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ACESSO À JURISDIÇÃO E AO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

O princípio constitucional do acesso à jurisdição como forma de garantir não só a apreciação do Direito interno como também as normas de Direito Internacional pelo judiciário brasileiro, por meio da atividade jurisdicional, tem previsão no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, dispondo que a Lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça ao direito. Isso significa que os tratados de direito internacional de proteção aos Direitos Humanos serão apreciados pelo judiciário, quando houver lesão ou ameaça ao direito. Segundo os autores Jahyr Bichara e Valério Mazzuoli, o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal deixa claro que os juízes de todas as instâncias estão incumbidos do dever de examinar todos os casos que lhe sejam apresentados, desde que se trate de situação em que um direito tenha sido maculado ou esteja sob o risco de sê-lo. Assim, o poder judiciário nunca deve declinar do seu mister, deve estar sempre voltado à prestação da tutela jurisdicional121.

O direito à alimentação é fundamental e deve ser resguardado pelo Estado. Nesse sentido, no que se refere ao DHAA, é matéria constitucional que deve ser resguardada pela

120 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA. Cadernos de

Trabalho sobre o Direito à Alimentação. O direito à alimentação no quadro internacional dos direitos humanos e nas Constituições. v. 1. Espanha: Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, 2014. Disponível em: http://www.fao.org/right-to-food/resources/rtf-handbooks/pt//. Acesso em: 6 mar. 2019. p. 11.

121 MAZZUOLI, Valério de Oliveira; BICHARA, Jahyr-Philippe. O judiciário Brasileiro e o Direito

atividade jurisdicional. Os direitos econômicos, sociais e culturais também têm previsão no artigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, quando determina um desenvolvimento progressivo. Nesse processo, os Estados-partes comprometem-se de adotar as providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, principalmente econômica e técnica, com fins de alcançar, progressivamente, a plena efetividade dos direitos que estão disciplinados pelas normas econômicas, sociais, educacionais, científicas e culturais, constantes da carta da Organização dos Estados Americanos – OEA, na medida dos recursos disponíveis pela via legislativa ou por outros meios.

Em complementação à proteção regional dos Direitos Humanos por meio do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, os direitos econômicos, sociais e culturais tiveram a proteção específica, por meio do Protocolo de San Salvador, adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no que tange à proteção aos direitos sociais. Por seu turno, a alimentação, como um direito humano fundamental, tem a disciplina no artigo 12 do Protocolo de San Salvador, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto Lei Nº 3.321, de 30 de dezembro do ano de 1999, dispondo que toda pessoa tem direito a uma nutrição adequada que assegure a possibilidade de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico, emocional e intelectual.

O Brasil estabeleceu, por meio dos dispositivos constitucionais, a aplicação dos Tratados de Proteção Internacional aos Direitos Humanos, com base em atividades legislativas, administrativas e atividade jurisdicional. Os direitos humanos e a proteção constitucional encontram a previsão por meio do artigo 1º, inciso III da Constituição Federal quando determina que a República Federativa do Brasil tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana. O artigo 4º, inciso II, dispõe ainda que a República Federativa do Brasil rege-se, nas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos.

Nesse sentido, os autores Jahyr Bichara e Valério Mazzuoli pontuam que o Estado brasileiro, com a adoção da Constituição de 1988, firmou o compromisso com a proteção dos direitos humanos no cenário internacional. Assim, a sujeição do Estado brasileiro às normas protetivas da dignidade da pessoa humana corresponde a um alinhamento ao parâmetro internacional que exige que os Estados garantam a tutela dos direitos humanos fundamentais em seus territórios122. Nesse sentido, o DHAA, quando violado, deve ser submetido à atividade

122 MAZZUOLI, Valério de Oliveira; BICHARA, Jahyr-Philippe. O judiciário Brasileiro e o Direito

jurisdicional, com fins de que o direito seja garantido. O Estado brasileiro, por seu turno, torna- se obrigado a garantir a tutela desse direito humano.

Com relação à proteção aos direitos humanos no contexto social, importante fazer uma análise quanto à proteção e à aplicabilidade imediata por meio de uma análise histórica que trabalha o surgimento dos Tratados de Proteção aos Direitos Humanos. Segundo Cançado Trindade, a proteção aos direitos sociais tem a importância destacada no cenário atual de proteção aos direitos humanos, no sentido de que aqueles merecem um amparo mais eficaz, em função da implementação internacional ter sido negligenciada em decorrência da prevalência da proteção aos direitos civis e políticos, considerados de primeira dimensão. Essa negligência aos direitos sociais ocasionou a deterioração das condições de vida de vastos segmentos da população em vários países123.

Os direitos do ser humano abrangem não só a liberdade de estabelecer relações jurídicas e ter uma representatividade e defender os interesses perante o Estado – ou seja, direitos referentes às liberdades individuais – mas também o Estado deve prover esse indivíduo, resguardando-lhe os direitos por meio das dimensões de liberdade e assistência. Significa dizer que os direitos civis e políticos se completam com os sociais, na garantia dos direitos humanos. Por isso, a pertinência da defesa desses direitos sociais por meio da atividade jurisdicional.

Segundo Cançado Trindade, a distinção das duas categorias de direitos humanos – civis e políticos e sociais – deu-se a partir da elaboração de dois tratados. A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1951, elaborou dois Pactos Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos, adotados no ano de 1966, voltados a duas categorias de direitos, por meio de medidas de implementação distintas, contemplando conjuntamente a Declaração Universal, de 1948, a conhecida Carta Internacional dos Direitos Humanos124. Nessa perspectiva, os direitos civis e políticos teriam aplicação imediata, requerendo abstenção do Estado; já os direitos econômicos, sociais e culturais eram passíveis de aplicação apenas progressiva, requerendo obrigações positivas do Estado. Em suma, o imediatismo estava presente na eficácia dos direitos civis e políticos125.

123 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. 1.

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p. 446.

124 Ibid, p. 446.

125 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. 1.

Importante observar, entretanto, que os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais protegem o indivíduo, resguardando os direitos humanos. Além disso, a aplicabilidade dos direitos civis e políticos pode se dar de forma gradual, do mesmo modo que os direitos econômicos, sociais e culturais podem ter a necessidade de implementação imediata. Ou seja, é uma dicotomia que se apresenta, mas que não deve ter uma realidade inflexível. Ademais, os direitos de liberdade e os direitos sociais resguardam os direitos humanos fundamentais. Quanto aos direitos de liberdade, estes só serão exercidos na medida em que os direitos econômicos, sociais e culturais também forem concretizados.

É assim que se manifesta Cançado Trindade, quando afirma que as diferenças de implementação dos direitos civis e políticos, de um lado, e dos direitos econômicos, sociais e culturais, do outro, não se estabeleciam por meio de um caráter absoluto, pois o Pacto de Direitos Civis e Políticos também prevê a possibilidade de uma realização progressiva de certos direitos. Desse modo, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também pode apresentar dispositivos suscetíveis de aplicação em curto prazo, como, por exemplo, o DHAA, garantindo o mínimo existencial. Cançado Trindade também cita John Humphrey quando este afirma que, sem os direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos teriam pouco sentido para a maioria das pessoas, pois todos fazem parte da esfera única de direitos humanos126.

Da presente análise se extrai que os direitos sociais merecem a implementação de forma a resguardar os direitos humanos, posto serem importantes e essenciais, assim como os direitos que garantem as liberdades individuais, que também demandam ações do Estado, por meio de prestações positivas. Nesse sentido, além do aparato legislativo pelas normas nacionais e internacionais ratificadas pelo Brasil no que diz respeito à proteção ao DHAA e à atividade administrativa do Estado, a partir de políticas públicas, importante tratar de sua concretização por meio da atividade jurisdicional e da justiciabilidade da garantia do direito ao mínimo existencial, à alimentação, para que os outros direitos humanos sejam resguardados.

A atividade jurisdicional na garantia e na proteção aos direitos humanos, além de consagrar a efetividade desses direitos, quando o Estado falha na atividade legislativa e administrativa, promove de fato a sua concretização, garantindo ao indivíduo a via de ação pelo princípio constitucional do acesso à jurisdição, em casos de violação, nos âmbitos nacional e internacional. Nesse sentido, Mariana de Araújo Ferraz dispõe sobre a judicialização das

obrigações do Estado em respeitar, proteger, promover e prover o Direito Humano à Alimentação Adequada, obrigações trabalhadas pela ONU. Nessa direção, ela exemplifica que ao Estado cabe promover e prover o direito humano à alimentação, o que está, muitas vezes, associado ao destino de recursos orçamentários, em função de situações que buscam ações de justiça pelo Estado, para garantir, por exemplo, o provimento de um mínimo existencial, tendo como objetivo básico a proteção ao abrigo da fome, que a autora apresenta como núcleo duro da alimentação. A autora destaca a necessidade de um controle de implementação de políticas públicas já efetuadas pelo poder público, ou até mesmo pelo controle de apropriação e de razoabilidade das políticas que visem resguardar o DHAA127.

No que diz respeito ao acesso à jurisdição como forma de garantir o DHAA, pode ser citado como exemplo o caso do Tribunal Federal da 5º Região, Processo N° 08040175120184058500 – julgado pela 4º turma, em 31 de julho de 2019, de relatoria do desembargador federal Manoel Erhardt – que, em apelação interposta pela União e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, trata da reforma da sentença que julgou procedente o pedido autoral para determinar aos réus que retirem a condição de inadimplência do município autor em relação ao PNAE de 2010. Com base na Súmula 615 do STJ, não pode ocorrer a permanência da inscrição do município em cadastros restritivos fundada em irregularidades cometidas pela gestão anterior. Nesse sentido, a partir da decisão judicial, foi suspensa a condição de inadimplência do município com fins de que este continue a receber transferências pecuniárias relativas ao Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE128. Com relação ao direito à alimentação, devemos considerar também que a reserva do possível não deve ser utilizada como entrave ou obstáculo para a garantia do mínimo existencial, que é o direito à alimentação, posto ser um direito basilar. Em função dessa realidade, é imprescindível reconhecer o direito social mínimo e fundamental à alimentação por meio da proteção jurisdicional.

Cançado Trindade traz a análise da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs Nicaragua. A decisão protegeu os direitos da comunidade indígena em comento, declarando o direito comunal

127 FERRAZ, Mariana de Araújo. Direito Humano à Alimentação e Sustentabilidade no sistema alimentar.

São Paulo: Paulinas, 2017. p. 244.

128 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. 5ª região. TRF5. AC 494114-PE. Jusbrasil, 23 out. 2008. Disponível

em: https://trf-5.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23512793/ac-apelacao-civel-ac-200983020017756-trf5/inteiro- teor-111735638. Acesso em: 24 jun. 2019.

da tribo as terras, com base no artigo 21 da Convenção Americana. As audiências que ocorreram na corte e culminaram na sentença reconheceram o direito consuetudinário da tribo as terras em questão, demarcando-as e emitindo títulos129. O referido artigo trata do direito à propriedade privada, que é um direito humano garantido, no entanto, estabelece que essa propriedade privada deve atender a função social.

A sentença em comento, que data de 23 de agosto de 2001, permite perceber que a Corte Interamericana, por meio da atividade jurisdicional de proteção aos direitos humanos, supriu a obrigação do Estado da Nicarágua em proteger o Direito Humano à Alimentação Adequada, fazendo uma interpretação, no sentido de resguardar a terra da tribo Mayagna Awas Tingni, proporcionando o acesso dos indivíduos a tradições, à cultura, bem como à possibilidade de ter o resguardo do DHAA. É a partir do acesso a terra que a tribo indígena terá o DHAA preservado, produzindo o próprio alimento e estabelecendo os hábitos alimentares próprios, além de manter a sua cultura, pela via do trabalho, adquirindo renda e moradia, cumprindo, dessa forma, a função social que a propriedade deve atender. Desse modo, torna-se possível resguardar a segurança alimentar e nutricional da comunidade.

O acesso à jurisdição como forma de atender o Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil foi também determinado pela decisão do Tribunal Regional Federal da 5º Região, Apelação Cível Nº 494114-PE (2009.83.02.001775-6), julgada em março de 2010, publicada em 27 de maio de 2010, acórdão que teve como relator o desembargador federal, Leonardo Resende Martins. Por decisão do Tribunal Federal, acordando os desembargadores federais por unanimidade, foi proferida medida cautelar incidental de aresto proposta contra a Funai, bloqueando valores do orçamento da Fundação Nacional do Índio, com fins de assistir aos índios de etnia XUKURU, que foram expulsos das aldeias em 07 de fevereiro do ano de 2003, de acordo com os relatórios de antropólogas da Funai, migrando para as cidades em situação de extrema vulnerabilidade.

Consoante sentença transitada em julgado, a Funai estava obrigada a prover esses índios com cestas básicas e pagamentos de aluguéis para garantir o direito à alimentação e à moradia. A decisão tentou reverter a ausência da assistência aos índios por parte da Funai130. O

129 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. 1.

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p. 466.

130 TRF5. AC 494114-PE. Ementa: Processual Civil. Arresto. Pedido de bloqueio de verbas públicas. Aquisição

de cestas básicas e pagamento de aluguéis. Índios. Direito à alimentação e à moradia. Extrema vulnerabilidade sócio-econômica dos interessados. Urgência. Possibilidade jurídica do pedido. Presença de interesse processual. apelação provida. Reforma da sentença que indeferiu liminarmente a petição inicial. Prosseguimento do feito. I -

bloqueio das verbas públicas em comento foi uma medida de urgência e excepcional, com fins de garantir a continuidade do direito à alimentação e de moradia aos índios, buscando resguardar a dignidade da pessoa humana. Nas decisões judiciais, os princípios constitucionais devem passar por uma ponderação de valores. Os referidos índios estavam em estado de penúria. O bloqueio de verbas públicas, com fins de resguardar direitos mínimos à alimentação e à moradia, no caso em tela, coaduna-se com a garantia dos direitos fundamentais de assistência à saúde. Tal justificativa foi apresentada para embasar a decisão, à jurisprudência farta quanto ao bloqueio de verbas públicas para a assistência à saúde por parte do Estado. São os direitos fundamentais constitucionais que estão sendo preservados, como o de alimentação adequada, previsto nos diplomas internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Outro caso emblemático de acesso aos direitos sociais essenciais mínimos, de garantia do acesso a terra, à alimentação, ao trabalho, à preservação cultural e à dignidade da pessoa humana foi o julgamento da demarcação da terra indígena, Serra Raposa do Sol, no Estado de Roraima. O Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF julgou, no dia 23 de outubro do ano de 2003, a validade das salvaguardas que mantiveram a demarcação contínua da terra indígena Serra Raposa do Sol. Os índios, a partir da decisão, podem realizar formas tradicionais de extrativismo mineral, com fins de utilização imediata, ficando o garimpo e a atividade de faiscação com fins comerciais sujeitos à autorização da União, por meio do Congresso Nacional131.

A jurisprudência pátria, no exercício da missão de compatibilizar os princípios constitucionais, tem aberto exceções à regra do art. 100 da CF/88 e do art. 730 do CPC, admitindo em determinadas circunstâncias, com base num juízo de ponderação, a possibilidade de bloqueio de recursos públicos com vistas a satisfazer obrigação de pagar indispensável à concretização de direitos fundamentais do cidadão.Precedentes do STJ e do STF. II - Se os Tribunais Superiores, inclusive o STF, que exerce o mister de guardião-mor da Constituição , autoriza o bloqueio de valores para assegurar o fornecimento de medicamentos ou tratamentos médicos "como meio de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde", pela mesma razão se revela possível a adoção de medida no presente caso, em que se postula o cumprimento de obrigação, pela Funai, de entrega de cestas básicas e de pagamento de aluguéis aos apelantes. Os direitos à alimentação e à moradia vinculam-se igualmente aos direitos à vida e à dignidade, revelando-se essenciais à sobrevivência digna dos cidadãos. São, portanto, tão fundamentais quanto o direito à saúde. III - Vale ressaltar que os índios mereceram tratamento especial do Constituinte, que lhe dedicou um capítulo inteiro na CF/88 (Capítulo VIII do Título VIII - art. 231 e 232). No presente caso, os apelantes ostentam posição de grave vulnerabilidade socioeconômica, vez que foram expulsos de suas casas e aldeias por outros índios. Em outras palavras, foram excluídos pelos próprios excluídos, o que os situa na periferia da periferia. Disponível em: https://trf-5.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23512793/ac- apelacao-civel-ac-200983020017756-trf5/inteiro-teor-111735638. Acesso em: 2 jun. 2019.

131 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário mantém condições fixadas no caso Raposa Serra do Sol.

Notícias do STF, 23 out. 2013. Disponível em:

O litígio que envolveu a área de demarcação no Estado de Roraima diz respeito aos direitos dos índios e dos produtores rurais que tinham os títulos das terras onde plantavam e movimentavam a economia local. A justiça reconheceu o direito das comunidades indígenas, posto que a área abrigava 194 comunidades indígenas, com uma população com cerca de 19 mil índios dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana.132

O Estado brasileiro, nas duas decisões apresentadas, quanto à garantia do acesso à alimentação, à moradia, e à terra aos índios no Estado de Pernambuco, no tocante ao bloqueio de contas públicas, com fins de acesso ao pagamento de aluguéis e cestas básicas; e no Estado de Roraima, na demarcação das terras indígenas, atendeu as obrigações de respeitar, proteger, promover e prover o direito humano à alimentação. Além disso, atendeu os preceitos constitucionais na garantia dos direitos fundamentais sociais, cumprindo com a proteção aos direitos fundamentais e humanos, previstos nos Tratados Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos, por meio da atividade jurisdicional, declarando os direitos subjetivos ao mínimo existencial destinados aos grupos em comento, reconhecidamente vulneráveis.

Nesse sentido, importante também pontuar e esclarecer que os direitos humanos serão realmente protegidos e garantidos a partir de uma perspectiva única, ou seja, cada direito humano específico está relacionado a outro, de igual relevância, como, por exemplo, o direito à alimentação está relacionado ao direito à liberdade, à educação, à saúde, à moradia, entre outros. Em função dessa análise, vale considerar a importância da justiciabilidade na garantia dos direitos humanos, em especial, o DHAA, para que esse direito seja reconhecido tanto por meio da atividade jurisdicional exercida internamente pelo Estado como pela atividade jurisdicional.

A fome atinge os grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social. O Estado, por meio de políticas públicas, deverá resguardar o direito social à alimentação. Entretanto, a deficiência na assistência pública dos direitos sociais justifica a atividade jurisdicional na garantia desses direitos. Assim, a justiciabilidade em relação ao DHAA será mais uma forma de fazer cumprir as obrigações do Estado a fim de garantir o direito à alimentação. É obrigação do Estado a proteção de grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social, de estarem ao abrigo da fome, tanto em contexto nacional como internacional. Essas obrigações partem da

132SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Raposa Serra do Sol: Entenda o Caso. Notícias do STF, 27 ago. 2008.

Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=95026. Acesso em: 13 jun. 2019.

exigência legislativa que o Estado assumiu na proteção aos direitos humanos, em especial, o