• Nenhum resultado encontrado

O que esperam as crianças acolhidas dos seus acolhedores e do acolhimento?

PARTE I – Enquadramento teórico

Capítulo 3 – Acolhimento familiar: fundamentos, pressupostos e práticas

3.5. O que esperam as crianças acolhidas dos seus acolhedores e do acolhimento?

Aquilo que cada um de nós é como pessoa depende do que foram os adultos que povoaram a nossa infância (Diniz, 1993, p. 22)

As crianças acolhidas não tiveram, muitas das vezes, adultos interessados nos seus pensamentos e sentimentos de forma a conseguirem ver o mundo do seu ponto de vista, providenciando conforto e tranquilidade, o que se repercute no seu desenvolvimento a vários níveis (Ahmed et al., 2015). É esta ideia que leva a indagar sobre quais as expectativas e desejos destas crianças e jovens para que, tomando como ponto de partida a citação supracitada, possamos contribuir para a formação de crianças e jovens, de modo a que sejam melhores seres humanos, contrariando algumas referências que possam ter povoado as suas infâncias.

Estas crianças, como quaisquer outras, não precisam todas do mesmo tipo de cuidados, mas há necessidades comuns, partilhadas por todas, como o quererem sentir-se amadas,

integradas e escutadas. Procuram uma vida o mais “normal” possível, respeito pelas suas origens, informação sobre os seus direitos, controlo e influência sobre decisões-chave e oportunidades (Wilson, Sinclair, Taylor, Pithouse, & Sellick, 2004).

Schofield e colaboradores (2000, citado por Ahmed et al., 2015) referem que, particularmente, nos casos das crianças maltratadas é preciso que os acolhedores desenvolvam uma relação empática, “calcem os seus sapatos”, para tentar imaginar o que é que elas podem estar a sentir. A sensibilidade dos cuidadores é, por isso, fundamental para promover o progresso da criança na medida em que devem fazer conexões entre o passado e presente para compreender o comportamento da criança. Assim, é necessário um ambiente caracterizado pela estabilidade, disponibilidade física, emocional e afetiva, e uma particular sensibilidade para compreender os pensamentos e sentimentos da criança de modo a responder às suas necessidades.

Esta relação empática que se espera que se estabeleça entre acolhedores e acolhidos ajuda a criança ou o jovem a desenvolver um sentido positivo sobre si mesmo, mas também é importante ter consciência de que a própria criança influencia o ambiente que a rodeia e as respostas que os seus acolhedores lhe dão (Delgado, 2010a). Reforçando esta ideia, olhemos para as palavras de Delgado (2008, p.37): “acolher mobiliza comportamentos e conhecimentos distintos dos que foram necessários aos acolhedores para educar os seus próprios filhos”.

As crianças que de alguma forma sofreram maus-tratos e depois foram acolhidas, têm uma maior experiência de estilos parentais do que a maiorias das crianças e jovens, pelo que podem conseguir contrastar a experiência negativa que tiveram com a atual, o que os ajuda a ter uma visão mais esperançosa da vida (Ahmed et al., 2015).

Timóteo e Alheiro (2003) realizaram dois grupos focais com o intuito de se falar sobre o acolhimento, de modo a ouvir a opinião dos protagonistas da medida e a recolher sugestões relativamente a esta. Estes grupos focais permitiram perceber que as crianças e os jovens veem estas famílias como suporte para resolver problemas, procurar ajuda, descrevendo-a como sendo o lugar onde são ouvidos e onde procuram segurança em relação ao futuro. Nos testemunhos, evidenciam que estas famílias valorizam os seus percursos escolares e os apoiam nesta área da vida, exprimindo a perceção de um apoio incondicional por parte dos acolhedores como sendo um dos aspetos mais positivos. Outra evidência está relacionada com o sentimento de pertença e de satisfação que sentem por fazerem parte da família de acolhimento e que, de certa forma, faz com que não sintam necessidade de manter os contactos com a família de origem, com a qual pensam que deveriam ter o poder de decidir se querem ou não manter as visitas. Por outro lado, no grupo

focal realizado com os mais velhos (a partir dos 15 anos) foi possível perceber o desagrado e a revolta dos jovens relativamente à perda de relação com os irmãos biológicos, sendo os próprios a referir que têm direito a conhecê-los. Nos casos em que sabem da existência destes irmãos, revelam vontade em reaproximar-se deles e em manter laços.

Numa outra perspetiva, a maioria dos jovens considera que as informações que lhes são prestadas quando são retirados das suas famílias de origem são insuficientes e repentinas, e evidenciam ter poucas informações sobre a transição (Timóteo & Alheiro, 2013).

Numa linha de investigação que tinha como objetivo explorar a vinculação de crianças entre os 12-15 anos com os seus pais, a atitude relativamente aos acolhedores, aos estilos parentais e as suas opiniões face aos cuidadores, foi possível concluir que os aspetos positivos do acolhimento estão relacionados com estilos parentais claros e limites firmes conciliados com uma sensação de liberdade. De igual modo, as crianças acolhidas valorizam a possibilidade de passarem tempo com os seus acolhedores e o envolvimento em atividades conjuntas, o que inclui passeios, ir a festas, a jogos e a praticar desporto. No que respeita à autoridade, as crianças consideravam positivo o facto de os acolhedores explicarem os motivos que levaram a uma determinada punição e apresentarem alternativas de comportamento possíveis. Neste sentido, salientaram que os acolhedores não emitiam juízos de valor relativamente ao comportamento embora o corrigissem, porque sabiam ver a criança para lá deste comportamento. Nos resultados obtidos no âmbito da perceção dos cuidados, os participantes fizeram menção a aspetos como: garantir que eles comessem; manifestar preocupação com a aparência das crianças e dos jovens; certificar-se de que não havia trabalhos de casa e incentivá-los a fazer alguns trabalhos para que se preparassem melhor para os testes, isto é, encorajá-los a estudar; por último, manifestaram agrado face ao receber presentes e dinheiro (Ahmed et al., 2015).

Por oposição, algumas sentiram-se rejeitadas e a este nível mencionaram a diferença de tratamento prestado pelos acolhedores comparativamente aos seus filhos biológicos. As crianças ou jovens que se sentiram dececionados referem a falta de apoio em momentos de dor ou de doença (Ahmed et al., 2015).

Na revisão da literatura de Minnis e Walker (2012), os autores indicaram que as crianças concordam que a opção pela colocação em acolhimento familiar foi a melhor para elas, porém salientam que gostariam de estar mais envolvidas nas decisões relativamente aos cuidados que recebem e que fossem ouvidas de uma forma mais próxima. Esta conclusão é semelhante à obtida no estudo de Delgado et al. (2013) em que os jovens referem a insuficiência da informação como

um dos aspetos negativos (Timóteo & Alheiro, 2013) e que se aproxima das lacunas referenciadas pelas famílias de acolhimento no que respeita ao conhecimento que têm da criança que vão acolher e das suas origens (Sousa et al., 2013). Efetivamente, o conhecimento da criança sobre a sua situação e o motivo que origina o acolhimento, assim como dotar a família de acolhimento de mais informações sobre a criança ou jovem poderão ser fatores que contribuem para um maior sucesso da medida (Léon, 2012).

Face às conclusões obtidas em diversos estudos relativamente ao que as crianças esperam relativamente ao acolhimento e aos seus acolhedores, aquilo que valorizam e que consideram ter sido ferramentas úteis para as suas vidas, importa sublinhar a ideia partilhada por Palacios (2015, p.19): “invariavelmente, nascemos com as características da nossa espécie e para nos desenvolvermos de forma adequada necessitamos invariavelmente do ambiente de adaptação que ficou gravado no nosso genoma”.