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3. NEGOCIAÇÃO COLETIVA INTERNACIONAL

3.1. AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA

Atualmente, difunde-se o entendimento de que o Direito do Trabalho está inserido, bem como outros ramos do Direito, no contexto do pluralismo jurídico, admitindo-se que tanto o Estado como os particulares elaboram normas jurídicas trabalhistas (SILVA, 2008: 48).

Na autonomia privada coletiva, há a coexistência entre normas estatais e normas não estatais. Os tratados internacionais, as declarações de direitos e outras normas internacionais são fontes internacionais de produção do direito do trabalho; o contrato de trabalho, o regulamento de empresa (quando bilateral), as convenções e os acordos coletivos constituem fontes negociais (MARTINS, 2001: 69). Têm-se ainda as legislações nacionais que disciplinam as relações trabalhistas nos limites do Estado.

Necessário, portanto, fazer uma análise da atuação normativa dos particulares no âmbito das relações coletivas de trabalho, por meio de suas organizações representativas, no contexto de um ordenamento jurídico que inclui uma pluralidade de fontes, estatais e não estatais, revelando-se imprescindível um estudo acerca da autonomia privada coletiva.

A noção de autonomia privada surgiu no século XX, primeiramente na esfera individual, estendida, em seguida, à esfera coletiva pelos juslaboralistas, “como manifestação do poder de criar normas jurídicas atribuído aos particulares” (SILVA, 2008: 54).

Sérgio Pinto Martins traça um breve conceito de autonomia privada, definindo-a da seguinte forma:

“poder de criar normas jurídicas pelos próprios interessados. É a manifestação de um poder de criar normas jurídicas, diversas das previstas pelo Estado e, em certos casos, complementando as normas editadas por aquele. É o poder de regular os próprios interesses.” (MARTINS, 2001: 118)

A autonomia privada coletiva visa, portanto, realizar interesse coletivo, concernente a um grupo específico, sem constituir interesse de toda a comunidade ou sociedade. Distingue-se da autonomia individual, que tem por fim a satisfação de interesse individual, pertinente a um indivíduo (SILVA, 2008).

A clássica definição de interesse coletivo de Francisco Santoro Passarelli permite uma melhor compreensão do alcance da autonomia privada coletiva:

o de uma pluralidade de pessoas por um bem idôneo apto a satisfazer uma necessidade comum. Este não é a soma dos interesses individuais, mas a sua combinação, e é indivisível, no sentido de que se satisfaz, não por muitos bens, aptos a satisfazerem necessidades individuais, mas por um único bem apto a satisfazer a necessidade da coletividade (SANTORO-PASSARELLI, 1960: 21 apud SILVA, 2008, P. 55).

Importante ainda diferenciar a autonomia privada coletiva da autonomia pública, que tem por fim a satisfação de interesses púbicos, constituindo poder atribuído aos entes públicos e aos próprios órgãos do Estado para emanar normas válidas nos seus respectivos âmbitos de competência. A autonomia privada normalmente se expressa por meio de negócios jurídicos bilaterais, enquanto a pública se concretiza em atos unilaterais da administração pública; inobstante os limites legais impostos igualmente pela lei aos dois casos, a autonomia privada pressupõe plena liberdade, no que a lei não a privar, a autonomia pública goza apenas da discricionariedade, cabendo-lhe perseguir somente os fins que lhe são impostos por lei, que não podem ser escolhidos livremente, somente entre as opções oferecidas pela lei, dispondo de uma autonomia limitada (SILVA, 2008: 56).

Amauri Mascaro Nascimento (1998: 125-126), embora entenda que ainda não foi desenvolvido um conceito exato para autonomia privada coletiva, apresenta uma concepção restrita para o termo, definindo-o como:

o poder conferido aos representantes institucionais dos grupos sociais e de trabalhadores e de empregadores de criar vínculos jurídicos regulamentadores das relações de trabalho. A negociação coletiva é seu instrumento de

concretização. Os contratos coletivos de trabalho, expressão aqui tomada no sentido genérico, são o resultado da sua elaboração, o instrumento jurídico pelo qual se expressa e corporifica-se (NASCIMENTO, 1998: 125-126).

A negociação coletiva apresenta-se como um meio rápido e eficiente para a melhoria das condições de trabalho, permitindo que os próprios interlocutores sociais, estando à frente os sindicatos, solucionem eventuais conflitos como verdadeiros entes coletivos, na busca de equilíbrio nas relações entre trabalhadores e empresários (GUNTHER, 2008: 100).

Embora o Estado adote uma posição intervencionista, por meio de leis que garantem proteção aos direitos dos trabalhadores, resta evidente que não dispõe de meios para regular minuciosamente as condições de trabalho em cada caso concreto. Ademais, o processo de elaboração das leis é mais lento e rígido que o processo negocial. Desta forma, coexistem no mesmo ordenamento jurídico normas estatais e negociais (GUNTHER, 2008: 58).

Neste tocante Dorothee Rudiger (2006), com base nos estudos de Gino Giugni e de Norberto Bobbio (1977: 24-25), ensina:

A autonomia privada coletiva é conseqüência de uma concepção política pluralista que vê na própria organização social a „noção chave da experiência jurídica‟. Mas, a existência de outros centros de produção normativa ao lado do Estado não significa que estes tenham em mãos um „[...] título de validade que

possam fazer valer contra a vontade do Estado‟ (GIUGNI, 1977: 53). Pois, uma

vez reconhecidas pelo Estado, as fontes “sociais”, “reais” ou “primárias” de

direito tornam-se “secundárias”, isto é, remontam à matriz estatal. Sancionando,

pela concessão de autonomia privada coletiva, as normas espontaneamente criadas pelos grupos, o Estado as (e)leva a uma nova condição. Embora haja autosuficiência dos diversos ordenamentos, formal e materialmente distintos, os ordenamentos jurídicos não-estatais, autorizados pela norma estatal, movimentam-se dentro dos limites do poder do Estado. (GIUGNI, 1977: 62) No contexto da globalização, e com a crescente importância das normas supra e infranacionais, o Estado Nacional perde o monopólio de promulgar normas reguladoras, ensejando uma crescente privatização da regulação jurídica, passando a exercer um papel de guia, e não mais de planificador das relações sociais. O Estado torna-se mais um ator social, representando os interesses generalizáveis, e controlando a conformidade dos procedimentos de negociação (RUDIGER, 2006: 479).

A existência de liberdade sindical, tal qual preconizada na Convenção n.° 87 da OIT, é fundamental para o desenvolvimento da autonomia privada coletiva. Quando o Estado efetivamente reconhece a autonomia privada coletiva, há uma redução do intervencionismo estatal ao mínimo indispensável, competindo-lhe a fixação de garantias mínimas ao trabalhador, permitindo, assim, que as regras e condições de trabalho sejam estabelecidas diretamente pelos próprios interessados da forma que lhes for mais conveniente e adequado (Martins, 2001: 125).

Segundo Walkure Lopes da Silva, deve-se combinar a ação do Estado e a atuação dos particulares, contrabalanceando o intervencionismo estatal com a autonomia coletiva para corrigir as distorções do mercado (SILVA, 2008: 65).

A autonomia privada coletiva, conferida a trabalhadores e empregadores para que regulem seus interesses e relações por meio da negociação coletiva constitui instrumento fundamental para regular as relações laborais, propiciar melhorias nas condições de trabalho, e, por consequência, na qualidade de vida dos trabalhadores, contribuindo para a paz e estabilidade social (OIT, 2000: 67).