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5.2 A PRIMEIRA INVESTIDA ESPANHOLA

5.2.6 Reformas de Toledo

As encomiendas deixariam aos poucos de ser a principal forma de produção na América Hispânica. Na região de Charcas, o principal expoente desse movimento seria o vice- rei do Peru, Francisco de Toledo, que, durante seu vice reinado realizaria uma série de modificações no sistema colonial andino.

Desde antes de seu vice-reinado, Toledo se deparara com um problema a resolver. A região do Peru, antes uma rica e ascendente economia, desacelerava aos poucos. A mineração no Charcas apresentava problemas em todas as suas camadas produtivas, desde a população indígena na base da produção, por sua péssima condição de vida nas minas, até a Coroa, que se mostrava insatisfeita com a produção e taxação dos metais. Cabia ao vice-rei solucionar a questão.

Toledo inicia seus trabalhos pela base do problema: a questão indígena quanto à sua condição de vida. Até então, minar provou-se uma eficaz ferramente de extermínio indígena. Com o trabalho incessante nas minas, as mortes por exaustão, acidentes, intoxicação e doeças eram comuns. Era um quadro preocupante, pois, com a principal mão de obra dos Andes rapidamente se esgotando, os proprietários logo perderiam seus lucros e investimentos no processo (KLEIN, 2004, p. 33).

Assim, Toledo realizaria duas modificações na estrutura de trabalho e do modelo comunitário. A primeira seria realizar o retorno da mita como prática de trabalho indígena, uma mita que, muito difente daquela que discorremos anteriormente, continuaria a ser rotativa, mas de forma que os trabalhadores – conhecidos também como mitayos – das minas serviriam nas minas pelo período de um ano. Não poderiam, então, realizar esse ciclo mais de uma vez durante seis anos e seriam separados em diferentes grupos que, de acordo com seu tempo de trabalho, realizaria a mineração em turnos de trabalho e descanso.

Dessa forma, ao utilizar um conceito próximo ao indígena, mas em favor do trabalho forçoso nas minas, a mita se afastava dos Andes e se aproximava da corveia – modo de trabalho voluntário realizado durante a época das economias tributária –, demandando maior contingente populacional reunido para essa ação (KLEIN, 2004, p. 32).

A segunda modificação de Toledo, aliada à volta da mita, foi a reorganização do espaço andino, estabelecendo a “redução” das comunidades, as reducciones – que daria

origem ao modelo de comunidade indígena muito próximo ao visto nos dias de hoje (KLEIN, 2004, p. 33). Esse processo, reproduzindo o modelo mediterrâneo de comunidade agrícola, agregaria em um espaço fixo de terra uma grande quantidade de indígenas. Assim, ao separar e agrupar os indivíduos em grupos nucleares efetuaria a exploração e a dominação de diferentes pisos ecológicos (KLEIN, 2016, p. 55). Tal processo levou ao agrupamento de mais de 129 mil indígenas em apenas 44 reducciones.

As ações foram essenciais para continuar a lucratividade da prata no Charcas, tendo entre 1545 e 1460 a maior extração de prata da história da humanidade. Contudo o problema continuava a existir por meio da diminuição dos veios superficiais de Potosí, que mostrava-se menos produtivo, exigindo maiores gastos, enquanto extraía-se um metal com maior impureza.

Como forma de satisfazer as exigências dos mineradores e da Coroa, Toledo implementaria a extração do mineral da prata através da amalgamação com mercúrio – que tinha sua venda monopolizada pela Coroa –, a troca de mais de seis mil fornos indígenas com fundição tradicional por oficinas de refino operada por energia hidráulica e o trabalho nas minas por meio de controle mais rigoroso das taxas aplicadas.

Para tanto, tem-se a criação da Casa da Moeda em Potosí. Exigiu-se que toda a prata minada e refinada na região do Charcas fosse transformada em barras e lingote na fundição real de moeda, tirando, como juros, um quinto do valor para a Coroa (KLEIN, 2016, p. 58). Essa prática se dava de forma a garantir vantagens à Coroa espanhola, a qual, ao obter a hegemonia dos elementos de produção, tornava difícil para os azogueros – proprietários das fundições – despachar em prata não cunhada ou não taxada pela Coroa e seus representantes. Além do mais, a Coroa, com as Reformas de Toledo, teria direito às propriedades do subsolo, garantindo que um quinto da extração realizada em terras reais fosse de direito da Coroa (KLEIN, 2016, p. 58).

As Reformas de Toledo se mostraram bem sucedidas. A produção de prata entre 1570 e 1650 aumentou significativamente, principalmente durante o reinado de Toledo, tornando possível que de cada dois lingotes de prata que saía do “Novo Mundo”, um era de Potosí.

Não surpreende, portanto, que o crescimento exponencial da região fizesse dela um farol luminoso para aqueles em busca de ascensão social e para a formação de cidades- satélites na região, aumentando a população de Charcas e sua importância para a metrópole. Toledo havia sido a personificação perfeita de um agente que, pelos interesses da Coroa, traria estabilidade para a região por meio de novas transformações no sistema colonial (KLEIN, 2016, p. 75).

No entanto, se Toledo se mostrou uma solução momentânea, mas com profundas ramificações, ele não foi o primeiro instrumento utilizado pela Coroa na legitimização da presença dos invasores e na exploração das novas terras, sendo esta a religião.

Numa palavra, se não há ouro105, não há Deus nas Índias. E a razão que entre o desejo do ouro e a presença de Deus nessas terras se acha a intervenção do rei, a cujo cuidado está explicito que Deus seja anunciado (GUTIERREZ, 1993, p. 115).