• Nenhum resultado encontrado

4. ACORDOS GLOBAIS: INSTRUMENTOS CONCRETOS DE NEGOCIAÇÃO

4.2 EVOLUÇÃO QUANTITATIVA E ANÁLISE QUALITATIVA

A crescente vulnerabilidade social decorrente do processo de globalização econômica tem provocado uma tendência à cidadania corporativa responsável, abrindo- se uma janela de oportunidade que vem sendo utilizada pelos sindicatos transnacionais para impor sua nova política baseada em acordos bilaterais com empresas, que, por sua vez, têm dado importância cada vez maior às práticas de responsabilidade social corporativa (RSC). (Platzer e Rub, 2014: 6)

Na atual arquitetura da governança global, os acordos marco internacionais constituem instrumento útil, e até mesmo indispensável, para o estabelecimento de normas sociais mínimas globalmente aplicáveis em empresas que operam em âmbito internacional. (Platzer e Rub, 2014: 6)

Desde 2000, um crescente número de AMI‟s tem sido negociados no campo da RSC entre companhias multinacionais, principalmente as europeias, e as Federações de Sindicatos Internacionais do Comercio (FSI). O desenvolvimento dessa forma de regulação, visando definir padrões de trabalho para empresas, suas sucursais e às vezes seus subcontratados, é facilitada por dois elementos convergentes. Por um lado, as empresas pretendem aumentar a legitimidade e credibilidade das suas estratégias no campo da RSC pela transformação de seus compromissos unilaterais por estratégias e termos negociados. Por outro lado, os sindicatos reconhecem que tais estratégias negociadas podem complementar a existência dos instrumentos de regulação social nacional e internacional já existentes, instrumentos que são inadequados para superar os desafios da globalização (Sobczak, 2007: 115).

O quadro abaixo mostra a evolução quantitativa dos Acordos Globais de 1994 até 2012:

Fonte: Hessler, 2012: 326

Destacam-se entre os principais fatores que contribuíram para a multiplicidade de acordos globais nos últimos anos, os seguintes: a) a resposta do movimento sindical para os desafios da globalização através de uma serie de fusões em 1990-2006, de modo a conduzir a transformação das secretarias internacionais de comercio (ITS) em federações sindicais internacionais do comércio (FSI); b) o fortalecimento dos esforços de integração regional, especialmente na Europa, favorecendo a criação de um nível supranacional de representação social; c) um movimento paralelo de negociações de grupos de empregadores para negociações com empregador único. Deve ser sublinhado que embora os AMI‟s sejam instrumentos transnacionais, dizem respeito a um único empregador e não a todo um setor de atividades. d) a emergência de uma nova geração de representantes das empresas e dos trabalhadores, acostumados a um amplo quadro de práticas inovadoras sob a influência da globalização. Em particular, como a estrutura das EMN‟s modernas se tornaram cada vez mais organizadas em torno de unidades nacionais de produção globalmente integradas, tem havido uma consequente necessidade de harmonização entre os níveis nacional e global do ponto de vista tanto da empresa como dos sindicatos dos trabalhadores. (Papadakis, 2008: 6)

Importante destacar que as estratégias desenvolvidas individualmente pelas Federações Sindicais Internacionais dependem em grande medida de fatores sindicais internos. AS FSI são entidades que organizam sindicatos nacionais, que, de acordo com suas tradições e estruturas nacionais de relações laborais, têm diferentes abordagens para os acordos globais. Os sindicatos de países com relações de trabalho caracterizadas pela voluntariedade, assinaladas por conflitos (como os EUA e Grã- Bretanha) tendem a ver os acordos globais como um instrumento de organização sindical, enquanto os sindicatos de países que possuem maior tradição de diálogo social (como na Europa e, sobretudo, na Alemanha, Suécia e países baixos) vêem os acordos globais como um primeiro passo pragmático para o desenvolvimento de um relacionamento contínuo com base no diálogo com as empresas e como solução de problemas concretos no nível internacional. (Platzer e Rub, 2014: 9).

Essa posição adotada pelas entidades sindicais também reflete na distribuição territorial dos acordos globais assinados no mundo.

Distribuição territorial dos AQI: FIGURA 2

Não obstante se perceba o crescente aumento do número de acordos globais assinados no mundo, deve-se frisar que a estratégia quantitativa, inicialmente adotada pelas FSI a o fim de concluir o maior número possível de acordos globais, tem sido substituída no decorrer dos últimos anos por uma estratégia qualitativa, com maior ênfase no estabelecimento de mecanismos de aplicação eficazes. Enquanto na década de 1990 e na primeira década do novo século, o foco era atingir um número significativo de acordos, a fim de aumentar a pressão sobre as empresas relutantes e as instituições políticas, com o passar do tempo os aspectos qualitativos tornaram-se cada vez mais importantes. O aumento do teor de regulamentação dos acordos globais, conforme será demonstrado, é uma expressão dessa mudança de estratégia ocorrida nos últimos anos, ao preço de um futuro decréscimo no número de acordos celebrados. (Platzer e Rub, 2014: 10).

O conteúdo regulatório dos acordos globais foi analisado por Platzer e Rub (Platzer e Rub, 2014: 10), a partir de vários outros estudos e coleta de dados, dando forma a um panorama acerca dos principais temas abordados nos acordos já firmados:

o A grande maioria dos acordos globais compreendem as quatro normas fundamentais do trabalho da OIT. Geralmente, referem-se também a um ou mais conjuntos de regulamentos internacionais, incluindo, por exemplo, o Pacto Global, a Declaração de Direitos Humanos da ONU, ou as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais;

o Muitos acordos vão além das normas fundamentais do trabalho e também incluem temas como a proteção da saúde no local de trabalho, salários justos e formação profissional contínua;

o Quase a metade dos acordos firmados incluem cláusulas sobre as horas de trabalho e horas extras;

o A maioria dos acordos firmados incluem disposições relativas a procedimentos institucionalizados para acompanhamento do acordo e a arbitragem como meio de resolução de conflito

o Grande parte dos acordos, mas não todos, estabelecem procedimentos para comunicar o conteúdo dos acordos a fornecedores e parceiros comerciais, havendo diferenças consideráveis quanto à força vinculativa dos compromissos assumidos.

Nesse último ponto, pode ser feita uma distinção entre três diferentes abordagens. Uma abordagem consiste em o fornecedor ter sido apenas informado da existência do acordo e demonstrar a intenção de apoiar a execução dos compromissos assumidos. A segunda abordagem coloca o cumprimento do acordo como um critério para estabelecer relações de negócio. E a última consiste em impor o cumprimento dos acordos como requisito fundamental para o estabelecimento de relações comerciais, podendo ocorrer a interrupção das relações comerciais no caso de violação continuada dos compromissos assumidos. (Platzer e Rub, 2014: 10)

Hammer destaca ainda que acordos firmados em um nível mais avançado de diálogo social referem-se também a normas privadas, tais como o ISO 8000, ISSO 14001 da International Organization for Standardization ou a Declaração Conjunta sobre Responsabilidade Social Corporativa entre Euro Commerce e UNI-Europa Commerce. (HAMMER, 2008: 98)

A implementação local destes acordos é elemento fundamental para sua eficácia, e depende, por uma lado, das atividades de implementação oriundas da gestão da empresa e atuação das FSI, como a publicação do conteúdo e auditorias, e, por outro, do comportamento dos atores locais. (Platzer e Rub, 2014: 13)

Estudos realizados no Brasil, Índia, México, Turquia e EUA (Fichter et al. 2012 apud PLATZER, 2014: 13) acerca da implementação dos AMI‟s mostram o seguinte:

o Fatores setoriais específicos de cada país são importantes na implementação do quadro de termos internacionais ajustados. O trabalho infantil, por exemplo, só desempenha papel significativo na implementação de um acordo quadro internacional em setores específicos (como as indústrias têxtil e de alimentos) de certos países (como a China, Índia e Bangladesh.

o Problemas substanciais estão envolvidos na implementação de AMI‟s, dentre os quais se destaca a publicação e comunicação inadequada dos termos do acordo que impede que a informação chegue a todos os trabalhadores, entidades sindicais e gestão das filiais das empresas; (b) mesmo havendo satisfatória divulgação do AMI, muitas vezes os atores locais não estão conscientes das possibilidades que existem para a aplicação do acordo; (c) a execução dos AMI‟s pode ser dificultada pelos sindicatos laborais ou gestão local das empresas, como ocorreu na Turquia e México, onde os sindicatos laborais obstaram a implementação do acordo, a fim de garantir o seu estatuto privilegiado sindical nas fábricas. Em outros casos, a administração local ou nacional das empresas tem impedido a implementação de um AMI, simplesmente ignorando as disposições que ele contém; (d) a implementação de um AMI na cadeia de fornecedores pode ser particularmente difícil, esbarrando, em algumas situações, em barreiras intransponíveis, quando estas cadeias tornam-se muito complexas, envolvendo empresas terceirizadas que muitas vezes não possuem qualquer canal de comunicação com a empresa signatária do AMI.

o Os acordos quadro internacionais tem gerado impacto na relações trabalhistas no âmbito das empresas transnacionais. Mesmo que sua implementação, muitas vezes, ainda ocorra de forma inconsistente ou seletiva, limitada a providências específicas. Um caso que merece destaque, como exemplo de implementação de AMI, é o firmado pela Faber Castell. Neste caso, o cumprimento das disposições do acordo é monitorado por meio de um sistema de três fases. Na primeira fase, checklists sociais são usados para que a gestão local em todos os estabelecimentos da empresa possam informar regularmente a gestão central da empresa quanto à implementação e observação dos AMI‟s. Na segunda fase os representantes da gestão central e os

responsáveis pelo controle de qualidade da empresa cooperam com a realização de auditorias internas nos diversos estabelecimentos da Faber Castell espalhados pelo mundo. Na terceira fase, todos os estabelecimentos da Faber Castell são inspecionados a cada dois anos por uma comissão de acompanhamento composta por dois representantes da gestão local e da gestão central da empresa e representantes da força laboral e sindical. O objetivo é verificar o resultado das auditorias internas e a aplicação do acordo global. (Fichter et ai 2012; Hessler 2012 apud PLATZER, 2014: 13)

Há, portanto, um crescente aumento quantitativo e qualitativo no desenvolvimento dos acordos globais. Ainda existem muitas dificuldades, principalmente em sua implementação e acompanhamento. No entanto, novos e eficientes mecanismos têm sido desenvolvidos por empresas transnacionais socialmente responsáveis para garantir o cumprimento destes acordos e lhes conferir maior efetividade, promovendo, assim, uma contribuição para a melhoria das relações laborais no âmbito mundial.

4.3. DIMENSÃO LEGAL E AVALIAÇÃO DO IMPACTO DOS ACORDOS GLOBAIS