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3. NEGOCIAÇÃO COLETIVA INTERNACIONAL

3.4. NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRANSNACIONAL: NORMAS PRIVADAS PARA

A globalização da economia, com a expansão das empresas transnacionais e multiplicação dos tratados de integração econômica, ocasionou profundas mudanças nas relações sociais no âmbito global, sobretudo com o fenômeno da internacionalização das relações de trabalho, que deu ensejo a diversos questionamentos, e também a um novo rol de normas jurídicas, inicialmente impostas pelos Estados, que, aos poucos, cederam espaço para normas negociadas entre os parceiros sociais (FRANCO FILHO, 1995: 60-67).

A fim de harmonizar este novo elenco de normas sociais, é que tem sido admitida a negociação coletiva transnacional.

A negociação coletiva transnacional, ou internacional, anteriormente vista como uma hipótese pouco provável, de difícil desenvolvimento, tem ganhado maior credibilidade nas últimas décadas. Apesar das dificuldades ainda existentes, o panorama atual apresenta uma diversidade de fatores que tem contribuído para que esta forma de negociação coletiva alcance progressivamente maior relevância,

tornando-se um instituto capaz de traduzir, na prática, a tendência de internacionalização do Direito do Trabalho (RACCIATTI e ROSENBAUM, 2006: 91-92).

Octavio Racciatti e Jorge Rosenbaum (2006, p. 93) aduzem que, do ponto de vista teórico, o desenvolvimento da negociação coletiva transnacional deveria constituir uma consequência necessária de, pelo menos, três importantes fenômenos que emergem do contexto econômico internacional.

O primeiro destes fenômenos estaria relacionado aos processos de integração econômica regional, que, segundo os autores, deveriam abrir caminho para a expansão da autonomia coletiva. Todos os processos de integração econômica acarretam múltiplos efeitos sociais, e, dentre estes, as implicações trabalhistas. Assim, enquanto existe uma expectativa de efeitos trabalhistas positivos a longo prazo, em consequência do crescimento político e econômico do bloco, no curto prazo são inevitáveis os efeitos sociais negativos, como o desemprego setorial, e o risco da ocorrência de “dumping social” entre os próprios países membros do grupo na competição pelo mercado interno, e também com outros países. Paralelamente, a médio prazo, verificam-se influências recíprocas entre os sistemas de relações trabalhistas dos países que se integram, o que proporciona, e facilita, o surgimento de um novo nível internacional/regional de relações de trabalho (RACCIATTI e ROSENBAUM, 2006: 93).

A integração regional não acontece somente na esfera econômica. Prescinde também de uma dimensão social, que contribui para precaver e administrar os efeitos sociais. Nesse contexto a autonomia coletiva assume um papel prático e eficaz para facilitar a instrumentalização das políticas macroeconômicas e administração das principais consequências e transformações que estas políticas projetam sobre as estruturas produtivas e comerciais dos países, das categorias setoriais e das empresas, assim como sobre o mercado de trabalho, as condições de trabalho, a produtividade, os custos trabalhistas e a competitividade internacional. O desenvolvimento de instâncias de auto regulação por parte dos atores sociais cumpre, nesse contexto, a tripla função – normativa, conciliadora e participativa – que estas grandes transformações requerem para sua viabilização (ROSENBAUM, 2006: 93-94).

O segundo fenômeno apontado como facilitador do desenvolvimento da negociação coletiva internacional, são as transformações decorrentes da globalização e

integração regional econômica, que representam mudanças no sistema social, provocando um redimensionamento da dinâmica das relações trabalhistas ao apresentar um novo contexto para o desenvolvimento dessas relações. Há uma tendência à internacionalização dos atores e de suas relações, o que também se revela como incentivo ao desenvolvimento de negociações coletivas internacionais (ROSENBAUM, 2006: 94).

Por fim, a expansão das empresas multinacionais e a formação de grupos econômicos constituem mais uma peça, dentre as diversas configurações, processos, estruturas e relações que transcendem o Estado-nação e compõem a economia- mundo, reforçando a transnacionalização das relações laborais, abrindo espaço para o desenvolvimento das negociações coletivas transnacionais.

Quanto ao objetivo principal das negociações coletivas transnacionais, o mesmo consiste na redução da diferença de direitos entre os trabalhadores no âmbito global, com o fim de superar os limites inerentes à territorialidade dos sistemas jurídicos, e prolongar o alcance do direito internacional do trabalho para onde não há controle direto do Estado, sobretudo nas empresas (DAUGAREIILH, 2005).

Segundo Geraldo Cedrola Spremolla (1995: 65):

La negociación colectiva que, en mérito de los actores que participen y de los asuntos que pretende regular, es capaz de trasponer las fronteras de un Estado, buscando imponer sus efectos en distintos sistemas nacionales de relaciones laborales. Esta modalidade de negociación colectiva, se distingue de la modalidade nacional, por cuanto busca trascender el marco de un sistema de relaciones laborales, dirigiéndose a una pluralidad de sistemas.

Assim partindo do conceito de negociação coletiva firmado pela OIT (Convenção 154), e analisando-o juntamente com as lições de Geraldo Spremolla, a negociação coletiva internacional pode ser entendida como uma negociação realizada entre empregadores ou organização de empregadores e uma ou mais organização de trabalhadores que tem por fim disciplinar relações de trabalho que, em razão das partes negociantes, ou ainda dos assuntos que pretendem regular, produzem efeitos em distintos sistemas trabalhistas nacionais, transpondo as fronteiras de um Estado para dirigir-se a uma pluralidade de sistemas.

Os ensinamentos de Adrián O. Goldin e Silvio Feldman (2008: 68) ampliam o entendimento do instituto, ao definirem a negociação coletiva internacional nos seguintes termos:

processo com certos traços convergentes, a partir de realidades significativamente diferentes que, por sua vez, abre novas perspectivas a respeito da representação potencial que pode jogar a negociação coletiva como fonte normativa no processo de integração e, mais em geral, a participação dos protagonistas sociais em seus avanços e estilo de desenvolvimento.

Os autores, ao enfatizaemr o importante papel dos sujeitos sociais neste processo de integração, destacam que, apesar de se tratar de um processo que incide em diferentes realidades sociais e econômicas, a negociação coletiva internacional contribui para o processo de integração social global.

Este entendimento é compartilhado também por Ermida Uriarte (1996: 214): Así mismo, tanto el marco de los procesos de integración como en el de la denominada globalización de la economia, la acción sindical internacional podría o debería ser un importante factor extra nacional de convergencia, que en el plano teórico debería llegar a plasmar una negociación colectiva transnacional que incorporara una fuente autónoma supranacional al Derecho laboral. Sin embargo son casi inexistentes los avances alcanzado sin esta materia en Latinoamérica... Parecería que las dificultades técnicas y políticas que se oponen a una unificación sindical extra nacional y la concreción de convenios colectivos de ese nivel, se ven potenciadas por la debilidad sindical que en algunos países latinoamericanos ha sido crónica, y en otros se ha verificado o acentuado recientemente, de conformidad con una tendencia mundial.

Ainda que reconhecida a importância da negociação coletiva para maior equilíbrio nas relações de trabalho e para a garantia de direitos trabalhistas básicos aos trabalhadores em nível global, muitas são ainda as dificuldades enfrentadas para sua aplicação e efetividade.

Jorge Rosenbaum e Octavio Racciatti (2006: 96-99) apontam os principais obstáculos impostos à negociações coletivas transnacionais, que podem ser sintetizados da seguinte forma: 1) inadequação das estruturas das organizações sindicais e das organizações de empregadores para realização de negociações coletivas transnacionais; 2) ausência de uma vontade negociadora efetiva e convincente dos interlocutores sociais para concluir acordos coletivos, o que verifica-se,

de forma mais acentuada, entre os empregadores e suas organizações; 3) as atuais carências do sindicalismo, que revelam, salvo algumas exceções, que as organizações de trabalhadores não possuem poder suficiente para levar as organizações de empregadores e os grupos multinacionais às mesas de negociações; 4) a debilidade sindical no mercado, no qual a empresa tem assumido um papel de protagonista e as organizações sindicais tem perdido espaço, possuindo um papel cada vez menos decisivo; 5) acúmulo de dificuldades de ordem prática, muitos dos quais se acentuam ou decorrem quase que exclusivamente da realidade regional à qual pertencem os países negociantes, tal qual a falta de amadurecimento do processo de integração do Mercosul, resultantes também das políticas e programas econômicos implementados pelos Governos, que constituem sérios óbices para o desenvolvimento das negociações coletivas transnacionais, na medida em que muitas vezes limitam os conteúdos suscetíveis à negociação, e, ainda, a imprecisão do conteúdo de algumas expressões concretas deste fenômeno, que transformam os termos discutidos em meras declarações programáticas ou expressão do desejos das partes negociantes; 6) problemas técnicos (jurídicos), concernentes à existência de uma diversidade de legislações nacionais sobre negociação coletiva e a ausência paralela de um ordenamento internacional unitário sobre a matéria, o que constitui uma barreira de difícil transposição para uma negociação coletiva internacional.

Georgenor de Sousa Franco Filho (1995: 60-67) destaca o papel do sindicato na superação das dificuldades à efetivação das negociações coletivas transnacionais, propondo o estímulo à criação de organizações internacionais de sindicatos para a negociação de contratos coletivos internacionais, mantendo-se o respeito às diferenças locais de cada país e atendendo às características de cada região.

Luiz Eduardo Gunther (2008: 117), ao compreender o direito não só como aquilo que é posto, mas também como o que pode ser conquistado e recriado, sugere uma reelaboração da negociação coletiva, “para que a sua efetividade ultrapasse as barreiras nacionais, seja um ímã agregador das reivindicações do proletariado internacional, estabelecendo, ainda, certa previsibilidade na atividade mundializada das empresas.” Assim, a negociação coletiva transnacional obteria a agilidade e eficiência necessárias para o aprimoramento das relações de trabalho no âmbito mundial.