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5.3 DECADÊNCIA DE CHARCAS E A INDEPENDÊNCIAS

5.3.3 Rebeliões Indígenas no Charcas

A mi sólo me matarán pero volveré y será millones107 (Tupac Amaru II)

Enquanto uma mudança administrativa se dava no Charcas, prometendo melhorias econômicas para a metrópole e fortalecendo o comércio como impulsor das elites nacionais, um quadro rebelde se formava no Charcas. Com a população campesina crescendo em números, a quantidade de indígenas e mestizos que tinham que se submeter à mita e ao tributo também cresciam, levando a um sentimento de hostilidade contra os corregiedores e os donos de terra, ao mesmo tempo em que os kurakas já não mostravam a mesma importância de antes na administração das comunidades. A exemplo, a Coroa não dependia mais de indígenas locais e nomeava kurakas forasteros para certas regiões (KLEIN, 2004, p. 54).

As comunidades ayllu também sofriam com as modificações coloniais. Desde as Reformas de Toledo, a divisão, dispersão e integração de diversos grupos em terras de cultivo mantiveram-se, alterando profundamente a forma como os indígenas se relacionavam e trabalhavam no meio. Além do mais, com a continuação das terras comunais e da rotação de culturas, ainda que houvessem sido introduzidos novos elementos da agricultura e da pecuária para o comércio, como o gado europeu, as comunidades iam se modificando (Fernando Cajías, Ana María Seoana de Capra, María Luisa Soux In: SOUX, 2015, p. 53). Porém, com a implementação das Reformas Borbônicas e a subsequente alteração das representações, dos governadores e do sistema de prestação de serviços e pagamentos de tributos, a insatisfação indígena se manifestaria, de 1730 até o final do século, através de múltiplas rebeliões indígenas, as quais, da mesma forma que apareceriam, rapidamente seriam contidas pela Coroa (Ricarco Asebey Claure, Roger Mamani Siñani e María Luisa Soux In: SOUX, 2015, p. 95).

Podemos, no entanto, perceber grande diferença entre as primeiras revoltas do século XVIII e a que ocorreria posteriormente. Primeiro, além de terem ocorrido em um espaço de tempo menor, elas se iniciariam majoritariamente contra as más governanças do vice-rei e dos agentes da Coroa na região, com poucos sinais de uma luta emancipatória em si, caracterizando como uma busca por reforma dos sistemas. Com o primeiro sinal de rebelião se dando em 1730, na região de Cochabamba, onde o rumor de que mestizos seriam incluídos

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Enquanto escrevíamos este capítulo o povo boliviano decidia nas urnas pela volta do MAS (Movimento ao Socialismo) nas urnas e nas ruas. Depois de quase um ano desde o golpe de Estado, colocando um fantoche político no executivo, o povo boliviano mais uma vez provou seu interesse em manter no poder representantes de forças indígenas.

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no grupo tributado como indígenas e que haveria uma mudança nas cobranças realizadas pelos corregiedores, a elite criolla mobilizaria grupos religiosos e comunitários em uma revolta, que teria como lema o grito de “Viva el Rey, muera el mal gobierno”108

(Ricarco Asebey Claure, Roger Mamani Siñani e María Luisa Soux In: SOUX, 2015, p. 96).

No entanto, as rebeliões seguintes trariam uma virada indígena em busca de autonomia e poder comunal. Dois grandes exemplos foram as revoltas de Oruro, em 1739, e no povoado de Ambaná, em 1753. A primeira, levantada pelo criollo Juan Vélez de Córdova, autoproclamado descendente de sangue dos Incas, iniciaria um movimento de caráter messiânico que teria como principal resultado a criação do „Manifiesto de Agravios‟. Este declarava contrario as violências aferidas por séculos contra indígenas, mestizos e outros nativos, buscando a restauração de um poder inca, com liberdade de uso da terra aos indígenas e instaurando-se como um movimento de reivindicação que influenciaria diretamente a rebelião de 1780 (Ricarco Asebey Claure, Roger Mamani Siñani e María Luisa Soux In: SOUX, 2015, p. 99).

Enquanto isso, a revolta de 1736 teria influência de outros menores levantes, até que em um pequeno povoado de La Paz dá-se a busca por liberdade política, religiosa e de autodeterminação comunitária e indígena (Ricarco Asebey Claure, Roger Mamani Siñani e María Luisa Soux In: SOUX, 2015, p. 101). Além disso, em 1771 ocorreriam as revoltas de Chulumani, no Vale de Yungas, e em Caquiaviri, ambas com propósito de reivindicar questões tributárias e de disputas com corregiedores. Todas essas rebeliões seriam rapidamente acabadas pela Coroa (Ricarco Asebey Claure, Roger Mamani Siñani e María Luisa Soux In: SOUX, 2015, p. 102).

Porém nenhuma revolta se compararia com a Grande Rebelião de Tupac Amaru II, que, de 1780 até 1782, mobilizaria um grande contingente indígena nunca antes visto desde a consolidação da invasão na região dos Charcas. Caracterizou-se incialmente como dois grupos rebeldes, de atuação descontinuada, sendo o primeiro liderado por Tomás Katari e seus irmãos na região de Chayanta, e o outro guiado por Julián Apaza, também conhecido como Tupac Katari, em La Paz. Esses levantes armados dar-se-iam por meio dos cercos de cidades e de combates com tropas coloniais, com o objetivo de retomar o poder às autoridades indígenas. Entretanto, com o envio de tropas de Buenos Aires para Charcas, com as constantes traições após o desgaste do movimento em mais de cem dias de cerco em La Paz,

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esse primeiro movimento logo perderia forças (Ricarco Asebey Claure, Roger Mamani Siñani e María Luisa Soux In: SOUX, 2015, p. 105).

No entanto a revolta não se desfaria tão rapidamente. Encontrando uma liderança central através da figura de José Gabriel Condorcanqui, o Tupac Amaru II, ela ganharia nova força com reivindicações mais rebeldes contra a sociedade colonial e com um maior número de tropas. Tupac Amaru II, junto de sua companheira, Bartolina Sisa, uniria as populações indígenas desde Cusco até o norte do que viria a se tornar a Argentina. Com milhares de indivíduos em sua rebelião, em uma força que unia majoritariamente indígenas e mestizos, mas com a participação de pretos e brancos de classes mais baixas, investiu contra os corregiedores, tomando cidades inteiras e se espalhando pelas comunidades no meio rural (KLEING, 2016, p. 106).

O movimento dava os primeiros passos para a independência da região peruana nos Andes, formando centros autônomos indígenas. Todavia as perdas para os nativos se mostraram significativas após o primeiro ano de revoltas. Com kurakas e outros membros das classes altas indígenas também se juntando à luta de Tupac Amaru II, diversos grupos indígenas perderiam seus membros e seus líderes – como as linhagens aimarás próximas ao Titicaca – em uma contraofensiva espanhola que viria com impactos devastadores aos rebeldes (KLEIN, 2016, p. 56).

Apesar de o levante ter se mostrado promissor em um primeiro momento, com grandes conquistas militares e o assassinato de líderes coloniais, as tropas da Coroa no vice- reino do Peru, concentradas em Cusco, partiriam para o sul destruindo qualquer sinal da rebelião. Tupac Amaru II ainda sofreria nas mãos dos espanhóis. Capturado em 1781, ele seria torturado e executado junto de seus aliados, colocando fim a esse breve, porém importante capítulo das revoltas do século XVIII. A maioria das rebeliões na América Hispânica, de maioria indígena e evocando o ideal de autonomia indígena e da guerra anticolonial, permanece na memória comunal até os dias de hoje (Ricarco Asebey Claure, Roger Mamani Siñani e María Luisa Soux In: SOUX, 2015, p. 130).

Las figuras del Museo Costumbrista retoman la tradición popular de las Alasitas com miniaturas de yeso, pero muestran a Katari em el momento mismo de su descuartizamiento. La escena plasma la soledad del curpo indígena – separado de sus bases comunitárias y atado a cuatro caballos – em médio de los verdugos que lo rodean. Pero la imagen debe tener ressonâncias distintas según quién la mire: para unos será um índio sanguinario que recibió su merecido; para otros um curpo

desmembrado que se reunificará algún día inaugurando um nuevo ciclo de la historia (CUSICANQUI, 2010, p. 11). 109