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O Direito humano à alimentação adequada e sua proteção no âmbito internacional e brasileiro

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

EMMANUELLI KARINA DE BRITO GONDIM MOURA SOARES

O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E SUA PROTEÇÃO NO ÂMBITO INTERNACIONAL E BRASILEIRO

NATAL/RN 2019

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O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E SUA PROTEÇÃO NO ÂMBITO INTERNACIONAL E BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Professora Orientadora: Dra. Yara Maria Pereira Gurgel.

NATAL/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Soares, Emmanuelli Karina de Brito Gondim Moura.

O Direito humano à alimentação adequada e sua proteção no âmbito internacional e brasileiro / Emmanuelli Karina de Brito Gondim Moura Soares. - 2019.

142f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2019. Orientador: Profa. Dra. Yara Maria Pereira Gurgel.

1. Direitos Humanos - Dissertação. 2. Alimentação -

Dissertação. 3. Políticas públicas - Dissertação. I. Gurgel, Yara Maria Pereira. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 342.7 Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355

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Dissertação apresentada por Emmanuelli Karina de Brito Gondim Moura Soares ao Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Aprovada em.../.../...

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________________________ Professora Doutora Yara Maria Pereira Gurgel – Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_________________________________________________________________ Professora Doutora Flávia Sousa Dantas Pinto – Examinadora Externa

Escola de Magistratura do Rio Grande do Norte

_________________________________________________________________ Professor Doutor Thiago Moreira – Examinador Interno

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Dedico esta pesquisa as minhas filhas, Érika e Helena, razões da minha vida.

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A Deus, pelo dom da vida, e a Nossa Senhora, pelo amor de mãe.

A meu esposo, Diego. Esta conquista é para a nossa família. Obrigada pelo apoio, pelos diálogos e pela força que foram indispensáveis. Tenho um grande amor e um grande amigo.

As minhas lindas filhas, Érika e Helena, que me dão força sempre para permanecer lutando e acreditando em um mundo melhor.

A meu pai, Dinarte Moura, grande homem, que sempre esteve por perto, ajudando-me quando mais precisei.

A minha mãe, Margareth Gondim; e a minha irmã, Monaliza, por acreditarem em mim.

A minha querida professora orientadora, Yara Maria Pereira Gurgel, que me abriu as portas para o estudo dos Direitos Humanos, deu-me apoio e me apresentou ideias fundamentais na pesquisa. Muita gratidão.

Aos professores do Mestrado, Maria dos Remédios, Fabiano Mendonça, Erick Pereira, Marco Bruno Miranda, Ana Beatriz Presgrave, Keity Mara Ferreira de Souza e Saboya e Jahyr Philipe Bichara, que nos trouxeram tanto conhecimento durante esses dois anos, meus sinceros agradecimentos pela convivência rica e pelos conhecimentos que nunca esqueceremos.

Aos funcionários do Mestrado, Lígia, Marília, Wadson, Marcos e Waldeci, pessoas importantes que sempre estiveram disponíveis para nos assistir e nos trataram com muito carinho e atenção.

As minhas lindas amigas, Anna Christinna Pisco, Thacia Cardoso, Adriana Gomes, Rebeca Alves e Úrsula Lira, mulheres maravilhosas que me inspiram sempre como pessoa e como docente. Elas são muito especiais e me deram a alegria da convivência. Obrigada pelo apoio, pela força e pela contribuição sempre. Muita gratidão.

As minhas lindas amigas, kelli França, Marianna Perantoni e Maritza Arruda, pelo apoio maravilhoso no caminhar desta pesquisa; e aos grandes colegas, Marconi Neves e André Luiz Lima, amigos inesquecíveis da UNIFACEX, pelas considerações produtivas que foram tão importantes.

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Aos meus queridos colegas do Mestrado. Antes de nos dividirmos em linhas, fomos muito felizes na convivência. Essa turma foi muito especial!

Aos queridos colegas do Mestrado da linha três, formamos um time maravilhoso, Paulo, companheiro de trabalho; Priscila, Débora, Camila, Fernanda, Claudio José, Adriano e Simões, essa nossa turma não se encontrou por acaso. Meus agradecimentos a todos eles, pessoas incríveis. Sentirei muitas saudades.

Aos meus queridos alunos e ex-alunos da Estácio Natal, da UNIFACEX e da UNIRN. É incrível como o conhecimento é a única coisa que nunca poderão tirar de nós. Eles me ensinaram a cada dia como é importante melhorar cada vez mais em busca do conhecimento esclarecido. Obrigada por tudo.

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As dores do parto

O Brasil foi regido primeiro por uma feitoria escravista, exoticamente tropical, habitada por índios nativos e negros importados. Depois, como um consulado, em que um povo sublusitano, mestiçado de sangues afros e índios, vivia o destino de um proletariado externo dentro de uma possessão estrangeira. Os interesses e as aspirações do seu povo jamais foram levados em conta, porque só se tinha atenção e zelo no atendimento dos requisitos de prosperidade da feitoria exportadora. O que se estimulava era o aliciamento de mais índios trazidos dos matos ou a importação de mais negros trazidos da África, para aumentar a força de trabalho, que era a fonte de produção dos lucros da metrópole. Nunca houve aqui um conceito de povo, englobando todos os trabalhadores e atribuindo-lhes direitos. Nem mesmo o direito elementar de trabalhar para nutrir-se, vestir-se e morar.

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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O Direito Humano à Alimentação Adequada tem previsão nos diplomas internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil. Assim, o direito à alimentação está inserido no bloco do que se considera como um direito mínimo à existência do indivíduo, que deve ser resguardado como uma obrigação do Estado de direito. A fome endêmica no país é um tema de importante relevância social e jurídica, pois mesmo com toda a evolução legislativa de proteção aos Direitos Humanos, no plano internacional, a fome ainda está presente, atingindo, no Brasil, os grupos em situação de vulnerabilidade social. O Brasil vinha evoluindo quanto à diminuição da fome endêmica, principalmente entre os anos de 2003 a 2014, quando o país saiu do mapa da fome no contexto mundial, por meio de políticas públicas que foram realizadas buscando resolver esse problema social tão desumano, oportunizando a igualdade material. No entanto, os problemas socioeconômicos enfrentados pelo Brasil atualmente estão fazendo com que o país retorne ao mapa da fome no plano mundial. A pesquisa em comento busca demonstrar que o direito humano à alimentação adequada é reconhecido no Brasil, e que por meio das políticas públicas será possível implementar uma agenda de ações com base nas normas constitucionais e normas advindas dos tratados internacionais de proteção ao Direito Humano à Alimentação Adequada, obtendo êxito no combate à fome. O Brasil, ao ratificar os Tratados de proteção aos Direitos Humanos, também se torna obrigado a proteger e concretizar o Direito Humano à Alimentação Adequada, por meio da atividade administrativa e jurisdicional do Estado. As políticas públicas são necessárias para que os direitos sociais básicos sejam concretizados. Os indivíduos, pelas incapacidades, precisam readquirir a liberdade para exercer os direitos fundamentais. A metodologia é dedutiva com análise bibliográfica e jurisprudencial de direito interno e internacional, trabalhando dados, por meio da verificação das políticas públicas de governo, que diminuíram os índices de fome endêmica no Brasil até o ano de 2014. A problemática desenvolvida tem como foco uma crescente diminuição das prestações do Estado na garantia dos direitos sociais, comprometendo os dados de desenvolvimento e aumentando, consequentemente, as estatísticas de vulnerabilidade social no país em decorrência de políticas recentes de contenção de gastos e diminuição

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resguardar o direito Humano à Alimentação Adequada por meio da continuidade de políticas públicas voltadas aos grupos em situação de vulnerabilidade social, assim como no contexto internacional, mediante mecanismos de cooperação, diálogo e solidariedade na atividade jurisdicional, garantindo o Direito Humano à Alimentação Adequada e a segurança alimentar.

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The human right to adequate food has a constitutional provision in the domestic legal system and in international diplomas for the protection of human rights ratified by Brazil. Thus, the right to adequate food is a fundamental right, which is inserted in the bloc of what is considered, as a minimum right to the existence of the individual, which must be protected as an obligation of the rule of law. The endemic hunger in the country is a matter of great social and legal relevance, since even with all the legislative evolution of protection of human rights, in the international context and of fundamental rights, in the internal context, hunger is still present, reaching, in Brazil , groups in situations of social vulnerability. Brazil had been evolving in the fight against endemic hunger, especially between 2003 and 2014, when the country left the map of hunger in the world context, through public policies that were carried out in the fight against this social problem so inhuman, material equality. However, currently, the socioeconomic problems faced by Brazil, are causing the country to return to the map of hunger in the world context. The research in question, seeks to demonstrate if Brazil, through affirmative actions and public policies, has been implementing an agenda of actions based on the constitutional norms and norms derived from the treaties of international law to protect the Human Right to adequate food, obtaining success in the fight against hunger. By ratifying the treaties for the protection of human rights in the international context, Brazil is also obliged to protect and implement the human right to adequate food through the legislative, administrative and jurisdictional activities of the State through international cooperation policies . The Human Right to adequate food must be protected and safeguarded, given the reality of our country, with so many contradictions and social differences. Public policies are necessary for the realization of basic social rights for individuals who, due to their disabilities, need to regain their freedom to exercise their fundamental rights. The methodology is deductive with juridical and literature review related to local and international rights, working data based on public policies of government, which reduced the rates of endemic hunger in Brazil until 2014. The problem developed is related to a regression of State benefits in guaranteeing fundamental social rights, compromising development data and consequently increasing social vulnerability

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nutritional insecurity. The research wants to demonstrate that Brazil will safeguard the constitutional and human right to adequate food, through the continuity of public policies and affirmative actions, aimed at groups in situation of social vulnerability, as well as in the international context, through mechanisms of cooperation, dialogue and solidarity in the jurisdictional activity, guaranteeing the Human Right to adequate food and food security.

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ABC/MRE Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores

AJUFE Associação dos Juízes Federais do Brasil

ANAMATRA Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho AMB Associação dos Magistrados Brasileiros

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária ASA Articulação do Semiárido

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BPC Benefício de Prestação Continuada

CAISAN Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional CADH Convenção Americana Sobre Direitos Humanos

CDHM Comitê de Direitos Humanos e Minorias

Comitê DESC Comitê dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais CFP Companhia de Financiamento da Produção

CNSAN Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CNBB Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros

CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

CTNFITO Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários DHAA Direito Humano à Alimentação Adequada DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos DVGT Diretrizes Voluntárias de Governança da Terra EC Emenda Constitucional

EJA Ensino de Jovens e Adultos

EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura FENASEPE Federação Nacional dos Servidores e Empregados Públicos Estaduais e do Distrito Federal

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IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMC Índice de Massa Corporal

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LOAS Lei Orgânica de Assistência Social

LOSAN Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MEC Ministério da Educação

MEI Microempreendedor Individual

MESA Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome MP Medida Provisória

OEA Organização dos Estados Americanos OGM Organismos Geneticamente Modificados OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas PAA Programa de Aquisição de Alimentos PAT Programa de Alimentação do Trabalhador PBF Programa Bolsa Família

PFDC Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão

PGPAF Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar PGPM Política de Garantia de Preços Mínimos

PNAA Política Nacional de Abastecimento Alimentar PNBE Programa Nacional do Bolsa Escola

PNATER Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar

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PIS Programa de Integração Social

PLANSAN Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

PNDS Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher PRONAF Programa Nacional de Agricultura Familiar

PROHORT Programa de Modernização do Mercado Hotigranjeiro SAN Segurança Alimentar e Nutricional

SAPS Serviços de Alimentação da Previdência Social SEAF Seguro de Agricultura Familiar

SINPRA Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

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2 BRASIL, REALIDADE DA INSEGURANÇA ALIMENTAR ... 23

2.1 DIGNIDADE HUMANA E DIREITO À ALIMENTAÇÃO ... 33

2.2 DIREITO SOCIAL à ALIMENTAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 38

2.3 DIREITO SOCIAL A ALIMENTAÇÃO E ENFRENTAMENTO À INSEGURANÇA ALIMENTAR ... 41

2.3.1 Da reserva do possível ... 48

2.3.2 Garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada ... 51

3 O SISTEMA JURÍDICO INTERNACIONAL E O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ... 59

3.1 ACESSO À JURISDIÇÃO E AO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ... 64

3.2 CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ... 76

3.3 DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E A RELAÇÃO COM OUTROS DIREITOS HUMANOS ... 81

4 TRATADOS INTERNACIONAIS, POLÍTICAS PÚBLICAS E O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ... 85

4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ... 95

4.2 CONSTITUCIONALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E ACESSO AO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ... 104

4.3 AGRICULTURA FAMILIAR: ATENDIMENTO à SEGURANÇA ALIMENTAR ... 111

4.3.1 Segurança e soberania alimentar ... 126

5 CONCLUSÃO ... 130

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1 INTRODUÇÃO

O Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA tem grande importância, pois significa a garantia de subsistência do indivíduo. Deve-se considerar que esse direito está inserido no bloco do que se considera o mínimo existencial e deve ser resguardado como uma obrigação do Estado social. Entretanto, percebe-se que no Brasil, esse direito ainda não é garantido a uma grande parcela da população, posto serem acometidos por uma realidade de fome endêmica. São os grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social, uma vez que a concentração de renda no país demonstra grande exclusão social e ambiente fértil para a fome e outros problemas de violações aos direitos humanos, que devem ser objeto de ações pelo Estado Brasileiro, pois o Direito Humano à Alimentação é reconhecido pelo ordenamento jurídico interno.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no Brasil, 10% dos mais ricos ganham cerca de 17,6 vezes mais do que os 40% mais pobres1. As recentes análises da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO, no início do ano de 2019, apontam que o Brasil, diante de um cenário de crise econômica, poderá retornar para compor o grupo de países inserido no mapa da fome2. A fome endêmica ou oculta, segundo a FAO, ocorre em

1 Síntese de Indicadores sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE. https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=CONCENTRA%C3%87%C3%83O+DE+RENDA. Segundo o El País, o Brasil é o país que tem a maior concentração de renda, se comparado a outros países no globo. Segundo pesquisa feita pelo grupo Piketti, liderada por Thomas Piketti, economista francês que teve destaque internacional, após o livro o Capital no século XXI, apontou que quase 30% da renda do Brasil se concentra nas mãos de apenas 1% da população do país. Em concentração de renda o Brasil está à frente da Turquia. BORGES, Rodolfo. Brasil tem maior concentração de renda do mundo entre o 1% mais rico. El Pais, 14 dez. 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/13/internacional/1513193348_895757.html. Acesso em: 3 jun. 2019.

2 José Graziano da Silva, Diretor Geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura no

Brasil-FAO, apresenta em uma análise atual que o cenário no Brasil e o mapa da fome é preocupante quanto ao retorno do país para o grupo de países que sejam classificados como os que apresentam quadros de fomes endêmicas no mundo. O maior avanço socioeconômico no Brasil nas últimas décadas foi a retirada de quase 40 milhões de pessoas da pobreza extrema, em razão, sobretudo, de diversos programas de proteção social. Tal feito foi determinante para que o país reduzisse significativamente o número de pessoas sofrendo de fome. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, o número de brasileiros em situação de desnutrição crônica caiu 82% entre 2002 e 2013. [...]. Com base nos dados fornecidos à FAO pelo IBGE, o SOFI de 2014 indicou que no Brasil, em 2013, menos de 5% da população padecia de fome. O Brasil atingia níveis semelhantes aos de países desenvolvidos, no que se refere à porcentagem de pessoas desnutridas. Há consenso entre as agências da ONU de que, quando a desnutrição crônica atinge menos de 5% da população de um país, o problema da fome deixa de ter características endêmicas e limita-se a determinados bolsões específicos. O Brasil, portanto, deixava o Mapa da Fome no Mundo. [...] Dados recentes divulgados pela Pnad Contínua, do IBGE, entretanto, sinalizam um aumento da extrema pobreza no país em cerca de 11% de 2016 para 2017 (de 13,3 para 14,8 milhões de pessoas). Tal incremento da pobreza extrema poderá, sim, refletir no aumento do número de pessoas que passam fome no país. [...]. O que está em jogo não é se o Brasil voltou ou não ao chamado Mapa da Fome em 2017 (que

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função da subnutrição, também chamada de fome crônica, que se configura, quando há uma continuada insuficiência na ingestão de alimentos, com um valor calórico que não atinge os níveis mínimos de energia alimentar desejáveis diariamente3.

O país, consoante José Graziano da Silva, presidente da FAO, à época, por meio de um desenvolvimento econômico e de programas sociais advindos do governo federal, nas últimas décadas, retirou mais de 40 milhões de brasileiros da extrema pobreza, e no período de 2002 a 2013, caiu em 82% (oitenta e dois por cento) o número de brasileiros em situação de desnutrição crônica, segundo dados do IBGE4. Entretanto, o Brasil vem passando atualmente por uma crise econômica que pode comprometer a qualidade de vida de milhares de pessoas em virtude do desemprego, do aumento do trabalho informal e da diminuição de investimentos em programas sociais que vinham tentando equilibrar a balança das desigualdades que é tão alarmante.

Isso posto, os programas sociais no país estão passando por cortes de até 96% em quatro anos, mediante restrições fiscais, desde o ano de 20165. Corroborando essa realidade, a Emenda Constitucional Nº 95/2016 apresenta uma diminuição de gastos orçamentários, no período de 20 anos, em investimentos nas áreas de saúde e educação no país. O teto dos gastos públicos em serviços sociais, segundo a Organização das Nações Unidas – ONU, é uma medida

vai ser refletido no SOFI 2018), mas sim o futuro. É preciso evitar que um eventual avanço da fome aconteça também nos próximos anos e décadas. Para isso, além dos gastos públicos com programas sociais, é fundamental também promover um crescimento inclusivo e substantivo – muito além dos atuais 1% ao ano –, e que gere empregos de qualidade. SILVA, José Graziano da. O Brasil e o Mapa da Fome. Jornal do Brasil, 4 set. 2018. Disponível em: https://www.jb.com.br/pais/artigo/2018/09/3191-o-brasil-e-o-mapa-da-fome.html. Acesso em: 6 mar. 2019.

3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA. Caderno de

Trabalho sobre o Direito de Alimentação. Avaliação do Direito à Alimentação. v. 7. Espanha: Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, 2014. Disponível em: http://www.fao.org/right-to-food/resources/rtf-handbooks/pt// Acesso em: 6 mar. 2019. p. 5.

4 SILVA, José Graziano da. O Brasil e o Mapa da Fome. Jornal do Brasil, 4 set. 2018. Disponível em:

https://www.jb.com.br/pais/artigo/2018/09/3191-o-brasil-e-o-mapa-da-fome.html. Acesso em: 6 mar. 2019.

5O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Minha Casa, Minha vida estão praticamente desaparecendo em

meio a restrição fiscal. No caso do programa habitacional, Minha casa, Minha Vida, os pagamentos chegaram à marca de R$ 20,7 bilhões em 2015, recuaram para 7,9 bilhões em 2016 e somam apenas R$ 1,8 bilhão de janeiro a agosto de 2017. O PAA, que permite a compra de produtos da agricultura familiar pelo governo federal, teve desembolsos de R$ 41 milhões no ano de 2017, até junho, uma redução de 91% nos pagamentos contra o ano de 2016 todo. Programas sociais têm corte de até 96% em quatro anos. Disponível em: https://www.valor.com.br/brasil/5149370/programas-sociais-tem-corte-de-ate-96-em-quatro-anos. Acesso em: 5 set. 2019.

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que trará impactos severos aos brasileiros vulneráveis, bem como se constitui uma violação de obrigações internacionais de proteção aos direitos humanos6.

Nesse cenário, o Direito Humano à Alimentação Adequada tem previsão normativa no contexto internacional. Está contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH de 19487, bem como tem previsão no artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC8.

Sob esse viés, este estudo tem como objetivo geral demonstrar que existe, no Brasil, um marco legislativo internacional e nacional que garante o Direito Humano à Alimentação Adequada-DHAA, devendo ser resguardado pelo Estado de Direito. Para tanto, serão pesquisados o Direito Internacional, a Constituição e as normas infraconstitucionais que resguardam o Direito Humano à Alimentação Adequada, em especial, o Pacto Internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais ratificado pelo Brasil. O trabalho também irá observar o marco legislativo regional, por meio do qual o Estado brasileiro passou a ter obrigações internacionais de produzir normas de proteção ao Direito Humano à Alimentação Adequada, a partir da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da ratificação do Protocolo de São Salvador, documento adicional à Convenção, em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais.

6 BRASIL: Teto de 20 anos para o gasto público violará direitos humanos, alerta relator da ONU. Disponível em:

https://nacoesunidas.org/brasil-teto-de-20-anos-para-o-gasto-publico-violara-direitos-humanos-alerta-relator-da-onu/. Acesso em: 6 set. 2019.

7 Artigo 25 1.Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família a saúde e o

bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2.A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração

Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em:

https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em: 6 mar. 2019.

8Artigo 11.1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida

adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. 2. Os Estados Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para: a) Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais; b) Assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios. BRASIL. Decreto Nº 591, de 06 de julho de 1992. Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 6 mar. 2019.

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No ordenamento jurídico, a Constituição de 1988 apresenta os dispositivos de proteção à dignidade da pessoa, à prevalência aos direitos humanos e ressalta, no artigo 6º, que, na proteção à pessoa, entre os direitos sociais básicos, está o direito à alimentação. O Direito Humano à Alimentação Adequada faz parte do que se considera bloco de constitucionalidade, sendo reconhecido como um direito humano, por meio da previsão constitucional do artigo 5º, § 2º.

A Lei Nº 11.346, de 15 de dezembro de 2006, Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – Losan, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Sisan, estabelece que a alimentação adequada é um direito fundamental do ser humano, inerente à própria dignidade da pessoa. Nesse sentido, também é indispensável a garantia dos outros direitos consagrados pela Constituição Federal brasileira. Por conseguinte, o direito à alimentação é fundamental, pois possibilita ao indivíduo a concretização e o acesso aos outros direitos humanos9.

A presente pesquisa trabalha o direito a uma alimentação adequada não só em nível de distribuição, abastecimento e disponibilidade mas também de acesso às pessoas, por meio da emancipação de suas capacidades, além de pontuar a qualidade desses alimentos acessíveis que trarão à população um mínimo de calorias diárias e qualidade de vida como um direito constitucional a ser resguardado. Na investigação das normas internacionais e nacionais, a pesquisa tem como objetivos investigar como o Estado vem promovendo e implementando políticas voltadas para o acesso a esse direito social básico, buscando alcançar, nesse sentido, a igualdade material, destinada aos grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Nessa perspectiva, busca-se demonstrar que será por meio das políticas públicas promovidas pelo Estado brasileiro que haverá acessibilidade ao direito à alimentação adequada, minimizando a insegurança alimentar, mesmo tendo como realidade a justificativa de um limite orçamentário, para que, na hora da escolha, os recursos sejam destinados à garantia do direito à alimentação adequada aos grupos sociais desfavorecidos. Para tanto, torna-se necessário abordar os procedimentos que possam garantir a efetividade da assistência alimentar no país, bem como a aplicabilidade das normas internacionais por meio de um controle de

9 Art. 2o A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e

indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a Segurança Alimentar e Nutricional da população. BRASIL. Lei 11.346, de 15 de setembro de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11346.htm. Acesso em: 6 mar. 2019.

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convencionalidade das leis internas, buscando otimizar os mecanismos de execução da obrigação de fornecer o direito à alimentação adequada, previsto no contexto internacional como uma obrigação dos Estados.

A metodologia utilizada na pesquisa será a lógico-dedutiva. Por meio da utilização de doutrina, leis nacionais, internacionais e pesquisa jurisprudencial, chega-se à conclusão sobre a existência do marco legislativo de previsão do direito humano à alimentação no país. Nesse caso, a segurança alimentar deverá ser preservada, tendo como embasamento as normas nacionais e internacionais em uma perspectiva constitucional de garantia de direitos.

Políticas públicas como as de incentivos à produção da agricultura familiar e de transferência de renda são exemplos de ações que vão combater os índices de fome e de pobreza, no campo e nas cidades, além de fomentar uma produção de alimentos mais saudáveis, se tiverem a continuidade preservada pelo Estado. Essas prestações positivas por parte do Estado também contribuem para a transformação de um ambiente que seja propício para o alcance da Segurança Alimentar e Nutricional – SAN. Além disso, garante o cumprimento em âmbito internacional da agenda 2030, que apresenta obrigações estabelecidas pela ONU aos países integrantes do grupo das Nações Unidas de combate à exclusão social, visando ao desenvolvimento sustentável no globo, sendo o Brasil um desses países. Assim, importante trazer a perspectiva de um controle de convencionalidade das leis exercido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, com fins de que os países signatários dos tratados de Direitos Humanos sempre busquem uma adequação da legislação interna à proteção dos direitos humanos disciplinada nos tratados de direitos internacional.

O trabalho vai abordar inicialmente o histórico de Insegurança Alimentar no Brasil, conceituando as situações que configuram a fome endêmica e indicam os grupos de indivíduos que são mais suscetíveis a essa realidade. Nesse contexto, será trabalhado o Estado Social que deve resguardar os direitos fundamentais, entre eles, o direito social à alimentação adequada. Por conseguinte, serão analisadas as responsabilidades do poder público quanto à prioridade na proteção aos direitos sociais, não apresentando como um dos obstáculos a reserva do possível, posto serem direitos urgentes que devem ter prioridade na sua efetividade.

Desse modo, os direitos sociais devem ser entendidos como direitos com eficácia plena e aplicabilidade imediata, consoante os dispositivos constitucionais. Nessa direção, reconhecendo o direito à alimentação como um direito humano, serão analisados os dispositivos

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normativos internacionais que o garantem, observando como o Brasil se encontra juridicamente obrigado.

A pesquisa busca comprovar que somente por meio das políticas públicas o Direito Humano à Alimentação Adequada será preservado. Com isso, o poder público precisa ter uma agenda de ações, sempre de forma continuada, buscando respeitar, proteger, promover e prover esse direito indispensável no ambiente interno e internacional. Para o estudo, serão pontuadas que modificações legislativas recentes, advindas do governo federal, de diminuição de gastos em serviços sociais de educação e saúde, por exemplo, estão comprometendo a agenda de políticas públicas voltadas à garantia da proteção aos direitos fundamentais, em especial, o Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA. Defende-se que a Segurança Alimentar e Nutricional será resguardada por meio de políticas voltadas a incentivos destinados à agricultura familiar, mediante a produção de alimentos, à geração de emprego e renda, proporcionando ao país uma soberania alimentar, o que vai minimizar também a realidade de vulnerabilidade social.

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2 BRASIL, REALIDADE DA INSEGURANÇA ALIMENTAR

No Brasil, é oportuno considerar que o problema da fome é uma realidade que persiste até os dias de hoje, século XXI, ano de 2019, e ainda assola muitos grupos de pessoas consideradas vulneráveis, que, por sua realidade social menos favorável, não têm a condição de ter acesso a uma alimentação adequada. Dados apontam que 13 milhões de pessoas ainda vivem em situação de insegurança alimentar e nutricional. As informações foram apresentadas no ano de 2018 quando da celebração da Fundação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO, em 16 de outubro de 194510.

A pesquisa em comento não poderia deixar de pontuar a obra de Josué de Castro, médico e cientista, que escreveu os livros Geografia da Fome e Geopolítica da fome, cujas primeiras edições datam, respectivamente, de 1946 e 1959. Nessas obras, o autor aborda esse tema tão importante e atual, pois a fome ainda é evidente na realidade brasileira, visto que um número considerável de pessoas vive sob uma realidade de insegurança alimentar advinda da ausência de capacidades que poderiam ser superadas por meio da implementação de políticas públicas de responsabilidade do Estado. Mesmo após tanto tempo das obras de Josué de Castro, tendo o Brasil ratificado tratados internacionais de proteção aos direitos humanos por meio de dispositivos que buscaram resguardar o direito mínimo ao acesso à alimentação com fins de reverter a realidade de vários brasileiros, o país ainda não conseguiu erradicar a fome.

A fome no Brasil é consequência, sobretudo, do passado histórico, trazendo grupos humanos sempre em luta. Luta esta que se desenvolveu muito por inabilidade do elemento colonizador que só desejava alcançar vantagens econômicas imediatas desdobradas em ciclos sucessivos de economia destrutiva, que desequilibrava a saúde e a economia da nação, como os ciclos de economia do pau-brasil e da cana de açúcar, a caça ao índio, a mineração, a lavoura nômade, o café, a extração de borracha, a industrialização, entre outros. Além disso, há uma ineficiência do Estado em equilibrar os interesses privados e o interesse coletivo11.

Um aspecto a se observar é que o Brasil apresenta-se, desde o início da colonização, como um país de difícil sobrevivência, uma vez que há uma realidade de coexistência de raças diferentes. Ademais, o lucro e a corrida pelo crescimento ficaram adstritas a pequenos grupos,

10 SILVA, Jenniffer. 13 milhões de pessoas ainda passam fome no Brasil. Cáritas Brasileira, 16 out. 2018.

Disponível em: http://caritas.org.br/13-milhoes-de-pessoas-ainda-passam-fome-no-brasil/40408. Acesso em: 23 jun. 2019.

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transformando o país, por consequência, em um espaço com grandes contradições que contém grandes abismos sociais.

Outro aspecto observado é que o país, com grande extensão territorial e grandes diferenças regionais, apresenta particularidades que devem ser observadas no combate à fome endêmica. São diferentes tipos de solo e de clima, com múltiplos quadros paisagísticos e grupos humanos com distintas linhagens étnicas e, por conseguinte, diferentes culturas. Desse modo, as ações não poderiam se constituir em todo o território nacional com um tipo uniforme de alimentação. Nesse sentido, Josué de Castro divide o país em cinco áreas de culturas alimentares distintas, quais sejam: a área da Amazônia, a da Mata do Nordeste, a do Sertão do Nordeste, a do Centro-Oeste e a do Extremo Sul12.

Vale ressaltar que nem todas as regiões apresentadas estão nas mesmas condições de fome. As circunstâncias da fome irão se classificar, na realidade, como: fome endêmica; permanente; epidêmica; transitória; e subnutrição, quando a nutrição não seria adequada. Essas são realidades que se dividem de forma peculiar nas diversas áreas do país. Desse modo, as áreas do Norte e Nordeste do país apresentam a realidade da fome endêmica, já as áreas do Centro-Oeste e do Extremo Sul são de subnutrição13.

Essa análise representa uma época diferente da nossa, considerando que a obra,

Geografia da Fome, data de 1949. No entanto, percebemos que, para a história, é pouco tempo

e a realidade de insegurança alimentar e nutricional nas regiões Norte e Nordeste, assim como a realidade de subnutrição nas regiões do Centro-Oeste e do Extremo Sul são reais e se pode até analisar que a fome e a subnutrição ainda perpassam a realidade do Brasil como um todo geográfico.

A obra em comento, de Josué de Castro, faz uma análise de que a explosão demográfica foi um dos fatores que contribuíram para a fome em um contexto mundial, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Esse crescimento demográfico deu-se em função do desenvolvimento da ciência. A explosão demográfica se observa de forma mais acentuada na América Latina, na Ásia e na África, regiões subdesenvolvidas, em decorrência da queda nos índices de mortalidade infantil, como resultado do surgimento de técnicas de sobrevivência mediante a utilização de antibióticos e inseticidas14.

12 CASTRO, Josué. Geografia da Fome: o dilema brasileiro, pão ou aço. Rio de Janeiro: Antares, 1984. p. 50. 13 Ibid, p. 51.

14 CASTRO, Anna Maria (org.). Fome: um tema proibido. Últimos escritos de Josué de Castro. Rio de Janeiro:

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Segundo o autor, Josué de Castro, as regiões em desenvolvimento, com o avanço da medicina, principalmente pelo acesso a antibióticos, prolongaram mais a expectativa de vida das pessoas, quando houve uma diminuição significativa da mortalidade infantil. No entanto, isso não significou um melhoramento na qualidade de vida das pessoas nos países em desenvolvimento, particularmente na América Latina, na Ásia e na África.

O uso dos antibióticos, principalmente nas crianças, que nessas áreas nasciam mais para morrer do que para viver, começou a fazê-las “sobreviver”, e aumentou a capacidade de resistência às doenças infecciosas agressivas. Com isso, diminuíram os índices de mortalidade infantil, que caíram vertiginosamente. Entretanto, as crianças que, embebidas por caldos de antibióticos não morriam no primeiro ano de vida, sobreviviam para morrer um pouco mais tarde, aos dez, quinze ou vinte anos15. Nesse processo de aumento populacional, a fome, constatada por meio de dados estatísticos, apresenta-se como uma causa fundamental da explosão demográfica. Com o aumento da expectativa de vida, um grande número de indivíduos que não vai produzir nada sobrevive, somando-se significativamente às massas populacionais, agravando os problemas do complexo subdesenvolvimento e do abastecimento alimentar inadequado16.

Em contrapartida, superada está a alegação científica, social e política de que a densidade populacional é de fato o que ocasiona o fenômeno da fome endêmica no mundo. Superada também a afirmação do cientista Malthus que, no século XVIII, defendeu que o crescimento das populações se dá em progressão geométrica, por multiplicação, e os recursos alimentares se reproduzem em progressão aritmética, por adição17. O que se tem, de fato, é que a fome está presente até em locais com baixa densidade demográfica, pois a insegurança alimentar e nutricional está relacionada à ausência de capacidades dos indivíduos para adquirir os alimentos, e das condições de acesso aos gêneros alimentícios devido à ausência de produção e de consumo. Sem capacidade para a produção ou para o consumo, a fome encontra o ambiente propício para se estabelecer. Ela tem como causa principal a ausência dos alimentos, além de ser um problema social, político e econômico que demanda políticas públicas por parte do Estado, posto serem previsões constitucionais de proteção aos Direitos Humanos.

15 CASTRO, Anna Maria (org.). Fome: um tema proibido. Últimos escritos de Josué de Castro. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2003. p. 45.

16 Ibid, p. 46. 17 Ibid, p. 47.

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A obra de Josué de Castro faz ainda uma análise sobre os altos índices de natalidade nos grupos humanos nos países subdesenvolvidos, quando liga a alta taxa de natalidade desses países a um princípio da biologia que é a “teleonomia”, propriedade que os seres vivos têm de, nas adversidades, aumentarem o sistema reprodutivo temendo uma extinção da espécie18. Assim, o nível deficiente de alimentação, a fome específica de proteínas de alto valor biológico, determina também uma fertilidade mais elevada na mulher, e mais capacidade de fecundação no homem. Essa é a explicação que considera a fome, por seu turno, também como um dos fatores que determinam o crescimento da população mais carente, aumentando as situações de vulnerabilidade19.

O autor, mediante uma análise biológica, relaciona a fome como uma das causas do crescimento demográfico. Desse modo, observam-se pessoas que se reproduzem de forma irregular, mantendo os sucessores dentro da mesma realidade de privações semelhante à dos antecessores. A insegurança alimentar e nutricional é uma realidade de privação de toda a assistência social dos grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade, que demanda de um Estado democrático de direitos prestações positivas, que tenham como objetivo reverter essa realidade de vulnerabilidade socioeconômica. Castro ainda demonstra a teoria exemplificando que, se os quadros ecológicos regionais das áreas subdesenvolvidas fossem modificados, bem como se suas estruturas econômicas favorecessem o abastecimento alimentar adequado, haveria uma modificação da realidade, pois a natureza agiria “teleonomicamente”, fazendo baixar os níveis de natalidade, como aconteceu na Europa, nos Estados Unidos da América, entre outros lugares20.

A fome endêmica no país tem como um dos principais fatores determinantes as enormes diferenças sociais, as diversas realidades econômicas nas regiões do Brasil, que, por meio das diversificações, da concentração de renda, da concentração fundiária, entre outros fatores, promovem a exclusão e a violência em todos os contextos: humano, social, econômico, político, entre outros. Sob essa ótica, é importante destacar que a fome, sendo um problema social – conforme abordado por Josué de Castro em seu estudo sobre o Brasil em 1950 e 1960; e pelo economista Amartya Sen – num contexto global, está relacionada à ausência de emancipação dos indivíduos, ou seja, à falta do desenvolvimento das liberdades, que, tolhidas,

18 CASTRO, Anna Maria (org.). Fome: um tema proibido. Últimos escritos de Josué de Castro. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2003. p. 49.

19 Ibid, p. 50. 20 Ibid, p. 50.

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provocam a vulnerabilidade social. Assim, é responsabilidade do Estado reverter os quadros de diferenças sociais que privam o indivíduo dos direitos básicos comprometendo a dignidade.

Nesse sentido, o Estado, ao buscar garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada, deve tornar efetiva a soberania alimentar como forma de erradicar a fome, de estabelecer um ambiente com hábitos alimentares mais saudáveis, sustentáveis; além de manter uma produção autônoma, implementando políticas públicas que tenham como objetivo alcançar a segurança alimentar e nutricional de forma democrática. Para tanto, devem ser beneficiados grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica. Essas pessoas podem ser capacitadas por meio de políticas de crescimento. Com isso, os indivíduos em situação de vulnerabilidade vão adquirir liberdade com fins de alcançar os direitos básicos.

A FAO conceitua que a insegurança alimentar pode acontecer de forma transitória, em situações de crises temporárias, a exemplo de crises econômicas, políticas e estruturais de Estado. A fome crônica é uma realidade continuada da fome, além de se classificar de forma sazonal, quando ocorre de forma transitória, mas se configura como uma situação perene, ou seja, esta se dá por um período curto, mas numa sequência previsível de eventos conhecidos21. Já a insegurança alimentar crônica é aquela que ocorre em situação de pobreza extrema.

Nesse sentido, para avaliar a insegurança alimentar, é necessário identificar os grupos de pessoas que estão em situação de fome permanente, crônica e os grupos de pessoas que estão sendo acometidas pela insegurança alimentar advinda de situações transitórias ou sazonais, até para que o Estado implemente políticas públicas destinadas às realidades que forem identificadas, em função das especificidades22. Para que seja identificada a realidade de insegurança alimentar, é importante comentar essas realidades, que se constituem como fome generalizada, fome oculta, fome endêmica, subnutrição e desnutrição, apresentadas pela FAO. A fome se classifica pelo baixo consumo de alimentos. Já a desnutrição é a fome crônica, que, pela ausência de alimentos necessários, comprometerá as faculdades físicas e mentais dos indivíduos. A fome generalizada, segundo a FAO, é um processo longo que está relacionado a crises econômicas e sociais, que ocasionam o empobrecimento progressivo dos grupos de pessoas mais vulneráveis e a deterioração dos sistemas de subsistência. Em função

21 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA. Caderno de

Trabalho sobre o Direito de Alimentação. Avaliação do Direito à Alimentação. v. 7. Espanha: Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, 2014. Disponível em: http://www.fao.org/right-to-food/resources/rtf-handbooks/pt// Acesso em: 6 mar. 2019. p. 10.

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dessa realidade, ocorre o êxodo das populações, a propagação de epidemias, a desestruturação comunitária e a morte das pessoas que estão inseridas nessa realidade23.

A fome também pode ser oculta, quando não se percebe a ausência dos nutrientes indispensáveis a uma alimentação saudável, mas ela é uma realidade. A subnutrição se classifica também como a fome crônica, e acontece quando a ingestão de alimentos é mínima, não comportando o mínimo calórico básico para o ser humano, que varia de acordo com o indivíduo, considerando idade, sexo, entre outros fatores. Assim, a Organização Mundial de Saúde – OMS estima, de forma genérica, que um homem adulto deve ingerir de 2.000 a 2.500 calorias, diariamente, e uma mulher adulta de 1.500 a 2.000 calorias por dia. Já a desnutrição irá se configurar quando houver uma absorção dos nutrientes de uma forma deficiente24.

Importante salientar que as classificações da fome em crônica, generalizada, subnutrição e desnutrição trazem conceitos pontuais, de acordo com os informativos da FAO, mas esses conceitos não se excluem. Nesse sentido, uma realidade de fome crônica pode ser também de fome generalizada. Na fome generalizada, acontece um empobrecimento progressivo dos grupos de pessoas que estarão numa situação de fome crônica, configurando-se como desnutrição. Por configurando-seu turno, a desnutrição, assim como a subnutrição, são realidades das fomes crônica e generalizada, quando os indivíduos não têm a absorção de nutrientes necessários que o organismo necessita, bem como têm uma má alimentação, respectivamente. Pessoas mal nutridas, que se encontram em grupos vulneráveis, não têm as capacidades desenvolvidas em função da carência nutricional, o que significa problemas na ordem pública para todo o país. Segundo relacionado pela FAO, isso pode se dar em decorrência de uma desnutrição aguda, que vai se configurar por meio do baixo peso para a estatura, com um processo de grave inanição. A desnutrição crônica ocorre quando há um retardo no crescimento em função da ausência de nutrição. A pobreza é o ambiente da desnutrição aguda e da desnutrição crônica, acometendo adultos e crianças. A desnutrição global é o índice medido por meio da desnutrição aguda e desnutrição crônica, nas crianças, e se identifica pelo baixo peso e, nos adultos, quando o índice de massa corporal é inferior a 1,5. A má nutrição será um estado fisiológico de desequilíbrio no consumo de energia e proteínas, que pode causar alterações no

23 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA. Caderno de

Trabalho sobre o Direito de Alimentação. Avaliação do Direito à Alimentação. v. 7. Espanha: Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, 2014. Disponível em: http://www.fao.org/right-to-food/resources/rtf-handbooks/pt// Acesso em: 6 mar. 2019. p. 11.

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desenvolvimento e na saúde. Nesse caso, a vulnerabilidade alimentar acontecerá em grupos populacionais que estejam correndo riscos de sofrer de insegurança alimentar e nutricional efetiva25.

Diante dessa realidade e da fome associada a formas de deficiências nutricionais classificadas pela FAO, torna-se importante também a identificação dos grupos de pessoas consideradas vulneráveis e que estão inseridas nas realidades de insegurança alimentar transitória, crônica ou sazonal. Segundo a FAO, os grupos de vulneráveis envolvem pessoas pobres que vivem no meio rural, nos países em desenvolvimento e que estão em contato com a produção de gêneros alimentícios, mas têm a capacidade laboral tolhida por não terem acesso a terra, nem a serviços básicos de qualidade, como água potável, saneamento básico, saúde, educação, além dos investimentos para adquirir a autonomia socioeconômica. Dessa forma, acabam indo para as cidades, aumentando a miséria periférica urbana26.

As pessoas pobres das áreas urbanas – que compreendem também as das áreas rurais que foram para as cidades buscando superar a realidade de insegurança alimentar e nutricional no meio rural – são também vítimas de catástrofes naturais. Os refugiados, os imigrantes, as famílias sob a responsabilidade das mulheres, os mendigos, os órfãos, os indígenas, os quilombolas, os idosos, os deficientes físicos, entre outros, são exemplos de grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica27. Diante dessa realidade, o Estado deve se comprometer, no que tange à proteção e à efetividade do Direito Humano à Alimentação Adequada, por meio das prestações mínimas para a garantia do mínimo à existência dos indivíduos em situação de vulnerabilidade.

O Estado brasileiro, mediante políticas públicas, estabelece um salário mínimo, com um valor correspondente que possa garantir que os direitos sociais básicos sejam amparados por esse valor. Nesse sentido, o artigo 7º da Constituição Federal estabelece no inciso IV que o salário mínimo será fixado em lei, e será nacionalmente unificado devendo atender as necessidades vitais básicas do indivíduo e da família, como: moradia, alimentação, educação,

25ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA. Caderno de

Trabalho sobre o Direito de Alimentação. Avaliação do Direito à Alimentação. v. 7. Espanha: Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, 2014. Disponível em: http://www.fao.org/right-to-food/resources/rtf-handbooks/pt// Acesso em: 6 mar. 2019. p. 12.

26 Ibid, p 14-16. 27 Ibid, p. 14-16.

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saúde, vestuário, higiene, transporte, lazer, previdência social, sofrendo sempre reajustes periódicos com fins de atualização28.

Segundo o Consea, o salário mínimo para os trabalhadores urbanos foi inserido por meio de lei desde a década de 1940, estendendo-se aos trabalhadores rurais a partir da Constituição de 1988. A garantia do valor real do salário mínimo sempre esteve associada à conjuntura política e social do país. Em função desse parâmetro, em períodos de grandes problemas de inflação, entre as décadas de 1980 e 1990, o salário mínimo também sofreu oscilações29.

Entre os períodos de abril de 2002 a janeiro de 2010, o salário mínimo teve um aumento do valor real no percentual de 53,67%, destacando que, a partir de 2007, houve um processo continuado de valorização do valor real do salário mínimo, principalmente entre os anos de 2008 a 201130. Nesses anos, quando também foi criado um critério de reajuste anual com base na reposição integral da inflação do período somada ao crescimento real do produto interno bruto (PIB), essa evolução do salário mínimo, efetivamente, aumentou o poder de compra dos alimentos, de itens das cestas básicas31.

Com base na análise feita pelo Consea, é perceptível que o aumento da renda mínima teve um impacto importante no acesso à alimentação dos grupos de pessoas mais vulneráveis, que são aquelas que recebem a contrapartida econômica, mínima, em troca da força de trabalho para a sobrevivência. As pessoas que ganham um salário mínimo são as que estão em situação de vulnerabilidade social também, mas não em um alto nível de vulnerabilidade. Apesar disso, o valor do salário mínimo, no Brasil, não é suficiente para prover todas as necessidades mínimas do indivíduo, nem resguardar a dignidade humana em sua totalidade, que é preservada quando os direitos sociais são acessíveis. Nesse sentido, é de extrema importância que políticas progressivas de reajuste e valorização permanentes e continuadas do salário mínimo continuem sendo um plano de governo federal, que não deve ser abandonado, sob pena de causar um

28 BRASIL. Constituição Federal. 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 6 mar. 2019.

29 CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. A Segurança Alimentar e

Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil. Indicadores de monitoramento. Da Constituição de 1988 aos dias atuais. Brasília: CONSEA, 2010. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/Consea/publicacoes/seguranca-alimentar-e-nutricional/a-seguranca-alimentar-e- nutricional-e-o-direito-humano-a-alimentacao-adequada-no-brasil-indicadores-e-monitoramento/relatorio-Consea.pdf. Acesso em: 1 jun. 2019. p. 101.

30 Ibid, p. 101. 31 Ibid, p. 101.

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impacto negativo na garantia de preservação do direito de níveis de alimentação adequados aos grupos de pessoas mais vulneráveis.

Assim como a política do salário mínimo, importante observar os programas de assistência social – popularmente conhecidos como Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Bolsa Família –, objetivando a garantia do enfrentamento à insegurança alimentar e nutricional. O Programa Bolsa Escola – PNBE era gerenciado pelo Ministério da Educação e destinado à família com renda per capita mensal de até ½ salário mínimo, e que tivesse crianças e adolescentes com idades entre 06 e 15 anos matriculados na escola, no ensino fundamental, com exigência mínima de 85% de frequência escolar para permanecer no programa. No final do ano de 2002, estavam sendo beneficiadas 5,1 milhões de famílias, e foi no mesmo ano que o governo federal criou os programas de Bolsa Alimentação e Auxílio Gás, com o objetivo de combate à pobreza32.

O Programa Bolsa Alimentação era gerido pelo Ministério da Saúde e tinha como meta combater a desnutrição e a mortalidade infantil, sendo destinado às famílias com renda per capita inferior a ½ salário mínimo e que tivessem gestantes, nutrizes, e crianças entre 06 meses a 6 anos de idade, período que configura a primeira infância. Para permanecer no programa, as famílias deveriam fazer o acompanhamento do crescimento da criança junto ao atendimento de saúde pública, realizando as consultas de pré-natal e cumprindo a cartilha de vacinação33. Em setembro do ano de 2003, o Programa concedia 2,3 milhões de benefícios, distribuídos entre 5.163 municípios (92%), segundo dados apresentados pelo Consea34. Já o Programa do Auxílio Gás acontecia sob a gestão do Ministério de Minas e Energia e repassava de dois em dois meses o valor de R$ 15,00 (quinze reais) para famílias com renda per capita de até ½ salário mínimo. No ano de 2002, 6,4 milhões de famílias eram atendidas pelo programa35.

Essas políticas públicas apresentadas ajudaram muitas famílias brasileiras pobres em situação de vulnerabilidade social extrema a ter resguardados os direitos mínimos que garantissem a alimentação, especialmente para crianças e adolescentes, e os recursos eram

32 CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. A Segurança Alimentar e

Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil. Indicadores de monitoramento. Da Constituição de 1988 aos dias atuais. Brasília: CONSEA, 2010. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/Consea/publicacoes/seguranca-alimentar-e-nutricional/a-seguranca-alimentar-e- nutricional-e-o-direito-humano-a-alimentacao-adequada-no-brasil-indicadores-e-monitoramento/relatorio-Consea.pdf. Acesso em: 1 jun. 2019. p. 107.

33 Ibid, p. 107. 34 Ibid, p. 107. 35 Ibid, p. 108.

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utilizados pelas famílias, de fato, para a aquisição de alimentos. Entretanto, como os programas eram geridos por órgãos diferentes, a descentralização impedia uma atuação mais abrangente que beneficiasse mais famílias. Foi então que, no ano de 2003, objetivando o combate à miséria e à fome, foi criado, por meio da estratégia do Programa Fome Zero, o Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar Combate à Fome – Mesa e houve a reinstalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea. Com isso, o Programa de transferência de renda foi centralizado por meio da criação de um único programa de Cartão Alimentação, que, no mesmo ano, transformou-se no Programa Bolsa Família – PBF36.

O Programa Bolsa Família passou a ser coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. A unificação de todos os programas de transferência de renda anteriores em um só manteve como condicionantes a permanência do benefício, os atendimentos e as supervisões na área de educação e saúde, conforme já demandava37. Para que as famílias continuassem (ou continuem) sendo beneficiadas pelo PBF, elas devem manter crianças e adolescentes na escola, observando e cumprindo um nível mínimo de frequência na escola, além de se tornar responsável por um acompanhamento de atendimento à saúde de forma continuada a crianças e adolescentes, como, por exemplo, mantendo a agenda de vacinação, além de um acompanhamento quanto ao desenvolvimento físico e mental dessas crianças por meio da rede básica de atendimento à saúde. Foi assim que o Programa da Bolsa Família passou a beneficiar todas as famílias carentes brasileiras. Com essa renda adicional, os índices de insegurança alimentar e nutricional diminuíram significativamente.

Segundo o Consea, o PBF busca alcançar famílias com renda per capita de até R$ 140,00 (cento e quarenta reais por mês). Famílias com renda per capita de até R$ 70,00 (setenta reais) por mês são consideradas extremamente pobres e teriam direito a um benefício básico de R$ 68,00 (sessenta e oito reais) além dos benefícios variáveis. Famílias com renda per capita entre R$ 70,00 (setenta reais) e R$ 140,00 (cento e quarenta reais) seriam consideradas pobres e teriam benefícios variáveis, como, por exemplo, famílias com crianças e adolescentes de até 15 anos receberiam R$ 22,00 por pessoa nessa idade até o limite de três; e famílias com jovens

36 CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. A Segurança Alimentar e

Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil. Indicadores de monitoramento. Da Constituição de 1988 aos dias atuais. Brasília: CONSEA, 2010. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/Consea/publicacoes/seguranca-alimentar-e-nutricional/a-seguranca-alimentar-e- nutricional-e-o-direito-humano-a-alimentacao-adequada-no-brasil-indicadores-e-monitoramento/relatorio-Consea.pdf. Acesso em: 1 jun. 2019. p. 108.

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entre 16 e 17 anos receberiam o valor de R$ 33,00 por pessoa nessa idade até o limite de dois. Em 2009, o programa atendia 12,4 milhões de famílias, com recursos na ordem de 11,8 bilhões38.

O valor do salário mínimo no ano de 2002 era de R$ 200,00 (duzentos reais); no ano de 2003, sofreu um reajuste e passou para o valor de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais)39. O Programa de transferência de renda do Bolsa Família, em 2003, baseava a renda per capita das famílias beneficiadas que tivessem renda familiar menor que o salário mínimo vigente à época. Assim, é fácil perceber que todos os Programas de transferência de renda, em especial, a Bolsa Família, tinham por objetivo resguardar os grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social para que fosse preservado a essas famílias o mínimo de renda com o objetivo de que a Segurança Alimentar e Nutricional – SAN fosse alcançada, beneficiando famílias com renda per capita menor que o salário mínimo vigente.

Nesse sentido, o Consea apresenta o quanto o programa foi benéfico nas melhorias do SAN dos grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social, por meio de pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE. Essa pesquisa, publicada no ano de 2008, comprovou que 87% das famílias beneficiadas pelo Bolsa Família utilizavam os recursos do Programa para a aquisição de alimentos. O percentual no Nordeste chegou a 91% em função de essa região ter uma realidade de insegurança alimentar e nutricional historicamente mais presente e contínua. O Consea também apresenta dados do IPEA, em 2009, quando comprova que o Bolsa Família foi responsável por 12% da queda da desigualdade social entre os anos de 2001 a 200840. Face ao exposto, compreende-se que os programas sociais em comento são fundamentais para erradicar a insegurança alimentar e nutricional, problema que acomete os grupos em situação de vulnerabilidade socioeconômica no Brasil.

2.1 DIGNIDADE HUMANA E DIREITO À ALIMENTAÇÃO

38 CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. A Segurança Alimentar e

Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil. Indicadores de monitoramento. Da Constituição de 1988 aos dias atuais. Brasília: CONSEA, 2010. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/Consea/publicacoes/seguranca-alimentar-e-nutricional/a-seguranca-alimentar-e- nutricional-e-o-direito-humano-a-alimentacao-adequada-no-brasil-indicadores-e-monitoramento/relatorio-Consea.pdf. Acesso em: 1 jun. 2019. p. 107.

39 Tabela dos Valores Nominais do Salário Mínimo. Disponível em:

http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm. Acesso em: 2 jun. 2019.

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A dignidade da pessoa humana tem previsão constitucional no artigo 1º, inciso III da Constituição, quando trata dos fundamentos da República Federativa do Brasil41. Ela será atendida quando os preceitos constitucionais forem salvaguardados pelo Estado, respeitando e garantindo os direitos fundamentais previstos nos artigos da Constituição, entre eles, o direito social à alimentação.

A definição da dignidade está disciplinada no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, quando em seu texto dispõe inicialmente que: considera-se o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana, posto que os direitos devem ser iguais e inalienáveis, constituindo o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo. No artigo 1º da Declaração Universal, a dignidade e os direitos são garantias dos seres humanos que nascem livres e iguais, posto serem dotados de razão e de consciência, devendo agir de forma fraterna uns para com os outros.

A ideia de ser humano dotado de razão e de consciência parte do pensamento de Immanuel Kant, quando este associa a dignidade à autonomia ética. Nesse sentido, o ser humano não poderá ser tratado como objeto, independentemente da sua origem ou condição social, não podendo ser instrumento das relações jurídicas, pois o ser humano é o fim em si mesmo42.

Segundo Ingo Sarlet, a dignidade humana é qualidade intrínseca e indissociável do ser humano, sendo esta considerada um dos postulados do direito constitucional contemporâneo, que está intimamente associada aos direitos fundamentais, civis, políticos e sociais, que garantem a liberdade do ser43. A dignidade humana será protegida quando o indivíduo tiver a liberdade preservada e garantida pelo Estado social. Já o direito à alimentação vai assegurar a dignidade por meio do exercício dos outros direitos, posto ser indispensável à existência.

Nessa direção, Edilson Pereira Nobre Júnior dispõe que a dignidade humana pode ser analisada mediante várias vertentes. Para tanto, o Estado e a sociedade devem respeitar a condição do ser. Ademais, a consagração constitucional da dignidade da pessoa resulta também na obrigação do ente público em garantir, aos indivíduos, um patamar mínimo de recursos com fins de garantir-lhes a subsistência. Além disso, há a perspectiva de que o indivíduo não poderá

41 BRASIL. Constituição Federal. 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 6 mar. 2019.

42 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2006. p. 32.

Referências

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