• Nenhum resultado encontrado

4. ACORDOS GLOBAIS: INSTRUMENTOS CONCRETOS DE NEGOCIAÇÃO

4.1 ACEPÇÃO E ASPECTOS GERAIS DOS ACORDOS GLOBAIS

Segundo definição da OIT14, o acordo global, ou acordo marco internacional, “é um instrumento de negociação entre uma empresa multinacional e uma Federação de Sindicatos Internacionais, a fim de estabelecer uma relação contínua entre as partes e garantir que a empresa respeite os mesmos padrões em todos os países onde atua.

Embora ainda haja divergência entre os estudiosos acerca da natureza dos acordos globais15, o conceito apresentado pela OIT nos permite concebê-lo como um

instrumento concreto de negociações coletivas transnacionais.

Trata-se de acordos de âmbito mundial, realizados diretamente entre capital e trabalho16, entre empresas multinacionais e organizações sindicais internacionais que

representam os trabalhadores em nível global, nos quais estas entidades são reconhecidas pelas empresas multinacionais como partes legítimas para, por meio de negociações e do diálogo, resolver conflitos e estabelecer condições de trabalho.

A principal característica que os diferencia de demais acordos firmados a partir do diálogo social é o fato das empresas multinacionais reconhecerem a entidade que representa os trabalhadores como um ator global, seja uma federação sindical mundial ou uma organização global de funcionários, rompendo com uma posição historicamente

13

OIT, Imprensa, 2007. Disponível em http://www.ilo.org/global/about-the

ilo/newsroom/features/WCMS_080723/lang--en/index.htm (traduçao livre)

15 STEVIS, Dimitris. International framework agreements and global social dialogue: Parameters and

prospects. International Labour Organization. Employment Working Paper No. 47, ILO. 16 Idem

adotada pelas empresas, que se recusavam a ter qualquer tipo de interações, ainda que informais, com os sindicatos de âmbito global, para não lhes conferir legitimidade. (Stevis, 2010: 5)

Originariamente os acordos globais surgiram em decorrência do enfraquecimento do Estado-nação (Hammer, 2008: 89) e como resposta dos trabalhadores ao crescimento da influência das corporações transnacionais nas relações industriais na década de 1960, por meio das três secretarias internacionais do comércio (atualmente renomeadas federações sindicais internacionais), que pretendiam evitar a existência de fragmentação do movimento laboral nas negociações com as corporações transnacionais. (Gallin, 2008: 16)

Nessa conjuntura também se destaca o papel dominante da OMC, juntamente com o Banco Mundial e o FMI na formação da arquitetura internacional de comércio e finanças, que facilitou o processo de globalização da economia, sem que, no nível internacional, nenhum contrapeso que pudesse desafiar esses elementos arquitetônicos dominantes tenha sido capaz de estabelecer-se institucionalmente nas áreas relevantes para a política social ou laboral, apesar das normas sociais previstas nos acordos comerciais mundiais, ou mesmo da OIT, que não cumpriu inteiramente seu objetivo de trazer uma dimensão social para a globalização, apesar das várias tentativas que empreendeu desde os anos 1990. (Platzer e Rub, 2014: 4).

Os acordos globais são acordos voluntários, não sujeitos a qualquer requisito legal ou regulamentar (Bourque, 2005: 13). Em razão disso, no início, poucas empresas aceitaram receber as delegações das secretarias internacionais do comércio para discutir os problemas que afetavam as relações industriais e suas operações, e, ainda assim, recuavam quando percebiam que as entidades laborais envolvidas esperavam alguma forma de compromisso vinculativo e sérias mudanças nas práticas corporativas da empresa. Assim, não obstante a persistência dos sindicatos, e ampliação de sua organização e atuação, não existiram acordos quadros internacionais nas décadas de 1960-1970. (Gallin, 2008: 25).

O primeiro acordo marco internacional foi assinado somente em 23 de agosto de 1988, pela International Union of Food and Allied Workers’Association (IUF) e a companhia transnacional de alimentação BSN (atual Danone, desde 1994), sob o título

de “Ponto de Vista Comum IUF/BSN”, em um ambiente amigável de mútuo respeito e confiança, fora de qualquer contexto de conflito, prevendo, por acordo comum entre as partes, a promoção de iniciativas coordenadas em todo o grupo BSN, em quatro questões: a) uma política para formação de competências a fim de antecipar as consequências da introdução de novas tecnologias ou reestruturação industrial; b) uma política visando alcançar o mesmo nível e a mesma qualidade de informação, nos campos econômicos e sociais em todos os locais de subsidiárias da BSN; c) desenvolvimento de condições para assegurar efetiva igualdade entre homens e mulheres no trabalho; d) a implementação dos direitos sindicais, conforme definido em convenções da OIT 87, 98 e 135. (Gallin, 2008: 26)

O mencionado acordo global, firmado pela Danone, incluindo os acordos subsidiários, definiu os padrões para novos acordos marco internacionais com empresas transnacionais, e se destaca, ainda nos dias atuais, por sua abrangência e efetividade (Gallin, 2008: 29).

A negociação dos acordos globais normalmente ocorre por iniciativa de uma federação nacional filiada a uma FSI (Federação Sindical Internacional) no país onde a multinacional tem sua sede, por meio de contatos informais com o departamento de recursos humanos da empresa. As trocas de informações preliminares entre as FSI e orientações direcionadas às empresas multinacionais também são informais, e, em muitos casos, não são mantidas devido à relutância da direção das empresas em iniciar negociações formais com organizações sindicais internacionais, sem que exista a obrigação legal de firmar tais acordos. (Bourque, 2005: 14).

Após os primeiros contatos, os secretários das FSI preparam uma minuta de acordo, que é enviado às federações ou sindicatos nacionais, sendo feitas as modificações necessárias para que sejam abordados os problemas específicos que os sindicatos enfrentam junto à empresa multinacional. Discussões e trocas de propostas são feitas principalmente por meio da internet, por correio ou por telefone, se necessário, sendo preparados pela FSI à qual é ligada a entidade sindical novos projetos de acordo resultantes das alterações introduzidas na negociação. A duração média das negociações é de seis meses, havendo registro de casos que já duraram até quatro anos. (Bourque, 2005: 14)

Esses acordos globais preveem princípios e direitos fundamentais do trabalho, que incluem a abolição do trabalho infantil, a proibição do trabalho forçado, a eliminação de todas as formas de discriminação, a liberdade de associação e a previsão de negociação coletiva, fazendo referências às principais Convenções da OIT.17 As demais disposições variam de um acordo para outro, podendo referir-se a outras questões abrangidas por normas da OIT, relacionadas à saúde e segurança no trabalho, salários, treinamentos, entre outros temas, dentre os quais tem ganhado destaque crescente nos acordos a referência à cadeia de fornecimento, mesmo que as empresas fornecedoras não sejam parte do acordo. As empresas multinacionais firmam o compromisso de informar a todas as subsidiárias e fornecedores acerca das condições firmadas no acordo, recomendando a adoção das medidas pactuadas, e acompanhando a adoção dessas medidas, por meio de mecanismos de controle de cumprimento dos acordos, ou impondo-as como obrigações do contrato (Muller et al., 2008: 5).

O conteúdo dos acordos marco internacionais mais recentes tem abrangido ainda questões que ultrapassam o campo do direito do trabalho, incluindo novas questões relacionadas às condições de vida dos trabalhadores, suas famílias e de outros cidadãos influenciados pelas atividades da empresa. Um número crescente de acordos globais têm incluído políticas de combate à AIDS. Como passam a integrar as estratégias de responsabilidade social corporativa da empresa, os acordos frequentemente tem abordado também questões socioambientais, como a proteção ao meio ambiente, que permite, inclusive, uma atuação mais ampla dos sindicatos na condução destas questões. (Sobczak, 2007: 123)

Para garantir a validade e eficácia das normas acordadas, os mecanismos de implementação e procedimentos de monitoramento são elementos decisivos, que merecem especial atenção.

Com a conclusão de um acordo global, as empresas comprometem-se a observar certas condições mínimas de trabalho. Sob o ponto de vista das FSI, é da empresa, portanto, a maior responsabilidade pela aplicação sistemática e observância

17 SOBCZAC, André. Legal Dimensions of International Framework Agreements in the Field of

do acordo, porque elas tornam-se responsáveis pela integração do conteúdo dos acordos na política corporativa e por assegurar sua execução por meio dos sistemas de gestão existentes. Para as FSI, duas condições prévias são fundamentais para o sucesso da implementação de um acordo global: em primeiro lugar a tradução dos acordos para todas as línguas que sejam relevantes para cada estabelecimento empresarial; em segundo lugar, a garantia de que todos os trabalhadores da empresa serão informados sobre o conteúdo do acordo – incluindo os empregados das filiais, fornecedores e subempreiteiros. (Platzer e Rub 2014: 11)

Os procedimentos de publicação, notificação e distribuição dos conteúdos do acordo em todos os locais onde atua a empresa incluem: publicação do acordo no site da empresa e em relatórios sociais e de sustentabilidade, a distribuição de panfletos, bem como a publicação de anúncios em todos os estabelecimentos da empresa. Em alguns casos, procedimentos mais complexos são empregados, como reunião regulares com a gestão de todas as filiais. Ao lado dessas medidas tomadas pelas empresas, as FSI também contribuem para a distribuição e publicação do conteúdo dos acordos, organizando seminários e oficinas regulares para implementação dos acordos com representantes sindicais e trabalhadores de diferentes regiões do mundo e incentivando as entidades sindicais filiadas a informar os representantes dos trabalhadores acerca do conteúdo dos acordos globais em todas as reuniões locais e nacionais. (Platzer e Rub, 2014: 11)

Outro ponto crucial, sob o ponto de vista das FSI, é a criação de mecanismos eficazes de acompanhamento do acordo, desafio central na implementação de um acordo global, e que pode ser feito por meio de diferentes abordagens. Um dos procedimentos utilizados é o acompanhamento por meio de certificação externa, auditoria, ou órgãos similares, o que não é bem aceito pelos empregados e sindicatos laborais. Em primeiro lugar, devido à complexidade da cadeia de produção, que dificulta o monitoramento de todos os fornecedores por parte dos agentes externos. Outro motivo é a falta de experiência e know-how das agências externas para acompanhar o cumprimento de direitos sociais e trabalhistas. Por fim, existe o perigo de que os representantes sindicais e dos trabalhadores sejam excluídos do processo de supervisão dos acordos internacionais, e que as empresas que contrataram as

agências externas retenham o controle exclusivo sobre o processo de monitoramento. Assim, as FSI só tendem a aceitar a supervisão externa como instrumento complementar para monitorar rede de fornecedores complexos e extensos, e apenas nos casos em que existem acordos claros sobre o processo de acompanhamento concreto e utilização dos resultados gerados por essas agências. (Platzer e Rub, 2014: 11)

Para as FSI, o único sistema eficaz para garantir uma “supervisão independente” é o monitoramento no local por empregados e seus sindicatos, embora faltem os recursos necessários para tanto, uma vez que o monitoramento nestes moldes exigiria a presença de sindicatos independentes em cada uma das sedes da empresa e de seus fornecedores. Diante deste cenário, a maioria das FSI concentram seus esforços em fazer parte do desenvolvimento de procedimentos de monitoramento elaborados pelas empresas, sendo continuamente informados e consultados durante este processo. (Platzer e Rub, 2014: 12)

A criação de mecanismos eficazes de resolução de conflitos para resolver violações às estipulações de um acordo quadro internacional representa mais um passo importante na implementação prática destes acordos. A resolução de conflitos entre as empresas e os trabalhadores tornam-se mais fáceis quando os sindicatos e empresas desenvolvem antes, e independentemente, de quaisquer disputas concretas, um processo específico e eficiente para lidar com possíveis violações dos acordos, com a respectiva previsão de sanções na hipótese de não serem sanadas as infrações. (Platzer e Rub, 2014: 12)

Vários AMI‟s definem procedimentos especiais que permitem aos trabalhadores registrarem reclamações quando os direitos previstos nos acordos não são respeitados. Normalmente o representante local dos trabalhadores se reúne com a gestão local. Não havendo resolução do problema, os trabalhadores ou sindicatos podem entrar em contato com o sindicato nacional da empresa. Se ainda assim o problema não for resolvido, a questão terá que ser discutida diretamente pelos signatários do AMI. (Sobczak, 2007: 124)

Na sua grande maioria, os AMI‟s estabelecem um acompanhamento regular, seja pela CER, ou por um comitê especial de signatários. Normalmente é realizada uma

reunião anual entre a gestão da empresa e a parte que representa os trabalhadores para discutir acerca das ações adotadas e das dificuldades enfrentadas na implementação do acordo, como também para realizar alteração no texto inicial e avaliar o impacto do AMI. (Sobczak, 2007: 124)

Dentre os objetivos almejados pelas Federações Internacionais por meio da celebração de acordos marcos internacionais destacam-se a garantia de padrões mínimos de trabalho em todos os locais onde atua a empresa transnacional pactuante, seus fornecedores e subsidiárias, com o fim de melhorar as condições gerais de trabalho; estabelecer um relacionamento contínuo de diálogo e negociação com a empresa transnacional e suas diretorias e gerências regionais e nacionais, uma vez que essas empresas reconhecem estas entidades sindicais como legítimas representante dos trabalhadores na assinatura de um acordo global; usar os acordos marco internacionais para colaborar com a organização de estruturas sindicais nos locais operados pelas empresas multinacionais e seus fornecedores; bem como utilizá-los para criação de uma rede sindical internacional relacionada às empresas transnacionais, a fim de melhorar a cooperação entre as organizações sindicais, uma vez que uma eficaz estrutura de representação sindical dos trabalhadores no âmbito local, e a cooperação sindical em esfera global, são essenciais para um processo duradouro de melhoria contínua das condições de trabalho no domínio internacional.

Por outro lado, percebe-se, por parte das ETN‟s, que uma boa parte das que firmaram acordos globais demonstravam abertura para o diálogo social com os sindicatos anteriormente, no âmbito local, nacional, ou internacional. Em outros casos, porém, as empresas multinacionais têm negociado um acordo desse tipo com o nítido fim de restaurar sua imagem corporativa manchada por denúncias públicas de práticas de negócios ou de trabalho irregulares (Bourque, 2005: 13).

Entretanto, percebe-se que, ainda que desenvolvidos em um ambiente de conflito, não abrangendo todo o conteúdo possível, e, mesmo que haja dificuldades de divulgação e implementação, os acordos globais, dos mais simples aos mais amplos, sempre terão o importante papel de promover o diálogo social entre empresa e trabalhadores, o que constitui o primeiro passo para relações sociais mais equitativas e justas.