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3.3 ANTECEDENTES AO TAWANTINSUYU

3.3.1 Povos das Altas Culturas

O Tawantinsuyu não foi o primeiro e nem o único grande poder a surgir na região dos Andes. Antes de qualquer outra administração central incaica vinda de Cusco, durante séculos, centenas de povos haviam se estabelecido, desenvolvido-se e, na época da expansão incaica, desaparecido, dissipando-se em grupos menores ou perdendo-se em meio a guerras e fenômenos naturais. Entre esses povos, o primeiro exemplo de uma civilização amplamente desenvolvida foi os chavin, uma cultura litorânea que se instalou na atual serra norte peruana e que, em seu movimento milenar cultural-religioso de expansão, foi considerada a “cultura matriz” das civilizações andinas, tendo os primeiros registros de atividades sociais, artísticas e sacerdotais que viriam a ser vistas pelo resto da região nos séculos seguintes (BERNAT, 2020).

A expansão chavin e a subsequente adesão de outras culturas ao assentamento, em oposição ao movimento nômade, levando ao início da agricultura e à construção de centros urbanos e de iconografias religiosas, integram o período Formativo das Altas Cultura – compreendido entre 1200 a.C. até o início do século XVI, divindo-se em em cinco períodos uma época da história andina que se descreve como uma revolução artística, cultural e administrativa, como descrito na Tabela 1 (BERNAT, 2020). É durante esse período que inicia o culto em torno da imagem do jaguar e do puma, a divisão de trabalho nas sociedades entre campesinos, administradores e sacerdotes (FAVRE, 2004, p. 9), a instituição de serviços com a prática de oferendas e reciprocidade dos indivíduos com os deuses e outros grupos, as técnicas avançadas de cerâmica, assim como zonas de troca dos excedentes produtivos (BERNAT, 2020).

Com a dissolução dos povos chavin, entre 200 a.C e 1100 d.C, marca-se então o início dos próximos períodos das Altas Culturas, com o surgimento, anexação e destruição de

diversos povos. A fim de realizarmos um esboço inicial sobre a mentalidade e o processo que levaria à ascensão inca, daremos especial atenção a três populações: os wari, os chimu e os tiahuanaco.

Tabela 1 - Períodos das Altas Culturas.

Nome do Período Descrição Duração do período

Formativo Aparição da cerâmica até o fim do centro

cerimonial dos chavín em Huantar. 1200 a.C. - 200 a.C

Intermedio Temprano Do início da decadência dos chavín até o

surgimento dos wari. 200 a.C. - 700 d.C

Horizonte Medio Desenvolvimento geral de diversas culturas

andinas. 700 d.C. - 1100 d.C.

Intermedio Tardío Auge e decadência dos wari-tiahuanaco e a

consolidação do poder inca. 1100 d.C. - 1440 d.C.

Horizonte Tardío Tawantinsuyu, sua expansão e eventual

destruição causada pela invasão espanhola. 1440 d.C. - 1532 d.C.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Bernat, 2020.

Entre os séculos VII e X, passados muitos povos ancestrais na região, os wari foram os primeiros a conseguir um feito inédito: estabeleceram uma hegemonia estatal por meio de atividades militares em grande parte dos Andes (ROSTWOROSKI, 1999, p. 25). Determinou- se seu centro administrativo como a cidade de Ayacucho, uma região situada na vertente oriental andina, fato que não atrapalhou seu movimento, logo que chegaram a expandir muito além do que qualquer outro poder central havia feito até então, conquistando boa parte da costa e estendendo-se pelas cordilheiras. Para garantir sua influência em diferentes partes do governo, tornou-se necessário que realizassem a criação de centros regionais de administração, como a cidade de Pikillaqta, próxima de Cusco. (ROSTWOROSKI, 1999, p. 27).

Assim, durante todo o Intermedio Temprano, os wari se consolidaram como a principal força militar e expansionista dos Andes. Porém, o fenômeno de Desarrollos Regionales, que os wari fazem parte, vê também a disseminação por diversas civilizações do modelo de hierarquização social e o crescimento de centros urbanos, tornando necessárias inovações que levaram ao uso extenso de tecnologias hidráulicas, à criação de grandes reservas de alimentos nas cidades e em entrepostos, além de outras tecnologias e instituições que resultaram em uma regionalização cultural concentrada em um poder central. Juntamente

aos wari, adotaram as novas medidas os vicú, os nazca, os huarpa, entre outros, que teriam um importante papel político e cultural no desenvolvimento desse período (BERNAT, 2020).

Um dos povos que ocupava o norte do território do atual Peru e tinha poder sobre quase metade de sua costa atual foi os chimu. Descendentes da civilização moche, ou mochica50, os chimu tiverem como capital a cidade de Chanchan, que talvez tenha sido um dos maiores centros populacionais da Abya Yala, contando, em seu apogeu, aproximadamente 80 mil habitantes.

Os chimu, durante o Intermedio Temprano, foram um dos principais povos a iniciarem sua expansão, mantendo sua presença por séculos, entrando em conflitos com diferentes grupos e comunidades durante seu caminho. Seu fim viria com o expansionismo Inca, no século XV, quando Chanchan passava por um extenso processo de decadência e dissolução de sua população.

O golpe final a Chanchan veio por meio do contato com os incas. O poder central dos chimu não conseguiu conter os avanços do Tawantinsuyu, perdendo diversos conflitos, até que, por fim, deixaram para trás um povo a ser anexado aos incas. Incorporaram elementos artísticos, como as cerâmicas, ornamentos, mobílias e sepulturas. Deixaram as antigas cidades e as tradições ainda vivas como registro de um dos maiores poderes que, em outros tempos, poderia ter enfrentado a hegemonia que emanou de Cusco (FAVRE, 2004, pp. 10-13).

Direcionamos, agora, a atenção para outro povo, que vivia ao sul do território wari. Essa civilização habitava parte do Deserto de Atacama, adentrando nos Andes, e, no altiplano, englobava o lago Titicaca, se consolidando como a segunda maior potência regional em termos de expansão, mas, talvez, garantindo a posição de maior influência cultural religiosa no Intermedio Temprano: o povo de Tiahuanaco.

Tendo como centro administrativo a cidade de Tiahuanaco – que hoje se situa em um dos departamentos de La Paz – e baseando-se na tradição de Yaya-Mama51 (Silvia Arze In: MEDINACELLI, 2015, p. 70) os tiahuanaco se demonstraram como um povo relativamente pacífico, em comparação com os wari, mas que tiveram seu sucesso por meio de uma prática que viria a ser uma de suas principais características: a peregrinação pelos Andes levando sua

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Os mochica foram um dos povos que cultuavam o Sol e a Lua erigindo templos aos astros. Além disso, como indicam cerâmicas descobertas em seus antigos assentamentos, representavam os elementos da natureza em suas artes e utilizavam ideogramas para descrição de diferentes alimentos (AYALA, 2019, p. 11).

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Manifestação religiosa vista no Lago Titicaca, também conhecida como Pa-ajanu, em que se apresentam iconografias particulares em monumentos, instrumentos, decorações e tradições, possuíam dualidade de representação, seja entre o feminino e o masculino – com o nome yaya-mama traduzindo-se para “pai-mãe” em quéchua – ou entre duas faces – e pajano ou pa ajanu significando “duas caras” em aimará (Silvia Arze In: MEDINACELLI, 2015, pp. 55 e 70). Esse fenômeno seria posteriormente transformado e visto na história de outras civilizações, com certos elementos inclusive sendo mantidos pelos incas em sua cultura.

cultura. Tal costume levou à fixação de centros religiosos por uma grande faixa territorial, com seus peregrinos disseminando a cosmovisão, religião e tecnologia (BERNAT, 2020).

Portanto, não é difícil de imaginar que, no movimento dos wari e dos tiahuanaco, ambos os povos se encontrariam. Mas diferentemente do contato de tantos outros povos, que foram marcados pela disputa e conflito, estes tiveram uma relação mútua de trocas de valores, produtos e técnicas. Ao ponto que, quando o modelo cultural-religioso de tiahuanaco chega à Ayacucho, a cosmovisão de tiahuanaco se torna um dos principais ideais de ordem do governo dos wari, sendo espalhada para os mais diferentes cantos do ambiente andino; a união de valores entre os dois povos foi tamanha, que a partir de certo período pesquisadores não conseguem distinguir um do outro, compreendendo o estabelecimento de um poder wari- tiahuanaco. (BERNAT, 2020).

Assim, o poder wari-tiahuanaco que floresce dessas civilizações acelera expressivamente no ambiente andino a circulação de indivíduos, produtos e culturas, possibilitando o apogeu da influência de ambos os grupos, com a ordem militar wari se expandindo ao máximo, e a ligação à religião, como o culto de Wiracocha52, de tiahuanaco, abrindo a sua Porta do Sol53 para todo o cenário andino.

Esse desenvolvimento, todavia, decretaria igualmente o início do fim da hegemonia estatal wari-tiahuanaco, ajudando na formação de diversas culturas, tais como os mollo, na região de Iskanwaya, em um dos departamentos de La Paz, os quirhuas, no vale de Uyuni (MEDINACELLI, 2015, pp. 122 e 127), além de outros territórios periféricos de sua extensão territorial. Dava-se início ao Horizonte Tardio e ao desenvolvimento dos governos Regionales Tardios, que abriria não somente a porta para o sol, mas sim para o domínio dos Filhos do Sol, os Incas (BERNAT, 2020).