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A produção cultural audiovisual brasileira tem aumentado consideravelmente. Diversos gêneros circulam na esfera televisiva oferecendo ao telespectador diferentes possibilidades de entretenimento e divertimento por meio das programações apresentadas pelas redes concessionárias de televisão. No total, são seis as principais emissoras que exibem abertamente sua programação no território nacional: Rede Globo, Rede Record, SBT, Rede Bandeirantes, Rede TV! e MTV Brasil.

Rezende (2000), afirma que em toda parte do mundo a televisão divide com outros meios de comunicação e lazer como a internet, cinema e rádio, a preferência do público. Porém, no Brasil a televisão não é apenas um veículo nacional de comunicação, “ela desfruta de um prestígio tão considerado que assume a condição de única via de acesso às notícias e ao entretenimento para grande parte da população” (p. 23).

O público alcançado pela televisão brasileira é tão diverso quanto a sua programação. Torres e Mazzoni (2006) afirmam que:

Há de se considerar que a mensagem transmitida pela televisão atinge a público heterogêneo, tanto em características pessoais (escolaridade, idade, preferências, limitações orgânicas etc.), quanto em termos das condições ambientais de captação dessa mensagem. (p. 75)

Dentre a heterogeneidade do público alcançado pela mídia televisiva brasileira encontram-se as pessoas com deficiência que, segundo o censo demográfico efetuado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE no ano 2000, correspondem a 14,7% da população nacional. Desse total, aproximadamente, seis milhões de pessoas possuem limitações parciais e/ou totais da audição.

No entanto, essa parcela constituinte da heterogeneidade do público alcançado pela televisão brasileira não partilha do prestígio desse meio de comunicação e de seu conteúdo audiovisual, devido à ausência de recursos efetivos de acessibilidade. Os surdos, enquanto telespectadores impossibilitados de apreensão das informações por meio da audição, ficam em parte de fora no que tange ao acesso à transmissão da cultura audiovisual.

Para Torres e Mazzoni (2006) é necessário, antes de se lograr a acessibilidade nos meios de comunicação, observar se, inicialmente, esses serviços realmente foram desenhados para todos. Os autores afirmam que para a informação transmitida pela esfera televisiva alcançar, realmente, a todos, principalmente as pessoas com deficiência, deve ser aplicado o princípio da redundância:

O princípio da redundância, neste contexto, estabelece que informação acessível é aquela que pode ser captada de forma

multissensorial. Como desdobramento do princípio da redundância, surgiram algumas regras práticas para a transformação da informação, objetivando que aquilo que é captado por um sentido possa ser compreendido também por outros sentidos. As técnicas utilizadas para a obtenção da redundância são aplicáveis tanto aos programas gravados, quanto àqueles outros transmitidos em tempo real (ao vivo) e podem ser aplicadas à maior parte dos programas transmitidos, tais como noticiários, propagandas, filmes, novelas e entrevistas. (p. 77)

Esse princípio prevê que diferentes sistemas de códigos e sinais, que proporcionam a acessibilidade, sejam utilizados concomitantemente na mídia televisiva: a) a audiodescrição, que é a descrição em áudio de forma sucinta para transmitir o que não pode ser apreendido pela visão, proporcionando uma descrição narrativa dos elementos visuais principais das cenas, vestuários, ações, mudanças de cenário, etc.; b) transmissão por linguagem gestual, em que o conteúdo transmitido pela televisão é interpretado para a língua de sinais; e c) sistema de legendagem, em que o conteúdo é transcrito na língua pátria e transmitida em sinal fechado, o qual pode ser captado nos aparelhos receptores que possuem essa opção, conhecida como tecla CC – closed caption (TORRES e MAZZONI, 2006).

Devido a tecnologia existente atualmente, esses recursos de acessibilidade podem ser aplicados sem grandes barreiras, principalmente com a inauguração da TV Digital que permite a inserção e execução dessas tecnologias facilmente. No entanto, existem outras motivações que levam as emissoras brasileiras a não utilizarem o princípio da redundância. Nesse sentido, Torres e Mazzoni (2006) ainda afirmam:

As tecnologias atuais permitem que haja bom nível de acessibilidade nas informações transmitidas via televisão, mas foi constatado que isso ainda não ocorre na televisão brasileira. Isso pode ser devido a um conjunto de razões que inclui a ausência de normas disciplinadoras, a existência de tendências estéticas dominantes e, até mesmo, a timidez das reivindicações que têm sido apresentadas neste sentido. (p. 77).

A inserção desses recursos de acessibilidade, concomitantemente, possibilitaria aos telespectadores que não podem, por razões biológicas, ter acesso à programação da televisão brasileira em sua totalidade, um acesso pleno, ultrapassando o limite da própria deficiência. A inserção do princípio da redundância

na mídia televisiva colaboraria para a compreensão, por exemplo, dos elementos componentes em uma notícia, no caso de uma transmissão telejornalística, visto que:

[...] nem é só a imagem que expõe o fato, nem é apenas o texto que emite a informação telejornalística, nem é unicamente o som que comunica os acontecimentos. Pelo contrário, a combinação de cada elemento que pode ser utilizado para se comunicar uma notícia é o que realmente atua como aglutinador dos mecanismos de transmissão dos conteúdos jornalísticos (SOUZA, 2006. s/p.).

No que diz respeito a acessibilidade específica para pessoas surdas e com deficiência auditiva, dois, dos três principais sistemas tecnológicos apontados por Torres e Mazzoni (2006) – closed caption, audiodescrição e janela de libras – possibilitam a compreensão do conteúdo transmitido na mídia televisiva: o sistema de legendagem, ou closed caption, e a interpretação do conteúdo em língua de sinais. Segundo a publicação do Ministério da Justiça, A Classificação Indicativa na Língua Brasileira de Sinais (2009), são essas as duas ferramentas essenciais que possibilitam aos surdos o acesso à televisão.

Atualmente, o recurso de acessibilidade utilizado pelas redes concessionárias de televisão para surdos e pessoas com deficiência auditiva é o closed caption. Porém, Franco (2006) aponta para as problemáticas existentes nesse recurso utilizado atualmente afirmando que as políticas de produção audiovisual têm sido pretensiosas e protecionistas, visto que são apenas alguns programas de uma emissora na televisão brasileira que disponibiliza esse recurso, determinando o que os surdos e deficientes auditivos devem e/ou podem assistir.

Souza (2006), afirma que “quando um surdo se coloca diante da TV para assistir a um telejornal e se depara com a legenda de closed caption, ele está assistindo a exibição dos fatos telejornalísticos em um código linguístico diferente daquele que normalmente utiliza” (s/p).

Com o objetivo de proporcionar a essa população, e a outras pessoas com outras limitações sensoriais como, por exemplo, os cegos, o acesso efetivo às programações veiculadas por meio da mídia televisiva, uma política legislativa em prol da acessibilidade nos meios de comunicação de massa tem sido elaborada e aprovada.

A legislação vigente que prevê e determina a adaptação das diversas instâncias sociais para inclusão dos surdos e para o acesso igualitário às informações e produção de conhecimento, destaca os meios de comunicação de massa, em especial a mídia televisiva, enquanto instâncias sociais que necessitam adaptar-se para promover o acesso às pessoas com deficiências sensoriais.

O decreto 5.296 de 2 de dezembro de 2004 que regulamenta a lei de acessibilidade, 10.098/00, prevê detalhadamente acessibilidade em todas os âmbitos da sociedade, garantindo o atendimento prioritário ao surdo através da intermediação realizada por intérpretes de libras ou pessoas capacitadas nessa língua. Esse decreto também determina a inserção de uma “janela com intérprete de libras” para o acesso à informação e comunicação considerando o TILSP como o profissional que dará ao telespectador surdo o acesso à informação.

A portaria 310 de 27 de junho de 2006 do Ministério das Comunicações aponta recursos de acessibilidade na televisão para pessoas com deficiência visual e auditiva, dentre os quais se encontra o TILSP que é considerado canal de mediação entre surdos e ouvintes.

A norma de acessibilidade na televisão – NBR 15.290 – estabelecida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelece parâmetros técnicos para a captação e edição da imagem do TILSP, porém os aspectos da prática interpretativa na esfera televisiva, e nos diferentes gêneros que compõem essa esfera, não são abordados nesses documentos necessitando de olhares e pesquisas que delineiem a prática do TILSP, contribuindo para a formação de profissionais que atuem nesse campo.

O TILSP, por sua vez, sendo o profissional apontado pela legislação como a ponte de acesso dos surdos à informação veiculada na esfera televisiva, deve ater- se à variedade de gêneros discursivos que circulam nessa esfera atentando-se para as peculiaridades de cada um, analisando a totalidade verbo-visual, considerando os aspectos linguísticos e extralinguísticos, que influenciam e/ou interferem no processo tradutório/interpretativo. No entanto, para que todos esses aspectos sejam considerados pelo TILSP no ato tradutório/interpretativo, faz-se necessário uma formação que abranja esses aspectos, além de outros, para a construção de uma prática efetiva.

Os atuais estudos e pesquisas, que estão investigando a atuação do TILSP, têm concentrado seus focos em contextos educacionais e acadêmicos, deixando de observar outras esferas possíveis de atuação desse profissional que são abertas devido a crescente discussão sobre a inclusão social de pessoas com deficiência, e as práticas de inclusão em si, que permitem que essas pessoas exerçam plenamente a sua cidadania.

A esfera televisiva, como apontamos nesse item, é um campo possível e legítimo de atuação para este profissional que será alcançado na medida em que a comunidade surda reivindicar seus direitos de acesso à comunicação e fazer valer o que é determinado pela lei.

A acessibilidade na mídia televisiva deixará de existir no plano legislativo e passará a ser realidade quando as emissoras de televisão enxergarem as pessoas com deficiência, tanto surdos como cegos, como um público em potencial que faz parte da população brasileira e que tem direito de participar, como cidadãos, da produção cultural audiovisual, estendendo esse acesso não somente aos telejornais, mas também a toda e qualquer programação produzida nessa esfera.

Diferente do que tem acontecido na esfera educacional, em que os TILSP são contratados para atuação sem formação e preparação prévia para lidar com a complexidade da esfera e das práticas discursivas que nela são produzidas, impulsionados pela demanda desenfreada de inclusão instaurada pelas políticas orientadas por documentos nacionais e internacionais, é possível preparar e formar esses profissionais para atuar na esfera televisiva, previamente, visto que essa esfera, devido aos fatores apontados nesse capítulo, ainda é um campo de atuação a ser alcançado.

No entanto, quando esse alcance ocorrer será necessário profissionais que saibam lidar, mesmo que basicamente, com as condições de produção discursivas da esfera televisiva, especialmente no gênero jornalístico, para verter os discursos que nela circulam com autonomia e propriedade, produzindo sentidos e transmitindo a produção cultural audiovisual brasileira.