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Esta historia me la contó un pajarito. El mismo que la viene contando desde el principio de los tiempos. Cuando las personas escuchaban la voz de los pájaros25.

(El Cometa Ludo, 2018)

Em um movimento migratório, de não mais que trinta mil anos atrás desde a entrada no território que hoje é o México, os povos originários adaptaram-se aos diversos biomas, climas e relevos, adquirindo conhecimentos únicos sobre sua flora e fauna. Dividindo-se, com o passar dos tempos, em incontáveis grupos étnico-sociais, com complexos sistemas sociais, culturais e de produção, os quais correspondiam às suas necessidades e ao seu processo histórico com a terra que habitavam (FRANK, 2008, p. 7).

Por todo o continente, conhecimentos e técnicas para a domesticação e uso de animais e plantas para os mais diversos fins foram se difundindo e sendo adquiridos por cada uma das comunidades. Desde o seu consumo por indivíduos e animais da comunidade, para confecção de roupas, adornos e objetos, no transporte de bens e pessoas, com o uso medicinal e em processos ritualísticos, para a sua utilização na caça e no combate com outros povos, os povos originários aprimoraram seus instrumentos do campo e da caça, como arcos e flechas, lanças, machadinhas, zarabatanas, arados, entre outros, ao ponto de adquirir sabedoria sobre diferentes mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes, além de frutas, vegetais e fungos, nos mais diversos solos e temperaturas.

Assim, através do contato com o meio que os envolvia e em uma relação materialista com a terra e sua comunidade, os povos originários foram responsáveis por atribuir a animais,

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“Essa história me contou um passarinho. O mesmo que vem contando desde o princípio dos tempos. Quando as pessoas escutavam a voz dos pássaros” (tradução nossa).

plantas, certos recortes geográficos, indivíduos da comunidade e de fora dela, corpos celestes e fenômenos naturais, significados de acordo com sua cosmovisão. Há, então, por todo o continente, um vasto número de divindades que, representando e sinalizando aspectos diferentes do mundo físico e espiritual, teriam funções diversas para cada comunidade, protegendo, alimentando, simbolizando o começo e o fim de ciclos de produção e vida, entre outros aspectos, que não somente reinavam sobre a forma como os indivíduos interagiam entre si, mas, principalmente, com o meio que os circundava (OLIVEIRA, J., 2020).

Com isso, a ciência na Abya Yala se misturava com o misticismo e a religião. O ritualismo e os hábitos de cultivo e socialização faziam parte do dia a dia dessas comunidades, expressavam a conexão estabelecida do ser com o universo. E, por meio de sacerdotes, rituais, tradições, designação de locais sagrados e confecção de figuras de cerâmica, metal, pedra ou outro material, a proximidade dos povos com os diferentes aspectos da terra e do cosmo era estreitada (FAVRE, 2004).

Assim, constrói-se por todo o continente inúmeros modelos organizativos de estrutura comum, o agrupamento de famílias em torno da terra, constituindo pequenas comunidades produtivas que mantêm grande relação com o território de todos.

As culturas raramente ficavam isoladas em uma só comunidade. Os povos mantinham contato que ocasionava a troca de produtos da terra, valores e conhecimentos adquiridos. As relações entre si aconteciam de diferentes formas: amistosa, por meio da convivência próxima; conflituosa, que poderia levar uma comunidade à ruína; ou de anexação, quando um grupo era integrado em outro maior, em torno de um poder central (GENDROP, 2005).

Sobre os registros de presença humana no continente, há exemplos, como Monte Verde II, no Chile, e Topper, nos EUA, ambos com registros que datam mais de trinta mil anos. Na Bolívia, os mojos, em Beni, e o Homem de San Cristobál, em Potosí, datam dez mil anos. Viscachani possui ferramentas líticas de oito mil anos, e o Homem de San Luis, encontrado em Tarija, e o Homem de Jayhuayco, de Cochabamba, têm, respectivamente, sete mil e cinco mil anos de idade (Pilar Lima In: MEDINACELLI, 2015, p. 41).

Além do mais, para este último caso descrito, não podemos deixar de destacar a presença das grandes civilizações que se formaram na Abya Yala. Os grandes poderios do período pré-colombiano definiram e marcaram secularmente suas presenças pelo continente da mesoamérica até os Andes, com diferentes estruturas sociais que, por meio de sua expansão, acabaram ocupando vastas áreas de território, tendo sobre sua influência, em alguns casos, milhões de indivíduos.

Os maiores exemplos dessas civilizações foram os maias, os astecas e os incas. As duas primeiras se assentaram na região da mesoamérica e foram responsáveis pela ocupação de grande parte da região. Elevaram suas culturas e tradições na consciência secular coletiva do indígena desde a chegada dos europeus até a contemporaneidade26.

Já a civilização inca se consolidou como a maior entre as três, tanto em termos de extensão, influenciando exponencialmente através do Andes e na costa do Pacífico, como com a criação do Tawantinsuyu, pudendo unir centenas de milhares de indivíduos e grupos sob um só poder – abordaremos o seu poderio detalhadamente no capítulo quatro deste trabalho (FAVRE, 2004).

Por meio do avanço dessas sociedades, observado, por exemplo, em sua arquitetura e urbanismo, estudo detalhado dos ciclos astronômicos, além de táticas e ações belicosas, que não deixaram de ser praticadas contra pequenos grupos e culturas, como os descritos anteriormente, resultaram então na incorporação de diferentes povos e no controle da produção em torno de um poder central e de sua representação religiosa na cosmovisão de determinada civilização (GENDROP, 2005).

Porém nem as grandes civilizações foram perenes, elas surgiam, sustentavam-se e desapareciam – a civilização maia foi uma dessas: antes da chegada dos europeus, esse grande expoente já deixara de existir. No entanto, sua presença continuava a ser sentida pelo decorrer dos séculos, seja através das ruínas de suas cidades ou pela sobrevivência de certos aspectos culturais nos milhares “órfãos” deixados pela ausência do poder central ou comunitário. E a agudização desse fenômeno se deu com a chegada dos colonizadores.

Em contraste aos povos originários, os povos ibéricos, que em meados do século XV aportaram e exerceram domínio sobre o “Novo Mundo” encontrado, estes homens e governantes não tinham a mesma relação histórica com sua terra natal. Sua história foi constituída por dois momentos. O primeiro com a guerra traçada secularmente contra os mouros27, em um conflito de ordem religiosa e de afirmação nacional. E o segundo, com a invasão da Abya Yala, dando o nome de América e “sob a luz cruel da história, nasceu a raça de ferro que descobriu, conquistou e colonizou [...]” (RAMOS, 2014, p. 44), alterando eternamente o rumo das civilizações que aqui habitavam.

Com as primeiras caravelas chegando à Abya Yala, os invasores se depararam com os milhares de grupos étnicos-culturais de passado secular, com conhecimentos e tecnologias

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O Día de Muertos é uma das tradições indígenas na mesoamérica que possui grande parte de sua estrutura originária nas crenças sobre a morte entre os povos astecas e maias.

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milenares e com sistemas de produção e organização social de alta complexidade. E, à primeira vista, no contato inicial, os povos estrangeiros muito se impressionaram com os povos originários.

Porém, esse interesse não viria somente pelo fato de apresentarem elementos culturais, adereços, casas e traços físicos diferentes, mas, principalmente, pela enorme disponibilidade de mão de obra e recursos a serem explorados. Para tanto, através da violência, do contágio de doenças e de acordo, a incorporação dos territórios ao poderio ibérico viria ao custo do extermínio e da escravização das populações locais.

Assim, esse movimento se dá por todo o continente, com monumentos e construções dissolvidos em ruínas, comunidades queimadas e destruídas, plantações e espaços de convívio tornando-se, agora, de uso do Rei e seus gestores. As populações originárias tiveram suas tradições esquecidas, suas divindades destituídas, seus corpos vendidos como mercadoria e sua força física utilizada para trabalhar nas plantations, minas e nos novos centros urbanos e rurais.

Por ali - se a tradição estiver correta - passaram, com armaduras de aço, os espanhóis em busca de ouro: uma labareda carmesim e prata que deixou o deserto frio e triste desde então (REED, 2010, p. 68).