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Acolhimento Familiar – uma medida esquecida? Contornos desta realidade em Portugal

PARTE I – Enquadramento teórico

Capítulo 3 – Acolhimento familiar: fundamentos, pressupostos e práticas

3.2. Acolhimento Familiar – uma medida esquecida? Contornos desta realidade em Portugal

Em junho de 2015 foi aprovada uma nova legislação (Lei nº 142/2015, de 8 de setembro) em matéria de proteção de crianças e jovens em perigo que estabeleceu o seguinte:

privilegia-se a aplicação da medida de acolhimento familiar sobre a de acolhimento residencial, em especial relativamente a crianças até aos 6 anos.

Apesar deste reconhecimento inscrito na lei e dos vários reparos internacionais de que o nosso país tem sido alvo, os números portugueses relativos ao acolhimento familiar são dos piores entre os países desenvolvidos (Eurochild, 2010).

O Relatório CASA de 2015 dá conta da caraterização anual da situação de acolhimento de crianças e jovens e evidencia a tendência já verificada nos últimos anos, revelando uma descida sistemática da medida de acolhimento familiar nas últimas décadas (Instituto da Segurança Social, 2016).

Atendendo aos dados de 2004, verificámos que existiam 3.128 crianças e jovens em situação de acolhimento familiar, a maioria em famílias com laços de parentesco (1802). Em 2008, com a entrada em vigor do novo decreto-lei, passaram a existir 918 crianças em acolhimento familiar, sendo que destas crianças, apenas 189, estavam em famílias com laços de parentesco, o que comprova o decréscimo acentuado verificado com a nova legislação. A tendência tem sido constante no sentido da diminuição de crianças e jovens nesta medida de colocação, fazendo os números descer para 303 no ano de 2015, pelo que esta medida corresponde a 3,5% das medidas de promoção e proteção existentes (ISS, 2016).

Conforme tem sido apanágio, mantém-se um claro predomínio das respostas de acolhimento prolongado, sendo a primeira opção os Lares de Infância e Juventude (62%), seguindo-se os Centros de Acolhimento Temporário (24,8%) (ISS, 2016).

O sistema de proteção português caracteriza-se por longos períodos de acolhimento. Das 2.612 crianças e jovens que cessaram o acolhimento, verifica-se que 32% teve um período de acolhimento inferior a um ano, enquanto 46% esteve acolhida por períodos compreendidos entre 1-3 anos (ISS, 2016).

Analisando a distribuição geográfica destas crianças e jovens em acolhimento, constatamos que estas se encontram predominantemente nos grandes centros, como Lisboa (18,6%) e Porto (17,9%), seguindo-se o distrito de Braga (7,2) (ISS, 2016). Referindo-nos, concretamente, ao acolhimento familiar, 2008 é, de facto, um ano de quebra acentuada. Mas depois disso os números continuaram a diminuir, porque o Instituto da Segurança Social (ISS) deixou de aceitar novas famílias para o programa, com exceção da zona Norte. Desde que se interrompeu o programa houve uma única associação no país a captar, a formar e a supervisionar, consistentemente, crianças em famílias de acolhimento nos últimos anos. A Mundos de Vida, trabalha a partir de Famalicão e atua nos distritos de Braga e Porto, fazendo com que a medida seja mais expressiva nestas zonas do país (Marinho, 2014). Em 2011, 52% das medidas de colocação em acolhimento familiar foram no distrito do Porto (Delgado, 2013).

No que concerne à faixa etária e ao sexo, verifica-se que a população acolhida é, maioritariamente, do sexo masculino (51,7%), embora a situação se inverta a partir dos 15 anos e há um predomínio da faixa etária entre os 12-17 anos (ISS, 2015). Afere-se destes dados que a população acolhida é, sobretudo, adolescente e que, com mais frequência, os jovens são retirados em idades tardias.Sabe-se que entre os 0-3 anos, a medida de acolhimento familiar, diz respeito a somente 0,7% dos casos (Delgado, 2013). Estes números contrariam, mais uma vez, a intenção do legislador que refere que esta opção seria particularmente benéfica para crianças até aos 6 anos.

A partir de um estudo levado a cabo por Delgado et al. (2013) no distrito do Porto, é possível fazer uma caracterização global das famílias de acolhimento. A amostra era constituída por 168 famílias, a maior parte das quais casais (78.6%). Ainda assim, verificaram-se situações de acolhimento isoladamente, 20.8% por parte de mulheres que acolheram sozinhas e apenas um homem estava como família de acolhimento isoladamente. O escalão etário dos acolhedores situa- se entre os 46 e os 65 anos em 77,7% da amostra. As famílias que acolhem enquanto casal têm essencialmente o 1º ciclo do ensino básico. Relativamente aos filhos, a maioria dos acolhedores tem filhos próprios, por norma mais velhos do que as crianças ou jovens que acolhem e constatou- se que mais de metade destas famílias acolhe há mais de 11 anos (Timóteo, Bertão, Carvalho, & Sampaio, 2013).

Atentando para a questão das visitas, é significativo o número de crianças e jovens que não têm visitas por parte da sua família de origem (42,2%), mas quando estas ocorrem, a mãe é a figura parental mais presente. Estas visitas decorrem maioritariamente em casa dos

acolhedores, seguindo-se a casa da família natural e só depois surgem outros espaços, como os centros educativos e as próprias instalações dos serviços sociais (Delgado & Carvalho, 2013).

Em suma, poderemos afirmar que o acolhimento familiar em Portugal se caracteriza por quatro traços fundamentais: a sua reduzida visibilidade, a generalidade, o humanismo e a transitoriedade (Delgado, 2007).

Tomando como referência os dados já apresentados, percebemos que esta é uma medida com uma expressão muito pouco significativa quando comparada nomeadamente com o acolhimento residencial. Esta situação pode dever-se a muitos fatores de ordem social e histórica, mas também à falta de divulgação da medida, seja através de campanhas de sensibilização, dos meios de comunicação social ou de outras fontes de informação pois, na realidade portuguesa, a forma de recrutamento das famílias ocorre sobretudo “boca-a-boca”. Contribuem, igualmente, para este fenómeno, os poucos estudos e as poucas iniciativas para discutir a temática (Delgado, 2007).

Um outro traço do acolhimento é a sua generalidade que está relacionada com a falta de formação das famílias e critérios flexíveis na seleção das mesmas, a ausência de modalidades específicas de acolhimento e um sistema remuneratório idêntico para todas as famílias, com exceção para as crianças com deficiência (Delgado, 2011).

Ao acolhimento familiar no nosso país associa-se o humanitarismo, pelas verbas disponibilizadas aos acolhedores, que são consideradas insuficientes, bem como pela ausência de uma organização que represente as famílias acolhedoras e que promova a sua participação na execução da medida, como acontece noutros países. Este carácter humanitário define-se pela ausência de preparação, pela não atualização de saberes e pelas dificuldades em estreitar relações com as famílias biológicas, podendo comprometer o próprio objetivo da medida (Delgado, 2010b). Por fim, a transitoriedade, que se prende com o regresso à família de origem e com o caráter temporário da medida, embora na prática isto não se verifique (Delgado, 2010b).