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Formação, processo civilizatório e práticas democráticas

CAPÍTULO II: FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA

2.2. Formação, processo civilizatório e práticas democráticas

Aos efeitos de avançarmos nas ponderações sobre a formação de professores, as reflexões anteriores são relevantes. A informação é um passo para chegarmos ao conhecimento. A informação, para tornar-se algo mais que um conteúdo acumulado, precisa ser reelaborada criticamente. Cabe, pois, indagarmos qual a possibilidade da escola trabalhar o conhecimento? Qual o papel do professor nesse processo de reelaboração crítica da informação? A escola, de formas muito diversas ao longo da história, desde há muito trabalha, reelabora, o conhecimento. A velha polêmica de que

se ela forma ou informa e a questão de suas dificuldades para lidar com as mídias tecnológicas na difusão de informações é tema recorrente em múltiplos debates contemporâneos. A discussão ganha destaque no presente com a terceira revolução industrial, onde os meios de comunicação, com sua velocidade de veicular a informação, muitas vezes, denuncia uma certa incapacidade da escola para acompanhar a celeridade desse processo informacional. Nessa discussão também são colocadas as dificuldades dos professores para se adequarem aos novos processos de informação. No entanto, se entendermos que conhecer não se reduz a se informar, como apontamos, anteriormente, que não basta contar com os meios de informação para adquirir saberes, senão que é preciso operar com as informações aos efeitos de chegar ao conhecimento. Dito isto, é possível reconhecermos, com Nóvoa (1995) e Pimenta (2005), que a escola (e os professores) tem um grande trabalho a realizar com crianças e jovens, que é proceder à mediação entre a sociedade da informação e os alunos, no sentido de possibilitar-lhes o desenvolvimento da reflexão para adquirirem a sabedoria necessária à permanente construção do humano. Em resumo, partindo das reflexões de Morin (1993) e outros autores relevantes que discutem sobre as temáticas da informação e do conhecimento na atualidade, é possível sustentar que o docente dos nossos dias, no seu processo de formação, precisa realizar uma revisão crítica da informação para chegar a reelaborar as noções transmitidas pelos médias, transformando-as em conhecimento. Essa prática exige que o profissional do ensino também instigue os seus discentes a adotarem uma atitude crítica perante a informação.

Ainda segundo a ótica de Morin (1993), é possível tecer outras ponderações que ajudem a esclarecer o labor dos educadores. A lida com a informação, a reelaboração dessa informação transformada em conhecer, em saber, é essencial.

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Além disso, o educador se defronta com outros desafios. Ele está inserido numa sociedade, num contexto complexo de relações, de obrigações, de deveres, isto é, cada educador pertence a uma comunidade, a uma civilização. Neste sentido, ele é um agonista fundamental do processo civilizatório: é um mediador privilegiado entre os discentes e a sociedade a que pertencem. Em outras palavras, a educação escolar está assentada fundamentalmente no trabalho dos professores e dos alunos, cuja finalidade é contribuir com o processo de humanização de ambos pelo trabalho coletivo e interdisciplinar destes com o conhecimento, numa perspectiva de inserção social crítica e transformadora. Em outras palavras: a sociedade civilizada, fruto e obra do trabalho humano, cujo processo evidencia as riquezas que a condição humana pode desfrutar, revela-se também uma sociedade contraditória, desigual, em que grande parte dos seres humanos está à margem dessas conquistas, dos benefícios do processo civilizatório. De todo esse quadro infere que, educar, no âmbito da escola, significa ao mesmo tempo preparar as crianças e os jovens para chegarem ao nível da civilização atual - da sua riqueza e dos seus problemas - para aí atuarem. Isso requer preparação científica, técnica e social. Assim sendo, a finalidade da educação escolar, na sociedade tecnológica, multimídia e globalizada, reside em possibilitar que os alunos (re) elaborem os conhecimentos científicos e tecnológicos, desenvolvendo habilidades para operá-los, vivê-los e reconstruí-los com sabedoria. O que implica analisá-los, confrontá-los com outras noções. Neste ponto, seguimos os conceitos de Morin (2003) quando assinala que os saberes, num mundo globalizado, devem ser partilhados democraticamente. Para isso, torna-se imprescindível articulá-los em totalidades que permitam aos alunos construir a noção de ‚cidadania mundial‛ (Morin, 2003).

Agora, após as reflexões sobre as questões de informação e conhecimento e democratização do saber, acompanhando principalmente as ponderações de Morin (2003), retomamos á questão da experiência na formação dos docentes. É importante sublinhar que, mesmo tendo frisado o valor da prática na ação docente, impõe-se o reconhecimento de que, para ensinar não bastam experiência e conhecimentos específicos, mas se fazem necessários os saberes pedagógicos e didáticos. Na história da formação dos professores, esses saberes têm sido trabalhados como blocos distintos e desarticulados. Às vezes, um sobrepõe-se aos demais, em decorrência do status e poder que adquirem na academia. Os saberes da experiência foram os que tiveram menos destaque na história da formação de professores.

Pimenta (2005) mostra que, na contramão de um saber erudito e abstrato, surge

um saber das necessidades pedagógicas. Critica a fragmentação de saberes na

formação de professores e a flutuação da Pedagogia que, ao restringir-se a campo aplicado das demais ciências da educação perde seu significado de ciência prática da prática educacional. A autora propõe como caminho de superação a construção dos saberes pedagógicos a partir das necessidades pedagógicas postas pelas urgências concretas da docência, para além dos saberes constituidos das ciências da educação, entendidas num sentido tradicional. Os saberes pedagógicos podem ser ‚reinventados‛ a partir da prática dos formandos. Vejamos, neste sentido, as reflexões de Pimenta (1995):

O retorno autêntico à pedagogia ocorrerá se as ciências da educação deixarem de partir de diferentes saberes constituídos e começarem a tomar a prática dos formados como o ponto de partida (e de chegada). Trata-se, portanto, de

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reinventar os saberes pedagógicos a partir da prática social da educação (p. 25).

A autora avança nas suas ponderações ao sustentar que os saberes pedagógicos emergem nos afazeres pedagógicos, no fazer do docente com os discentes:

considerar a prática social como o ponto de partida e como ponto de chegada possibilitará uma ressignificação dos saberes na formação dos professores. As conseqüências para a formação dos professores são que a formação inicial só pode se dar a partir da aquisição da experiência dos formados (ou seja, tomar a prática existente como referência para a formação) e refletir-se nela. O futuro profissional não pode constituir seu saber-fazer senão a partir de seu próprio fazer. Não é senão sobre essa base que o saber, enquanto elaboração teórica, se

constitui. Frequentando os cursos de formação, os futuros professores poderão adquirir saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, mas não estarão aptos a falar em saberes pedagógicos. A especificidade da formação pedagógica, tanto a inicial como a contínua, não é refletir sobre o que se vai fazer, nem sobre o que se deve fazer, mas sobre o que se faz (Pimenta, 2005, p. 25).

Essa visão defendida por Pimenta (2005) leva a autora a asseverar que ‚os profissionais da educação, em contato com os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, podem encontrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas

sobre a pedagogia não geram os saberes pedagógicos. Estes só se constituem a partir da prática que os confronta e os reelabora, que os (re) significa na experiência, no encontro docente discente. Contudo, é importante efetuarmos uma importante ressalva. Não se trata de sustentar uma concepção empirista da educação. Não se trata de sublinhar que apenas a prática constitui o saber pedagógico: essa práxis é o ponto de partida, contudo é preciso reelaborar conceitualmente essa ação. Os docentes não constituem o seu labor pedagógico só com o saber da prática. É preciso então uma reflexão pedagógica autônoma sobre a prática educacional. Na tradição teórica, vemos que a educação permaneceu cativa das contribuições técnicas de outros âmbitos epistemológicos. As práticas pedagógicas se apresentam nas ciências da educação com um status algo frágil: reduzem-se a objeto de análise das diversas perspectivas (história, psicologia etc.). É preciso conferir-lhes status epistemológico, conforme admitem Tardif (2006) e Pimenta (2005). Nas práticas docentes estão contidos elementos extremamente importantes, como a problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de ensino complexas, o que ainda não está configurado teoricamente.