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Interesses e experiências pessoais na formação

CAPÍTULO IV: DESVENDANDO O CAMPO: OS EDUCADORES E SUAS HISTÓRIAS, TEXTOS E CONTEXTOS

PERCURSO PESSOAL E PROFISSIONAL

4.2.2.2. Interesses e experiências pessoais na formação

PERCURSO PESSOAL E PROFISSIONAL

INT E R E SS E S E E X PE RIÊ NCI AS PE SS OAIS NA F OR MAÇ ÃO

Gosto muito de ler. […] Filosofia, Drummond, Vinicius. Clarisse Lispector é a minha paixão... sempre me encontrei dentro da Filosofia. Eu nunca fiz análise, […] mas procurava sempre a Psicologia, a Filosofia, Sartre. Sou muito ligada ao existencialismo. […] Atualmente não tenho lido mais livros técnicos, mas eu já li livros que me ajudaram muito na minha atuação. Mas como a gente sempre faz curso, estamos sempre nos atualizando (Vilma-brasileira).

Como eu ficava com a minha avó, a minha mãe pôs-me numa escola de música, e eu tive formação musical de órgão durante 6 anos. […] Detestei […] Mas hoje se me perguntarem, eu adorava saber tocar viola […] uma educadora e uma viola na mão têm uma sala cheia [...] (Celina–portuguesa).

[…] gosto da leitura. Cinema é mais em casa. Eu gosto muito de ir ao teatro. Tudo isso contribui imenso para a minha formação. O teatro e as actividades culturais que existem aqui na cidade de Aveiro e são muitas. Gosto de ouvir música, […] essas linguagens contribuem muito para a minha formação (Sara–portuguesa).

Eu gosto de desporto. […] Nós educadoras assumimos posturas muito incorretas e faz nos falta também praticar desporto e […] devemos manter-nos em forma. […] Gosto de cinema, gosto de ler (Eugénia-portuguesa).

[…] Nas escolhas, nos passatempos, nas livrarias […] e tudo está ligado às crianças. Acho que a minha profissão está sempre presente (Marta–portuguesa).

[...] as livrarias são um sítio que eu gosto de frequentar ao fim-de-semana. A minha leitura preferida é de livros infantis, histórias. Tento também diversificar com coisas novas. Também gosto de ler livros novos relacionados com pedagogia. Além disso também gosto de outro tipo de leitura […] para descontrair […] (Sara– portuguesa).

Ao exprimirem suas vivências pessoais e profissionais as educadoras Suzete e Anabela descrevem as dificuldades enfrentadas nos seus afazeres cotidianos, no seu

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exercicio da profissão docente e a maneira como elas agem e se sentem diante dos desafios do dia a dia em sala de aula.

Suzete relata que ficou grávida quando estava trabalhando numa escola, localizada em uma favela, que vivia um clima de violência. É importante sublinhar que Suzete destaca que ‚Escolhi a favela do Leme‛, isto é, foi uma escolha dela trabalhar numa comunidade carente. Neste ponto, a fala da educadora/professora de infância lembra um fenômeno marcante das favelas: a violência, os perigos do tráfico, dos diversos confrontos que acontecem nessas comunidades no Brasil. Trata-se de uma favela da Zona Sul do Rio de Janeiro. Mas, ela não aprofunda os motivos de sua escolha. Contudo, ela tem consciência de que há violência nas favelas, mas descontrói qualquer visão pejorativa sobre a realidade das favelas, e das escolas de favela. Pois ela destaca que a violência se encontra ‚em todos os lugares‛. E frisa isso, ao dizer que trabalhou no Leme durante dez anos, o que evidencia que, durante esse longo período, sentia-se à vontade na escola, e nessa comunidade do Leme. Mas, por causa de sua situação pessoal, de estar sozinha, sem companheiro, na criação de um filho pequeno, ela acabou por abandonar a escola. Nesse segundo momento da narrativa, sim, frisa que prefere preservar o seu filho ‚não precisava ter contato com esse tipo de violência‛.

Uma outra questão importante nas narrativas das educadoras/professoras de infância é sua sensibilidade para lidar com as diferenças, no caso com alunos que apresentam dificuldades emocionais. Isso aparece claramente na fala de uma professora que, inicialmente, numa experiência profissional particular, teve que trabalhar com crianças e famílias com sérios comprometimentos comportamentais. Inicialmente, essa situação foi muito forte, até chocante, mas foi essencial para o seu processo de tornar-se educadora de infância. Tal é o caso de Anabela que relembra o

seu contato com grupos de crianças em colônias de férias, antes de desempenhar-se como educadora de infância na pré-escola. Ela frisa que essa experiência foi fundamental. Ao se remeter a essa época, diz que o trabalho com as crianças e famílias com conflitos emocionais bastante sérios, ‚lhe chocou imenso‛. Contudo, mesmo reconhecendo que foi uma situação forte, chocante, tornou-se capital para prepará-la para lidar com ‚as crianças‛. Assim, ela reconhece que essa experiência foi um grande subsídio para o começo do seu labor como educadora de infância na escola CQ.

Tanto Suzete como Anabela, ao discorrerem sobre alguns desafios encontrados ao longo de seus percursos pessoais e profissionais, demarcam que muitas vezes há uma grande distância entre as situações concretas exigidas por suas funções e as suas realidades pessoais.

As recordações de infância também foram ressaltadas pelas

educadoras/professoras, portuguesas e brasileiras. E nesses momentos o presente se relaciona com o passado, como fios que se cruzam, entrelaçando-se. Nessa questão, veremos que é relevante, para cada docente, a sua experiência inicial com as brincadeiras, com o jogo, até com a brincadeira de ‚ser professora‛. Essa experiência foi fundamental na infância de Rose que, desde pequena, brincava de ‚dar aula‛ com as suas bonecas; ela montava seus jogos ‚naquele quadrinho com letrinhas‛, com números e bolinhas de madeira para contar até dez. A partir dessas brincadeiras iniciais, o entusiasmo de Rose não diminui, foi crescendo. A sua imitação lúdica do papel de professora não se deteve. Depois de ‚dar aula‛ para as bonecas foi a vez das vizinhas. Ela ‚botava todo mundo sentado lá olhando para o quadro‛. O lúdico foi marcante na experiência de Rose, o brincar de professora tornou-se cada vez mais num interesse sério. Após brincar, com bonecas e vizinhas, a brincadeira tornou-se algo mais efetivo;

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ela começou a alfabetizar as empregadas domésticas da sua casa. Isto é, a partir de jogos de infância, de tendências dos primeiros anos, foi se consolidando um interesse profissional sólido. Neste ponto, podemos ver como o prazer de realizar uma atividade pode condicionar decisivamente um caminho e uma escolha profissional.

Um outro relato também destaca a importância das brincadeiras da criança, mas nesta outra narrativa elas foram vivenciadas no próprio jardim de infância. Trata-se de Eugénia (docente portuguesa, oriunda de Angola) que lembra das brincadeiras e canções da época, após migrar com seus pais de Angola para Portugal, em que esteve no jardim de infância, como experiências muito interessantes, mesmo reconhecendo que ficava ‚pouco tempo lá’ […] só mesmo para me relacionar com as outras crianças‛’. Ela está valorizando algo que considera importante para esse segmento da educação, como a brincadeira e as canções. Essa importância foi considerada decisiva por Rose, de tal forma que os seus jogos infantis determinaram sua afeição pela docência.

Além dos aspectos lúdicos, diversas narrativas destacam a importância da arte para a formação dos educadores de infância. Assim, a relevância do teatro e da música foi ressaltada por todas as educadoras/professoras, como espaços de interesse e oportunidades relevantes para sua formação profissional e atuação. Por exemplo, no relato de Celina, podemos perceber que a arte foi decisiva para o seu exercício docente. Embora reconheça que, na sua infância, quando estudou música, não gostava de fazê-lo, com o passar do tempo a sua formação musical foi essencial. Esse aprendizado contribuiu para aprimorar seu labor na educação. Ela sustenta que as crianças adoram quando toca violão em sala de aula e conclui destacando de forma enfática o valor da música para a educação infantil, deixando uma frase muito significativa: ‚uma educadora e uma viola na mão tem a sala cheia‛.

A leitura, e o amor pela literatura, também são considerados fundamentais em outros relatos. O próprio prazer de ler é associado também à possibilidade de transmitir às crianças esse prazer, essa paixão pela leitura. Marta foi uma das mais entusiastas ao valorizar a leitura; ela destacou o seu amor pelos livros em geral, mas frisou que sempre está presente o seu interesse pelas leituras vinculadas às crianças, ‚nas escolhas, nos passatempos, nas livrarias, tudo está ligado às crianças, a minha profissão está sempre presente‛.

Nas questões vinculadas à articulação do pessoal com a formação profissional, as educadoras/professoras, além de destacarem a importância das atividades artísticas, frisaram o valor das atividades corporais, principalmente reforçarem que as próprias educadoras deveriam praticar esportes. A partir da própria experiência, elas poderiam transmitir esse interesse às crianças. Isso foi sugerido por Eugénia: para ela é fundamental que as educadoras pratiquem desporto, pois precisam ter uma postura correta, mantendo-se em forma. Na sua ótica, o preparo físico da educadora de infância é fundamental, pois afinal o trabalho com crianças pequenas demanda uma ótima condição física, pois as crianças têm muita energia e a movimentação corporal é uma das habilidades básicas mais importantes para o seu exercício profissional.

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