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38 CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. A Segurança Alimentar e

Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil. Indicadores de monitoramento. Da Constituição de 1988 aos dias atuais. Brasília: CONSEA, 2010. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/Consea/publicacoes/seguranca-alimentar-e-nutricional/a-seguranca-alimentar-e- nutricional-e-o-direito-humano-a-alimentacao-adequada-no-brasil-indicadores-e-monitoramento/relatorio- Consea.pdf. Acesso em: 1 jun. 2019. p. 107.

39 Tabela dos Valores Nominais do Salário Mínimo. Disponível em:

http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm. Acesso em: 2 jun. 2019.

A dignidade da pessoa humana tem previsão constitucional no artigo 1º, inciso III da Constituição, quando trata dos fundamentos da República Federativa do Brasil41. Ela será atendida quando os preceitos constitucionais forem salvaguardados pelo Estado, respeitando e garantindo os direitos fundamentais previstos nos artigos da Constituição, entre eles, o direito social à alimentação.

A definição da dignidade está disciplinada no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, quando em seu texto dispõe inicialmente que: considera-se o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana, posto que os direitos devem ser iguais e inalienáveis, constituindo o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo. No artigo 1º da Declaração Universal, a dignidade e os direitos são garantias dos seres humanos que nascem livres e iguais, posto serem dotados de razão e de consciência, devendo agir de forma fraterna uns para com os outros.

A ideia de ser humano dotado de razão e de consciência parte do pensamento de Immanuel Kant, quando este associa a dignidade à autonomia ética. Nesse sentido, o ser humano não poderá ser tratado como objeto, independentemente da sua origem ou condição social, não podendo ser instrumento das relações jurídicas, pois o ser humano é o fim em si mesmo42.

Segundo Ingo Sarlet, a dignidade humana é qualidade intrínseca e indissociável do ser humano, sendo esta considerada um dos postulados do direito constitucional contemporâneo, que está intimamente associada aos direitos fundamentais, civis, políticos e sociais, que garantem a liberdade do ser43. A dignidade humana será protegida quando o indivíduo tiver a liberdade preservada e garantida pelo Estado social. Já o direito à alimentação vai assegurar a dignidade por meio do exercício dos outros direitos, posto ser indispensável à existência.

Nessa direção, Edilson Pereira Nobre Júnior dispõe que a dignidade humana pode ser analisada mediante várias vertentes. Para tanto, o Estado e a sociedade devem respeitar a condição do ser. Ademais, a consagração constitucional da dignidade da pessoa resulta também na obrigação do ente público em garantir, aos indivíduos, um patamar mínimo de recursos com fins de garantir-lhes a subsistência. Além disso, há a perspectiva de que o indivíduo não poderá

41 BRASIL. Constituição Federal. 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 6 mar. 2019.

42 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2006. p. 32.

ser arbitrariamente tratado, devendo existir um respeito pela sua sobrevivência. Diante disso, resta inadmissível que a pessoa se encontre despojada dos recursos indispensáveis a uma existência digna44.

Assim, o direito à existência com dignidade não será assegurado apenas quando o Estado deixar de afetar a esfera patrimonial das pessoas sob a sua autoridade mas também quando, por meio de prestações positivas, o Ente público, com a sociedade organizada, realizar ações integradas para a implementação da seguridade social destinada a garantir os direitos sociais como um todo, entre eles, o direito à alimentação45. Nesse sentido, a dignidade humana, como qualidade intrínseca ao ser humano, não será ela própria concedida pelo ordenamento jurídico. Ela preexiste ao direito, muito embora seja reconhecida como um princípio, e ao mesmo tempo valor, pelo poder constituinte originário, e terá a sua proteção por intermédio dos direitos fundamentais46.

Os direitos fundamentais são indispensáveis aos seres humanos. São eles que tornam os seres livres. Konrad Hess pronuncia-se quanto aos direitos fundamentais quando determina que estes sejam criados e mantidos como pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana. Esses seriam os objetivos dos direitos fundamentais, que serão também classificados pelo direito vigente47. O DHAA é fundamental, pois faz parte dos direitos sociais, ou seja, do bloco que se considera como de caráter indispensável. É o direito ao mínimo existencial. Os de segunda dimensão são bem expoentes no século XX, pois significaram a proteção aos direitos econômicos, sociais e culturais como garantia a ser resguardada pelo Estado.

Nesse processo, os direitos econômicos, sociais e culturais passaram a perceber o indivíduo como inserido em uma coletividade. Em função das necessidades sociais desse indivíduo, a assistência vem como uma forma de protegê-lo e de garantir a concretização dos direitos fundamentais. A esse respeito, Paulo Bonavides afirma que os direitos sociais foram objeto de formulação especulativa nas esferas políticas e filosóficas, com um conteúdo ideológico bem expressivo, além de terem sido estabelecidos nas constituições sociais no início do século XX. Esses direitos passaram por uma fase de eficácia comprometida, posto que

44 NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Revista

de Informação Legislativa, Brasília, a. 37, n. 145, jan./mar. 2000.

45 Idem, p. 192.

46 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2006. p. 69.

demandam do Estado algumas prestações materiais que nem sempre são concretizadas, pois, exigem ação, ao mesmo tempo que se deparam com carência e limitações de recursos do próprio Estado48.

Em contrapartida, a Constituição de 1988 trouxe os direitos sociais como aqueles que possuem a aplicabilidade imediata, consoante dispõe o artigo 5º, § 1º, pois são considerados fundamentais, trazendo, por sua vez, o Estado como um ente concretizador desses direitos, por meio das instituições que os viabilizarão, entre eles, o direito à alimentação. Não se pode deixar de reconhecer que, por meio dos direitos sociais, houve um novo conceito de direitos fundamentais, que estariam vinculados materialmente a uma liberdade objetivada, ligada a vínculos normativos e institucionais, pois são valores sociais que necessitam de efetivação concreta, trazendo o Estado como o ente responsável por sua concretização49.

Paulo Bonavides traça o paralelo entre os direitos sociais e os civis e políticos, considerados negativos, posto serem oponíveis ao Estado. Nesse cenário, os de cunho social significam não só garantias de liberdade mas também garantias institucionais, visto ser por meio das instituições que os direitos econômicos, sociais e culturais serão preservados e concretizados50.

Por seu turno, Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis percebem os direitos sociais prestacionais como de status positivus, uma vez que englobam os direitos que permitem que os indivíduos possam exigir atuação do Estado com o objetivo de melhorar as suas condições de vida, garantindo, assim, pressupostos materiais necessários para o exercício das liberdades também de status negativus. Os direitos sociais são justificados, tendo em vista que seu objetivo é a melhoria das condições de vida de vastas categorias da população, por meio de políticas públicas e medidas concretas de política social51.

De acordo com Ingo Sarlet, os direitos fundamentais devem necessariamente estar protegidos contra eventual supressão ou esvaziamento arbitrário dos órgãos estatais. Também terão a normatividade plenamente garantida, reconhecendo um fundamento não só formal como ainda material dos direitos52. Isso significa dizer que o fundamento material dos direitos

48 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p 564. 49 Ibid, p. 567.

50 Ibid, p. 567.

51 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 3. ed. rev., atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 60.

52 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais como direitos fundamentais: seu conteúdo, eficácia e efetividade

fundamentais encontra seu substrato na própria essência da Constituição. São direitos que devem fazer parte da materialidade constitucional, posto serem matéria da própria origem constitucional. Disso se extrai que os direitos fundamentais, além do fundamento material de essência constitucional, também têm seu fundamento formal, que significa a disciplina do direito expressa no texto normativo53.

Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis apresentam os direitos de status positivus como prestações por meio de dimensão objetiva que podem se dar sob duas espécies, a saber: i) as prestações materiais e ações fáticas positivas, que consistem no oferecimento de bens ou serviços a pessoas que não podem adquiri-los no mercado, a exemplo de alimentação, educação e saúde, entre outros; ii) e o oferecimento universal de serviços monopolizados pelo Estado54. Assim, pode-se considerar que os direitos sociais fazem parte do fundamento essencial da constituição, além de virem expressos no texto normativo. Com isso, torna-se oportuno observar a efetividade dos direitos sociais como fundamentais ao encontrar situações que conflitam com a concretização desses direitos, quando tratamos da “reserva do possível”, que está relacionada à limitação orçamentária do Ente público, no que tange à efetiva concretização desses direitos sociais, em especial, o DHAA.

Segundo Jorge Reis Novaes, os Direitos Fundamentais devem ser considerados trunfos, e no Estado democrático de direitos, os de cunho fundamental consolidam-se em posições jurídicas individuais face ao Estado. Dessa forma, ter um direito fundamental significa ter um trunfo contra o Estado, contra o governo democraticamente legitimado, em um regime político baseado na regra da maioria. Isso deve significar, ao final, que ter um direito fundamental é ter um trunfo contra a maioria55. Nesse sentido, o Direito Humano à Alimentação Adequada é uma obrigação do Estado social e pode ser cobrado por ser um trunfo, posto ser oponível, no Estado Constitucional de Garantia de Direitos, resguardando a dignidade da pessoa humana.

Direitos Fundamentais e estado constitucional: Estudos em homenagem a J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra editora, 2009. p. 224.

53 Ibid, p. 224. 54 Ibid, p. 224.