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Expectativas de futuro durante o período de acolhimento

PARTE III – Análise e discussão dos dados do estudo empírico

Capítulo 2 – Interpretação e discussão dos dados

2.7. Expectativas de futuro durante o período de acolhimento

Esta categoria centrou-se nas intenções relativamente ao acolhimento, a projetos e sonhos a vários níveis que os sujeitos desejavam alcançar, ou que gostariam de ter realizado, no seu percurso de vida e à reflexão sobre essas mesmas expectativas.

Definida a medida de acolhimento familiar, importa definir-se um projeto de vida para a criança ou jovem, de modo a viabilizar a realização de diagnósticos, planificação e execução da intervenção.

Nos dados apresentados por Bertão et al. (2013), constatou-se que, para mais de metade das crianças acolhidas, o seu projeto de vida passava pela autonomização (54,7%), permanecendo na família de acolhimento até à maioridade ou término da medida. Apesar de o legislador considerar o acolhimento como medida temporária, verificou-se que só uma percentagem mais reduzida de 13,1% tinha como projeto de vida a (re)integração na família nuclear e 0,3% na família alargada.

2.7.1. Regresso à família de origem

Quando questionámos os jovens – adultos relativamente às suas expectativas durante o acolhimento familiar, percebemos que, apenas para dois deles, a sua vontade era o regresso à família de origem. Esta era vontade de Emma (8, (26)) e de Jonathan (6, (23)):

Emma (8, (26)): sim...eu só pensava em voltar, não é?[…] mas houve alturas em que cheguei a pensar que nunca mais voltava para a minha mãe. Nunca soube exatamente o que é que ia acontecer, embora ela dissesse e dizia sempre que depois de ter casa e não sei quê que nos ia buscar, mas para mim aquilo...nunca ia acontecer, não é?

E: ok...durante o período de acolhimento quais eram as tuas perspetivas? pensavas regressar à família biológica?

Jonathan (6, (23)): sim...acho que sim. Acho que esse sempre foi o objetivo. É como eu digo, uma criança tão pequena não tem a capacidade de pensar mais além...

Contrariamente ao que é, habitualmente, defendido, percebemos que estes foram dois dos casos em que os jovens – adultos foram acolhidos numa idade mais precoce, aos 6 anos no

caso de Jonathan (6, (23)) e aos 8 no caso da sua irmã. No entanto, a idade precoce dos participantes não foi determinante para o sucesso da colocação (Delgado, 2003), pois existiram outras condições que se sobrepuseram, como a relação estabelecida com a família de acolhimento.

2.7.2. Permanência no acolhimento familiar

Os restantes participantes do estudo, Anna (6, (24)), Beta (16, (19)) e Mike (10, (27)) mostraram intenção de permanecer junto da família de acolhimento, encontrando-se semelhanças aos resultados obtidos em Delgado et al (2013), pois consideraram que este “foi um acolhimento para a vida não foi um acolhimento temporário” (Beta (16, (19)). Mais uma vez, evidencia-se a necessidade de assumir que, por vezes, o objetivo do acolhimento não é, necessariamente, o regresso à família de origem (Delgado, 2010).

Anna (6, (24)): […] era assim que eu pensava. Eu estou aqui, são eles que tratam de mim, são eles que me dão educação, são eles que me vestem, são eles que me calçam…eu nunca pensei voltar para trás. Não com essa idade […].

Beta (16, (19)): eu já ia fazer 18 anos daí a dois anos não é, então...eu nunca tive intenções de voltar, sempre quis ficar com aquela família e continuo a viver com essa família.

2.7.3. Sonhos/ambições

Nesta subcategoria quisemos conhecer as expectativas, interesses, sonhos, planos em termos escolares e profissionais dos jovens – adultos.

Relativamente à prossecução dos estudos não obtivemos grandes verbalizações por parte dos sujeitos, excetuando Emma (8, (26)) que, referindo-se ao presente afirmou que “queria tirar o curso. Queria ser advogada. Não lhe digo que fosse para exercer, mas se o tirasse já ficava satisfeita”.

Quando comparamos este tipo de produções verbais dos sujeitos acerca das suas expectativas com o nível de habilitações e trabalho que possuem no presente, constatamos que estas não foram concretizadas por diversas circunstâncias: contrariedades com as quais se foram debatendo no itinerário de vida, nomeadamente, saída precipitada da instituição e a maternidade. Em contrapartida, Anna (6, (24)) deu-nos a conhecer de que forma as suas ambições profissionais se modificaram ao longo do tempo. Numa primeira fase, dizia “oh pai, eu vou ser mecânica”, porque eu “acho que a profissão que o meu pai gostava que eu tivesse sido era mecânica” e recorda alguns desses momentos: “ele amarrava uma corda ao carro e dizia «depois tens que

conduzir, puxas aqui o travão de mão» e eu fazia aquilo com muito orgulho. Lavava os carros na oficina, aspirava o carro, ficava toda contente”. Mais tarde, “surgiu aquela que era a ideia de turismo, porque me abria portas a nível de hotéis, muitas coisas”, mas acabou por ingressar num curso profissional de termalismo, por não existirem vagas no curso que queria. Tal como aconteceu com Emma (8, (26)), ambas foram confrontadas com alguns constrangimentos ao longo das suas vidas que não lhes permitiram cumprir com os seus sonhos ao nível das habilitações.

Outros dos participantes, quando questionados relativamente aos sonhos e ambições durante a infância, particularizando o período de acolhimento, revelaram dificuldades nesta capacidade de sonhar e de definir objetivos, porque o “objetivo do dia era chegar ao dia seguinte e passar o tempo de alguma forma” (Beta (16, (19)). É reconhecido que as crianças vítimas de maus-tratos, como consequência da exposição a este tipo de condutas, apresentam uma baixa motivação, iniciativa e a própria capacidade de sonharem fica condicionada (Magalhães, 2005): “ambições e sonhos...eu antes não tinha grandes ambições e sonhos” (Beta (16, (19)).

Considerámos que nos seus discursos parece existir alguma apatia, passando a ideia de “viver um dia de cada vez”, “porque eu não conseguia desenvolver objetivos a longo prazo” (Beta (16, (19))). Esta situação poderá estar relacionada, como já referimos, com os maus-tratos sofridos, uma vez que “as coisas em casa também não eram as melhores, embora eu quisesse lá estar, não é? e depois nas instituições também não, porque...eu nunca reagi muito bem àquela situação, não é? então a minha atitude era um bocado...de deixa andar, vou fazendo aquilo que tiver de fazer” (Emma, 8 (26)). Prosseguindo na mesma linha de pensamento, Mike (10, (27)) revelou que “eu sempre procurei muito esta área de dominar, de ter o controlo, o meu próprio controlo porque já estava farto de ser controlado de determinada forma”. A narrativa apresentada transmite a ideia de que estes jovens – adultos, cuja infância e adolescência é marcada pelos maus-tratos, sentem necessidade de ser autores da sua própria história e poder decidir o que querem, assim como revelam querer ter poder sobre os acontecimentos.

2.8. Representações acerca das potencialidades e dos constrangimentos do