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2. A GLOBALIZAÇÃO E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE

2.5 REFLEXOS DA TRANSNACIONALIZAÇÃO DOS MERCADOS NO DIREITO

O Direito do Trabalho foi uma das áreas jurídicas que mais sofreu o impacto da globalização, sobretudo em decorrência da transnacionalização dos mercados e das relações de trabalho. Diante das mudanças nos modos de produção e no processo de trabalho, e ainda, com o surgimento de novas fontes do Direito Internacional do Trabalho, públicas e privadas, a internacionalização de normas do trabalho e a construção de uma governança social global emergem como principais desafios nos dias atuais (CRIVELLI, 2010: 9).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) - uma das mais representativas organizações do sistema da Organização das Nações Unidas, criada com os objetivos principais de normatizar as relações de trabalho e alcançar a justiça social - apesar da larga produção normativa realizada ao longo de mais de oito décadas de existência, tem sofrido um duro e constante questionamento na última década que tem colocado em crise o papel do seu modelo normativo (CRIVELLI, 2010: 24). Como fatores determinantes da crise por que passa a OIT, destacam-se a substituição do modelo

fordista de produção para o modo de organização toyotista; a expansão das corporações transnacionais, que passaram a desenvolver atividades econômicas em escala global, e consequente desterritorialização das cadeias produtivas; a diversificação das fontes de direito formal; a dimensão mundial adquirida por ONG‟s internacionais, que desafiam o direito internacional e os atores sociais tradicionalmente reconhecidos e aceitos na OIT; os processos de integração regional, como a União Europeia e suas normas comunitárias, e a perda parcial da soberania dos Estados- nação, que enfraqueceu o principal instrumento de coercibilidade das normas internacionais do trabalho (CRIVELLI, 2010: 24).

As modificações ocorridas no seio das cadeias produtivas foram um dos fatores que trouxe profundas alterações nas relações de trabalho. No modelo fordista, caracterizado pela produção em larga escala para o mercado em expansão, os produtos são fabricados por meio de uma linha de montagem dentro do estabelecimento industrial. Há uma produção fragmentada, mas coletiva, na qual todos os trabalhadores tem uma função definida dentro da linha de montagem para a consecução do produto final. Para a empresa fordista, é importante manter sua mão-de- obra a médio e longo prazo, garantindo condições de trabalho estáveis, por meio de normas rígidas, que aumentem sua capacidade de planejamento (RUDIGER, 2006: 477).

A empresa toyotista, que se firmou com a abertura das fronteiras pelo processo de globalização, não produz para abastecer o mercado, esse modelo de organização submete sua produção à demanda do mercado, o que exige flexibilidade da empresa para ampliar ou reduzir o quadro de seus trabalhadores num curto prazo de tempo. A mão-de-obra utilizada deve ser polivalente e organizada para que possa planejar e executar diferentes tarefas nos momentos em que se façam necessárias. Também é comum a contratação de trabalhadores de empresas prestadoras de serviços conforme seja necessário para atender a demanda do mercado, havendo uma descentralização produtiva (RUDIGER, 2006: 480).

Nesse contexto, a necessidade de flexibilização das relações de trabalho ocasionaram perdas significativas para os trabalhadores, em termos de qualificação, e por já não mais usufruírem da mesma estabilidade no emprego.

As corporações transnacionais, que cresceram vertiginosamente ao longo do século XX, agindo em diferentes países e continentes, tornaram-se atores relevantes nas relações internacionais contemporâneas e passaram a atuar como os principais agentes da globalização, trazendo novas transformações nas relações laborais. Ao negociarem acordos coletivos, criarem regulamentos internos, normas técnicas e códigos de conduta que disciplinam os comportamentos individuais dos trabalhadores, vêm exercendo forte influência no Direito Internacional do Trabalho (CRIVELLI, 2010).

A prática do dumping social, por meio do qual as empresas multinacionais (EMN‟s) reduzem salários para tornar seus produtos mais competitivos no mercado internacional é também uma das consequências sociais negativas do processo de globalização.

Embora não exista uma definição legal para o termo, o dumping social pode ser caracterizado por “preços internacionais de produtos distorcidos pelo fato de os custos de produção basearem-se em normas e condições trabalhistas inferiores ao que seria considerado razoável ou adequado em nível internacional” (GONÇALVES, 2000: 50)5.

Para tornarem-se competitivas, e exportar produtos com preços inferiores aos do concorrente, algumas empresas utilizam meios desleais, como contratação de mão-de- obra infantil, e até escrava, em grave violação aos direitos fundamentais do trabalho.

Outro mecanismo utilizado pelas corporações transnacionais, questionável em termos de justiça social, é a Zona de Processamento de Exportação (ZPE), instalada nos países em desenvolvimento para o crescimento econômico estratégico da região onde são estabelecidas.

A Organização Internacional do Trabalho, em 2003, definiu as ZPE‟s como “zonas industriais com incentivos especiais criadas para atrair investidores estrangeiros, onde materiais importados passam por algum grau de processamento antes de serem (re)exportados (...)” (ILO, 2003, p. 1). Alguns anos depois, estudo elaborado sob a coordenação da mesma organização alargou o conceito de ZPE apontando-as como “espaços regulatórios em um país destinados a atrair companhias exportadoras

5 GONÇALVES, Reinaldo. O Brasil e o Comércio Internacional: transformações e perspectivas. São

mediante a oferta, a estas, de concessões especiais em impostos, tarifas e regulamentos” (MILBERG, 2008: 02).

Embora abra novas oportunidades de empregos, havendo mais de 50 milhões de trabalhadores empregados nessas zonas em todo o mundo, e mesmo que os órgãos públicos oficiais afirmem que o mecanismo contribui para o desenvolvimento e trabalho decentes, as autoridades públicas ainda apresentam alguma preocupação com eventuais isenções de leis trabalhistas às ZPE‟s nacionais, ou o fato de representarem obstáculos ao exercício de direitos (MTE, 2005).

Segundo Dupas, o trabalho exercido nas ZPE‟s normalmente apresentam baixa ou nenhuma qualificação, além de relações sindicais frágeis. A mão-de-obra seria constituída, em sua maior parte, por mulheres jovens, que se submetem a longas jornadas, baixa remuneração, trabalho noturno, alta rotatividade e pouca estabilidade, em decorrência, principalmente, da falta de outras opções locais de trabalho (DUPAS, 1998: 131).

Diante dessas transformações no cenário internacional, a OIT vem esboçando reações por meio de várias iniciativas. Na sua 86° Conferência, a OIT adotou, com base em oito Convenções fundamentais6, a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, que estabelece como princípios fundamentais a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; a abolição efetiva do trabalho infantil; e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.7 Embora não se trate de uma obrigação jurídica, constitui uma orientação de comportamento, tendo como objetivo maior impulsionar a ratificação das oito Convenções fundamentais por todos os Estados-membros (CRIVELLI, 2010: 69).

Em 1994 foi instituído um Grupo de Trabalho sobre a Liberalização do Comércio Internacional, que, em 1999, passou a ser chamado Grupo de Trabalho para a Dimensão Social da Mundialização, com o objetivo principal de formular proposta de consenso tripartite, consenso entre trabalhadores, empregadores e Estado, de políticas normativas para enfrentar as consequências sociais da globalização. Por sugestão do

6

Convenções 87, 98, 29, 105, 100, 111, 138 e 182 da OIT

7 OIT. Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Disponível em

grupo foi criada a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, composta por personalidades de todo o mundo para elaboração de um relatório global com o objetivo de propor ao sistema multilateral internacional um enfoque integrado sobre o impacto social da globalização (CRIVELLI, 2010: 69 e 181).

Outra iniciativa importante foi a Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social que, embora aprovada ainda em 1977, ganhou maior importância no ano de 2000, quando novamente foi discutido o tema, acrescentando-lhe conteúdo e um sistema de acompanhamento. Trata-se de documento com conteúdo normativo, de aplicação voluntária, dirigido aos governos dos Estados-membros e às respectivas organizações mais representativas de trabalhadores e empregadores, sendo a necessidade de adesão voluntária dos atores sociais um dos maiores problemas que se apresentam à sua implementação na prática (CRIVELLI, 2010: 69 e 168).

Concomitantemente às iniciativas oficiais da OIT durante o processo de globalização, proliferaram várias propostas e experiências de regulação do trabalho no âmbito internacional que variavam quanto à natureza jurídica, abrangência territorial de sua aplicação e o número de Estados ou atores internacionais envolvidos. Nesse ambiente caracterizado pela pluralidade jurídica, a OIT já não mais constitui a única fonte formal de Direito Internacional do Trabalho (CRIVELLI, 2010).

Dentre as experiências concretas de regulação internacional do trabalho destacam-se os instrumentos jurídicos de direito privado, como os códigos de conduta e etiquetas ou selos sociais, estabelecidos por corporações transnacionais, organizações sindicais de trabalhadores ou ainda por Organizações-Não Governamentais (ONG‟s) (CRIVELLI, 2010: 124-125).

Há ainda, os acordos globais, ou acordos marco internacionais, celebrados entre corporações transnacionais e organizações sindicais de trabalhadores internacionais, nos quais são estabelecidas condições mínimas de trabalho aos empregados da corporação transnacional que atuam em diferentes países, criando importantes padrões laborais normativos de âmbito internacional. Esses acordos retratam relevantes avanços no diálogo social e relacionamento mais paritário entre empresas e trabalhadores.

Os próximos capítulos aprofundam o tema, a partir da análise da negociação coletiva internacional, de seu conceito e fundamentos, e dos acordos globais, instrumentos de concretização das negociações coletivas internacionais, que tem representado tão importante colaboração na minoração dos efeitos negativos da globalização na esfera social.