertada. Realmente eu me realizo como educadora de infância (Eugénia–portuguesa).

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PERCURSO PESSOAL E PROFISSIONAL

E SC O L HA D A P RO F IS O ( C ON T .)

Estudei numa escola pequenina de uma aldeia. [...] com crianças que eu não conhecia porque tinha vindo de Angola. [...] As crianças não estavam habituadas a lidar com crianças africanas e eu era uma. […] Porque acolheram-me muito bem. […] ficavam muito admirados, mas me acolhiam muito bem. Os professores […] tinham também uma atenção especial pra mim, com algum receio que eu me sentisse desintegrada. […] tive muita sorte com a minha professora primária […] ainda agora somos amigas. […] foi muito enriquecedor pra mim, mesmo como educadora de infância. Ter essa experiência de vida, me deixou mais aberta, para agora também, trabalhar com crianças de várias etnias. […] me tornou mais sensível, e mais preocupada com essas questões (Eugénia-portuguesa)

Acabei por concorrer à universidade […] Eu ainda estava um bocadinho indecisa, mas sabia que queria vir para uma área relacionada com a educação. Eu desde pequena achava que essa seria minha escolha. É natural as crianças dizerem isso ‘quero ser professora’, mas aquilo depois começou a fazer algum sentido para mim. […] E coloquei a educação de infância como primeira opção, justamente por não haver um currículo, mas sabia que no primeiro ciclo havia um currículo muito rígido […] Ao nível da pré-escola havia mais liberdade de trabalho para o educador. Foi um dos motivos da minha opção, porque eu estava muito indecisa entre a educação pré-escolar e o primeiro ciclo (Sara-portuguesa).

[...] eu olho para trás […] eu neste momento sou mãe, sou educadora sou esposa, e onde é que eu estou? Não estou. Eu adorava poder pintar quadros. Eu não tenho tempo para mim, e é isso que me deixa mais revoltada. Tenho um orgulho enorme pelos filhos que tenho, no facto de ser mãe, mas onde é que eu estou? […] Sou muito feliz como educadora, como mãe, mas onde estou eu? Por issoe sou eu a procurar estes cursos, porque adoro pintura, porque adoro pintar caixas, porque adoro fazer estas coisas e assim, adorava ter uma loja em que eu pudesse pôr lá as minhas coisas para as pessoas verem (Anabela–portuguesa).

Ao expressar os motivos pessoais e as influências familiares que as levarem a escolher suas formações acadêmicas e profissionais, as educadoras/professoras portuguesas e brasileiras, demonstraram não apenas a satisfação, mas também o

orgulho por suas escolhas, enquanto realizações pessoais e profissionais. Nesse aspecto, veremos que muitas narrativas sublinham a influência da família para a escolha da docência; outras valorizam as próprias condições, as tendências, as capacidades pessoais que condicionam a opção pela docência. Alguns indicam que haveria uma espécie de ‚determinação‛, ‚vocação‛ – ‚você é ou não é professor‛ – ou até condições inatas – ‚está no sangue mesmo‛ - que os levaram a escolher como profissão. Um caso muito significativo é o de Débora que adotou a docência de forma enfática, sem duvidar do caminho a seguir. Por isso, mesmo tendo começado inicialmente os estudos de Medicina, logo abondonou esse curso. Depois disso, dedicou-se plenamente à docência. Pois, conforme ela interpreta, ‚estava no sangue mesmo‛, sua tendência para ‚ser professora‛, ‚tinha que ser de qualquer jeito‛. Ela manifesta seu profundo amor pela docência, sua inclinação desde cedo para ensinar. Nesse ponto, embora admita a importância das técnicas pedagógicas, da formação teórica, esse conhecimento é insuficiente. Para ela, o professor, para além desses saberes, deve ter uma profunda predisposição para o ensino. Ela chega a sustentar que: ‚Não adianta querer ser professor. Você é ou você não é‛.

Uma outra justificativa destacada pelas educadoras/professoras, para a escolha profissional, é a influência familiar. O fato de terem pais ou parentes próximos que exercem a docência é considerado um estímulo fundamental para adotar a mesma profissão. Nesse caso, também nos apoiamos na narrativa de Débora, quando lembra que sua mãe e sua tia eram professoras. Desde criança, o exemplo de ambas a marcou, já que ela costumava, naquela época, acompanhar sua mãe ao trabalho e ficava dramatizando o papel de professora: ‚dando aulas para as cadeiras vazias‛.

Um outro exemplo da influência do meio familiar para escolher a docência como profissão é o caso de Solange. Conforme as suas palavras, o meio familiar no

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qual estava inserida foi um condicionante decisivo para desenvolver o seu interesse pela leitura, pela pesquisa, pelas ciências e pela tecnologia. Ela afirma com convicção e, muitas vezes durante a entrevista, que: ‚não é um diploma de faculdade que vai te dar mais base‛. Ela lembrou, com carinho e emoção, da sua infância, em que os livros, por influência dos seus pais, eram uma presença marcante no seu dia-a-dia. Até destaca um fator biográfico que foi decisivo para desenvolver o seu profundo amor pela literatura. Para ela, é uma lembrança inesqucível a presença de um escritor de renome: Carlos Drumond de Andrade. Ela afirma com muito orgulho e alegria que o próprio escritor frequentava a sua casa e era amigo dos seus pais. A partir desse encontro, a literatura esteve sempre presente na sua vida.

Outro aspecto interessante que registramos nos relatos das entrevistadas é a sua relação precoce com o mundo do trabalho, seja por necessidade ou por escolha. Das dez entrevistadas, nove cursaram a licenciatura, trabalhando; e apenas uma não passou por essa situação, porque não fez o curso superior, se formando no magistério do curso Normal. Em Portugal, o estudante trabalhador tem algumas opções de escolha para participar das disciplinas, dos horários e da avaliação do curso durante a sua formação. Essas condições foram facilitadoras para que Marta pudesse realizar o curso de educação de infância que tanto almejava. Já Suzete pode frequentar o curso superior de Pedagogia, porque ela teve o estímulo e as condições necessárias, criadas pela Prefeitura, através de um convênio com a Universidade para que as professoras pudessem trabalhar, ao mesmo tempo em que realizavam o seu curso de formação.

Um outro aspecto digno de destaque na análise da articulação das experiências pessoais com o exercício da docência das educadoras/professoras de infância é o convívio com as diferenças. Anteriormente aludimos ao caso de uma professora que teve uma experiência inicial com crianças e famílias que passavam por dificuldades

pessoais. Essa experiência a tornou mais sensível para compreender as dificuldades de cada uma das crianças com que lidava em Educação Infantil. Agora vamos abordar outro aspecto dessa lida com as diferenças, que é o acolhimento do estrangeiro. Neste caso, trata-se de uma educadora/professora, Eugénia, a quem já aludimos anteriormente, que nasceu em Angola e desde pequena estudou em Portugual. A experiência que Eugénia teve quando criança na escola, após transladar- se de Angola à Portugal com seus pais, foi marcante. Ela foi muito bem acolhida na escola onde estudou, pelas crianças e professoras. Essa vivência foi marcante e gratificante. Isso a tornou muito sensível para trabalhar com o diferente, com o diverso, isto é, na Educação Infantil cada criança é diferente, com suas necessidades, com seus desejos, com suas circunstâncias singulares. Eugénia frisa que a aceitação da sua singularidade, do seu caráter de estrangeira, a sensibilizou para tornar-se uma docente cuidadosa e respeitosa das diferenças nas crianças: ‚Ter essa experiência de vida, me deixou mais aberta, para agora também, trabalhar com crianças de várias etnias. […] e como pessoa ter passado por esta experiência […] me tornou mais sensível, e mais preocupada com essas questões‛.

Em síntese, na fala da maioria das educadoras/professoras pesquisadas foi muito valorizada a sua escolha profissional, o seu contentamento com a sua profissão. Muitas apontaram as influências familiares que as levaram a escolher a docência; outras sublinharam o seu sentimento de que a docência era essencial nas suas vidas, até apontarem uma suposta destinação para o ensino: ‚estava no sangue, não poderia ter feito outra coisa‛(Débora). Também foi possível perceber o imenso valor que as educadoras/professoras portuguesas e brasileiras atribuem à escolha da profissão de educadora de infância, através das expressões que elas empregam. Essas expressões são geralmente muito enfáticas e carregadas de emoção como: ‚foi acertada‛, ‚foi muito

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gostoso‛, ‚adoro‛, ‚amei‛. Essas palavras foram nos indicando quais os sentimentos predominantes nas suas falas: um misto de orgulho e realização por terem efetivado a escolha adequada. Para além desses sentimentos comuns, temos que destacar as diferenças entre essas educadoras/professoras. Embora nos seus relatos seja possível (re) conhecer algumas proximidades no que diz respeito à escolha da profissão, quando elas se referem às suas trajetórias pessoais e familiares, transparece o que é singular e próprio de cada uma. Em cada uma dessas estórias, há diversas influências, motivações, inclinações; não é possível determinar um denominador comum que de forma única, unânime, impulsione as educadoras/professoras a escolherem o caminho da docência.

4.2.2.4.Visão da profissão

Papel do educador

Educação na pré-escola