• Nenhum resultado encontrado

DIREITO SOCIAL à ALIMENTAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O direito à alimentação adequada é social, sendo acrescido ao artigo 6º da Constituição por meio da Emenda Constitucional Nº 64 no ano de 2010, mesmo após a adesão pelo país, ao PIDESC, desde a década de 1990. A esse respeito, José Afonso da Silva analisa que a ordem social e a econômica tiveram as suas dimensões jurídicas alcançadas quando as constituições passaram a disciplinar os direitos sociais, no texto normativo, a exemplo de uma das primeiras constituições, a mexicana, de 1917. No Brasil, a primeira Constituição a tratar do tema foi a de 1934, ao abordar os direitos econômicos e sociais, visto ter sido influenciada, também, pela Constituição Alemã de Weimar de 191956.

Por sua vez, a Constituição de 1988 vem disciplinando os direitos sociais em um capítulo próprio, determinando, entre os direitos sociais, o direito à alimentação. Entretanto, os direitos sociais na Constituição não podem ser percebidos totalmente desvinculados do direito econômico, tendo em vista que os direitos econômicos vão ser o caminho de implementação desses direitos, inclusive para os grupos mais vulneráveis, por meio de uma previsão orçamentária do Estado. Vale ressaltar que os direitos econômicos possuem uma dimensão institucional, enquanto que os direitos sociais possuem uma dimensão de tutela pessoal, uma vez que estabelecem situações subjetivas pessoais ou de grupos de caráter concreto57.

O direito social à alimentação adequada é considerado fundamental e, como tal, necessita de um aparato econômico de agenda, com fins de estabelecê-lo e concretizá-lo. Ele pode se classificar como um direito ao mínimo existencial do indivíduo, entre os que atuam em uma dimensão para tutelar o sujeito, na perspectiva individual ou em grupos. Nessa abordagem, os direitos econômicos podem ser considerados como os pressupostos da própria concretização dos sociais, pois, sem um planejamento orçamentário, a democracia do acesso aos direitos sociais para os grupos mais vulneráveis não será possível58.

Diante dessa realidade, o Estado, por meio da economia e de políticas públicas, deve viabilizar a concretização dos direitos sociais para os grupos vulneráveis de pessoas que, por toda uma análise histórica e social, necessitam para a emancipação, como indivíduo, que o Estado destine o orçamento necessário com fins de resguardar o Direito Humano à Alimentação Adequada, estabelecendo a segurança alimentar e nutricional. Esses direitos podem ser

56 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,

2014. p. 287.

57 Ibid, p. 288. 58 Ibid, p. 288.

considerados como dimensão dos direitos fundamentais. Eles são as prestações positivas oportunizadas pelo Estado, que serão realizadas direta ou indiretamente e que terão previsão constitucional, buscando, para tanto, equalizar situações sociais de desigualdade. Esse seria o gozo dos direitos individuais por meio da criação de condições que determinem ou concretizem a igualdade material ou real. Essa realidade pode ser considerada como o pressuposto para o exercício da liberdade dos indivíduos59.

Entretanto, mesmo com a previsão normativa constitucional, percebe-se que o acesso ao direito social à alimentação não se estende a todos os brasileiros, principalmente a uma grande parcela da população que vive em situação de pobreza extrema. Esse acesso aos alimentos ainda permeia outro ambiente, o do acesso não só a produtos mas também a uma alimentação adequada, apresentando nutrientes indispensáveis, bem como buscando o resguardo à saúde do indivíduo.

Os direitos econômicos, sociais e culturais são obrigação do Estado e devem ser implementados, mas outra problemática a ser observada é a aplicação desse direito fundamental à alimentação, considerando se teria a aplicação imediata ou a eficácia limitada. A análise em comento busca demonstrar a importância da aplicação imediata dos direitos sociais de segunda dimensão, como a alimentação, que é um direito fundamental, e deve ser garantido, bem como outros direitos fundamentais de aplicação imediata, a grupos de pessoas vulneráveis.

O limite orçamentário não deve ser o embasamento econômico nem político para que o direito social à alimentação deixe de ser garantido. Segundo Uadi Lammêgo Bulos, os direitos sociais são as liberdades públicas que tutelam os menos favorecidos, buscando proporcionar o ideal de igualdade. Assim, sendo eles considerados direitos que beneficiam os hipossuficientes, podem ser considerados direitos de crédito, pois envolvem poderes de exigir os sociais a partir de prestações positivas de obrigação do Estado60.

Nesse sentido, os direitos sociais podem ser classificados como normas jurídicas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, em função da sua importância. Tais normas incidem diretamente sobre os interesses a que o constituinte resolveu dar expressão normativa. São de aplicabilidade imediata porque são dotadas de todos os meios e elementos necessários a sua executoriedade, ou seja, são normas autoaplicáveis. Quanto às condições de aplicabilidade,

59 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,

2014. p. 288-289.

60 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p.

estas demandam aparato jurisdicional, de Estado e dos órgãos61. Esses direitos demandam prestações do Estado, mas também possuem eficácia e aplicabilidade garantidas, sendo autoexecutáveis, pois o poder constituinte trouxe essa previsão por meio do caráter normativo. Os direitos sociais podem ser considerados direitos prestacionais por parte do Estado, diferentemente dos civis, que são protetores das liberdades. Segundo Sarlet, ambos são direitos fundamentais. Ele também afirma que, por menor que seja a densidade normativa constitucional, os direitos fundamentais prestacionais sempre estarão aptos a gerar o mínimo de efeitos jurídicos, sendo, na medida de sua aptidão, diretamente aplicáveis à regra geral de que inexiste norma constitucional destituída de eficácia e aplicabilidade62.

O direito à alimentação demanda do Estado prestações imediatas, buscando resguardar o direito ao mínimo existencial. Por conseguinte, o Congresso Nacional, quando aprovou o texto do PIDESC, tornou-se obrigado a resguardar os direitos humanos no plano dos direitos econômicos, sociais e culturais. A previsão constitucional dialoga com o direito internacional de proteção aos direitos humanos tendo este seu fundamento na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, no ano de 2018, completou 70 anos de existência.

O direito à alimentação adequada teve sua implementação por meio de políticas públicas de combate à insegurança alimentar, elegendo como objetivo estabelecer uma natureza autônoma do direito à alimentação apartado de uma visão assistencialista e compensatória, buscando um real enfrentamento, de fato, das situações de emergência e miséria63. Em função desse objetivo, após a adesão do país ao PIDESC, o governo federal criou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea e depois promulgou a Lei Nº 11.346, de 15 de setembro do ano de 2006, que, por sua vez, criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Sisan.

O artigo 1º da Lei Nº 11.346/2006 vai estabelecer definições, princípios, diretrizes objetivos e composição do sistema nacional de segurança alimentar, por meio do poder público, com a participação da sociedade civil organizada, que formulará e implementará políticas, planos, programas e ações com o objetivo de assegurar o Direito Humano à Alimentação Adequada64. É diante dessa previsão normativa, tanto nacional como internacional, que o

61 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. 62 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais

na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 281.

63 SILVA, op. cit., p. 313.

64 BRASIL. Lei 11.346, de 15 de setembro de 2006. Disponível em:

governo federal criou programas sociais importantes como o Programa da Renda Mínima, proposto pelo Senador Eduardo Suplicy, no ano de 1991, sendo este adotado por vários municípios; e o Programa do Bolsa Família, implementado pelo governo federal no ano de 200365. São programas sociais como esses que se configuram como políticas públicas, envolvendo previsão econômica do governo por meio da destinação de recursos a programas de garantia dos direitos fundamentais aos indivíduos, como o direito à alimentação adequada.

A garantia do direito à alimentação vai concretizar a igualdade material entre pessoas que, sendo vulneráveis, necessitam dessa salvaguarda do poder público, posto ser um investimento que retorna à sociedade, além de cumprir os dispositivos constitucionais que tratam da proteção aos direitos sociais fundamentais que devem ter eficácia plena e aplicabilidade imediata. Além disso, garante ao Brasil cumprir também os dispositivos dos tratados internacionais que o país ratificou, com fins de resguardar a proteção aos direitos humanos.

2.3 DIREITO SOCIAL A ALIMENTAÇÃO E ENFRENTAMENTO À INSEGURANÇA