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5.3 DECADÊNCIA DE CHARCAS E A INDEPENDÊNCIAS

5.3.1 Mudanças no eixo colonial

Após alcançar no século XVI os maiores índices de produtividade e de participação na força de trabalho, isto não continuaria por muito tempo no Alto Peru. Tendo esgotado os veios superficiais e, com as reformas de Toledo, realizado um empreendimento que trouxe o crescimento de um polo urbano formado pelas elites locais e pela organização dos trabalhadores assalariados e mitayos, a subsequente redução do sucesso em encontrar prata nas minas levou a uma extensa queda de interesse na região e, consequentemente, dos investimentos e da presença populacional (KLEIN, 2016, p. 87).

Essa situação se daria na forma de um extenso êxodo urbano. Com um enorme número de indivíduos mestizos e indígenas se mudando para o campo, ocorre um acelerado crescimento da venda de tierras baldias – comunidades e encomiendas vazias –, revivendo a vida campesina e sua atividade econômica. Além do mais, a população indígena, que até então estava em queda após décadas de um genocídio silencioso – doenças, caça aos indígenas e pelos trabalhos nas minas –, finalmente viu seus números crescerem, com a taxa de natalidade voltando a aumentar e a taxa de mortalidade caindo, ao ponto de se igualar ao da população branca. Os indígenas na região do Alto Peru caminhavam aos poucos para retomar sua maioria populacional (KLEIN, 2004, p. 48).

Outra alteração no eixo colonial viria no final do século XVII, dessa vez com a chegada de uma nova leva de missionários à colônia. Esses jesuítas, franciscanos e outros grupos religiosos iriam para o Alto Peru para “civilizar” as áreas de fronteira das províncias do Charcas, em um processo que concentraria mais grupos indígenas nas regiões de fronteira, campo e circundantes às principais cidades. Possibilitou-se a formação de novas comunidades e missões religiosas que resultava na extração de bens do solo, tais como o quitino, assim como na construção de grandes complexos religiosos (KLEIN, 2004, p. 95).

Além do mais, com a estabilidade campesina gerada pelo aumento da produção no campo, em 1736, um novo mecanismo de tributação seria formulado pela Coroa. O novo imposto teria como público alvo de sua cobrança o comércio e os indígenas, principalmente aqueles no campo, deixando uma receita corrente para a Espanha na metrópole, que logo

precisaria de novas imposições econômicas (KLEIN, 2004, p. 53). O crescente papel da renda tributária se deu em decorrência de três motivos:

O primeiro e obviamente mais importante deles foi a tendência positiva ao crescimento de longa duração da população rural, que começou em finais do século XVII. O segundo foi a regulação da exploração da população rural em virtude de a crise mineira ter permitido às comunidades livres recuperar seus recursos e desenvolver amplamente sua produção local. Finalmente, a taxa tributária foi estendida a todos os homens indígenas, não importava qual fosse seu status de acesso à terra, e isso, por sua vez, alterou profundamente os limites e a extensão de todo o sistema tributário (KLEIN, 2016, p. 101).

Porém, mesmo com essas medidas, por todo o Charcas se observava o fortalecimento do sistema comunitário. Com a mita mineira enfraquecendo aos poucos e o número de forasteros interessados em se integrar ao campo ocorreria uma alteração do centro de poder econômico das cidades de Potosí e Oruru para La Paz, Chuquisaca e outras áreas rurais e de comércio (KLEIN, 2016, p. 90). Formaram-se centros populacionais onde a miscigenação se tornaria mais presente, proporcionando que, além dos brancos, muitos mestizos pudessem ascender socialmente na sociedade alto peruana. Com os criollos da região, a elite já não seria composta apenas por brancos europeus.

Porém, diante desse quadro, não podemos deixar de observar que as elites mineradoras, fossem elas brancas ou não brancas, jamais se recuperariam plenamente da expressiva queda na produção de Charcas. A produção de Potosí, até 1630, manteve-se alta, mas da metade do século para o começo de 1700, Cerro Rico perderia para o México seu título de principal fonte de extração de metais na América Hispânica. Condenando, mesmo com uma leve melhora no meio do século XVIII – como demonstrado na Figura 7 –, a decadência da região (KLEIN, 2016, p. 97).

Figura 7 - Produção de prata em Potosí entre 1545 e 1823.

Fonte: Eugenia Bridikhina, 2015, p. 232.

Enquanto isso, na Espanha, o governo se encontrava em mais uma crise externa e interna. Com a diminuição da produção de minério e a necessidade comercial de a Espanha se manter relevante, além de agradar suas elites locais, o colapso da mineração levou a metrópole a realizar uma série de medidas de contenção de danos, sendo uma delas a diminuição dos impostos por toda a América Hispânica. As tentativas da Coroa, no entanto, se estenderiam. Com a tentativa de manter sua relevância no comércio mundial e, também, no Alto Peru, a Espanha realizaria a fundação do Banco de San Carlos, como forma de incentivar a economia por meio do fornecimento de créditos a azogueros e outros proprietários (KLEIN, 2016, p. 100).

Quanto à crise interna, ela se daria pelo confronto entre uma nova mentalidade que crescia em oposição ao velho pensamento absolutista, este fortemente regido pela fé da ortodoxia cristã, ao passo que defendia o papel determinista dos elementos sociais que distinguiam as funções das diferentes classes, imobilizando-as quanto a suas posições (Ximena Medinacelli In: BRIDIKHINA, 2015, p. 37). Já o novo pensamento que emergia na Europa, como explicitamos anteriormente, realizava-se concomitantemente ao crescimento

das burguesias europeias e dos ideais liberais de Locke, tornando necessárias alterações na metrópole caso a Espanha quisesse se manter relevante ante as novas demandas.

Assim, a monarquia espanhola iniciaria uma série de reformas na sua estrutura de poder. Uma das principais seria assumir a razão como princípio máximo de suas ações estatais, não mais a fé. O líder absolutista seguiria então os preceitos do absolutismo ilustrado, ou do despotismo esclarecido, visando a reestruturar suas instituições e o papel social do monarca como símbolo do progresso. Dessa maneira, tornaria o governo espanhol um órgão de difusão de novidades técnicas, ideias e tutelagem – principalmente da burguesia nacional. Esse projeto reafirmava as autoridades reais por meio do aumento do poder estatal e do nível de vida dos súditos, os quais tinham maior participação popular em atividades fiscais, comerciais e militares (Fernando Cajías, Ana María Seoana de Capra, María Luisa Soux In: SOUX, 2015, p. 38). Esse período na Europa do século XVIII, e principalmente na Espanha, descreve-se como as Reformas Borbônicas.