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Acolhida da criança e roda de conversa: um momento de interação

SEÇÃO 5. RESULTADOS DAS ANÁLISES REFERENTES ÀS CONCEPÇÕES

5.5 A avaliação no cotidiano da Educação Infantil

5.5.2 Acolhida da criança e roda de conversa: um momento de interação

Observamos que a entrada da criança de manhã é um momento tranquilo. As crianças chegam muito cedo à EMEI; algumas chegam quietas, sonolentas, outras chegam conversando e cantando. Em um dia específico, nota-se que a professora percebeu haver duas crianças que estavam muito “quietas” e cujo comportamento em geral não é esse. Ela pergunta a essas duas crianças se a mesmas estavam com sono e elas confirmam que sim. A professora pergunta se elas querem se deitar um pouquinho, as crianças respondem que não querem e logo despertam e se envolvem na brincadeira.

A professora relatou que, na maioria das vezes em que elas ficam assim, é porque provavelmente dormiram tarde e estão com sono. Observamos também que, na hora da entrada, um menino começou a chorar, porque queria ir embora com sua avó materna. Nesse momento, a professora pediu para que a avó fosse tranquila para sua casa, pois a criança ficaria bem; a outra professora deduziu que, como era segunda- feira, o fato de ele chorar era normal, porque passara o final de semana em casa. A avó decide ir embora, afirmando que achava que a criança estava ficando gripada e que, se precisasse, viria buscá-la mais cedo. Nesse momento, as demais crianças chamam o menino para brincar e, depois de pouco tempo, ele fica bem. Não presenciei nenhum fator diferente dessas situações, nos demais dias.

Os pais/responsáveis possuem livre acesso para adentrarem a sala e deixarem seus filhos. A maioria deles deixa a criança e já vai embora, outros permanecem por algum tempo, ora conversando com a professora, ora com a criança. Algumas crianças, ao chegarem, abraçam as professoras, outras apenas falam “bom dia” e se sentam para brincar com os materiais propostos.

Conforme elucidado, as professoras usam a acolhida como um momento de interação entre a escola e aluno. É um momento no qual é muito comum os pais e crianças ficarem inseguros, de sorte que a escola deve garantir que o momento da

entrada seja acolhedor e prazeroso. É através da qualidade do acolhimento oferecido à criança que será garantida a qualidade de sua adaptação. Segundo Ortiz (2000), as crianças apresentam muita ansiedade na separação da família, assim, a escola tem um papel fundamental ao estabelecer o corte na relação mãe-filho, e isso pode ser bastante positivo para ambos: a escola e o professor são o porto seguro da criança, devendo garantir o tempo todo (através de sua atenção e de atividades adequadas) que elas não serão esquecidas.

Nesse mesmo contexto, Bassedas, Huguet e Solé (1999) explicam a necessidade de compreender que a separação da família ou das pessoas que cuidam da criança “[...] pode ser dolorosa, porque é gerada uma angustia sobre sua própria segurança. Perder de vista as pessoas que estão em seu ponto de referência [...] cria um sentimento de medo e mal-estar e necessitam de ajuda para superá-lo.” (p. 155). Por isso, é importante haver acomodações e variações na entrada da criança.

Caracterizamos como positivo os pais poderem entrar na instituição e levar a criança até a sala de aula. Esse momento, além da escola oportunizar o contato direto e diário da família com as professoras, também traz a possibilidade de a mesma observar o ambiente, as outras crianças que estão no pátio, as atividades realizadas pelas crianças que estão expostas no mural etc.

A família possui grande influência na aprendizagem da criança. Assinalam Ferreira e Garms (2009, p. 549):

Uma vez destacada a importância da família, vale analisar a sua ação socializadora e sua relação com a educação, visto que é consenso entre os pesquisadores o papel que os pais desempenham como primeiros educadores de seus filhos, sendo pares indispensáveis no processo de educação da criança. De acordo com os autores, a família deve ter a clareza da sua importância da educação infantil como instância socializadora parceira e não rival dos pais.

Dessa maneira, a escola precisa esclarecer a família sobre a sua função e sobre a necessidade da interação. Essa interação entre família e escola é prevista na LDBEN 9394/96, mais precisamente, em seu art. 12, no qual assegura que os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola.

Após a acolhida, as crianças, juntamente com as professoras, seguem para tomar café e retornam para a sala, onde ocorre a roda de conversa e, posteriormente, outras atividades.

Na maioria das vezes, as rodas de conversa aconteceram na própria sala de aula onde as crianças ficavam sentadas no tapete em círculo, juntamente com as duas professoras. Por meio das rodas de conversa diárias, pudemos perceber que se trata de um momento muito rico de interação entre crianças e professoras.

Primeiramente, a professora faz a chamada, explica as atividades que vão realizar e (re)lembra as regras da sala. As próprias crianças relatam, juntamente com as professoras, as regras e participam da chamada, mostrando quem está ausente e presente. As professoras aproveitam a chamada para trabalhar alguns conceitos matemáticos relacionados à adição e à subtração, através de indagações (quantos vieram, quantos faltaram, hoje temos mais meninos ou meninas, e se a Lorena chegar, com quantos ficaremos etc.). Geralmente, há, na roda de conversa, o momento de musicalização, na qual a professora canta e trabalha com algumas parlendas.

Ressaltamos que, nas rodas de conversa diárias presenciadas, foram explanados diversos assuntos, contudo, notamos que o assunto “dengue” era o que mais chamava a atenção e alvoraçava as crianças. Todos queriam falar e dar exemplos, para poder combater o mosquito. Da maneira deles, conseguiam explicar sobre os malefícios da doença e sobre a preservação da saúde. O interesse das crianças nesse assunto era tão presente que resultou na elaboração de um Projeto intitulado “Xô dengue”, conforme elucidamos no item 5.5.

Outro assunto no qual as crianças eram movidas a conversar era quando as professoras começavam a explicar sobre a festa de encerramento do ano letivo, quando a apresentação do Maternal seria um musical da “Frozen, uma aventura congelante!”18. Elas começavam a explicar o filme, sobre os poderes da personagem principal, cantavam e ficaram eufóricas para iniciar o ensaio. As professoras nos explicaram que o tema da festa seria sobre “Filmes Infantis” e, devido ao fato de a turma inteira estar encantada com as personagens da trama, não haveria como escolher outro filme. Em suma, as crianças sabiam mais detalhes sobre o filme, enredo e música, do que as professoras propriamente.

18 “Frozen, uma aventura congelante!” é um filme de animação musical estadunidense que conta a história de duas irmãs, Ana e Elsa, filhas do rei de um pequeno povoado chamado Arendelle.

De modo geral, na roda de conversa, as crianças falavam e expressavam seus sentimentos. As professoras conduziam primeiramente o assunto e concomitantemente as crianças iam se posicionando. Em alguns momentos, as professoras precisavam estimular algumas crianças mais “caladas” a se expressarem, já as mais “falantes” eram conduzidas a esperar o coleguinha falar.

De acordo com De Vries e Zan (1998), o momento da roda de conversa tem dois principais tipos de objetivos: os sociomorais e os cognitivos. Dos objetivos sociomorais, o principal é um incentivo ao autogoverno, quando o grupo vai sendo trabalhado para que as crianças adquiram individualmente uma autonomia, começam a aprender que todos terão sua vez de participar das discussões e conversas, ajudando a decidir o que ocorre na sala. Pode ser interpretado como um contato com a democracia. Já os objetivos cognitivos estão associados ao desenvolvimento geral do raciocínio e inteligência, através de uma variedade de conteúdos.

Dessa forma, elucidamos que a roda de conversa apresenta proposições da concepção construtivista, uma vez que o conhecimento é visto como produto da ação e reflexão do aprendiz, pois, diante de um novo desafio a criança se esforça para reorganizar suas ideias, apoiando-se naquilo que já conhece.

A roda de conversa é uma prática social que deve ser realizada cotidianamente, na Educação infantil, para que as crianças tenham o direito de se expressar e, acima de tudo, de ser ouvidas. Não é mais possível nos remetermos às crianças da Idade Média, mencionadas por Ariès (1981), como meros seres biológicos, sem estatuto social nem autonomia. As crianças devem ser reconhecidas como crianças concretas, as quais possuem relações sociais e são reprodutoras de sua história: é preciso pensar na criança como sujeito histórico. (KUHLMANN JÚNIOR, 2015).

Ao ouvir a criança e entender seus sentimentos, necessidades e vontade, as professoras passam a conhecê-la melhor, tendo em mãos subsídios que lhes servirão (juntamente com outros instrumentos) para realizar a avaliação processual. Para tanto, é preciso novamente uma observação investigativa e reflexiva.