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PARTE III – Análise e discussão dos dados do estudo empírico

Capítulo 2 – Interpretação e discussão dos dados

2.3. Relação com a família de origem

2.3.5. Dificuldades sentidas nas visitas

A discussão da subcategoria que agora se apresenta é central para a concretização do segundo objetivo específico. Assim sendo, questionámos os participantes sobre as dificuldades experimentadas no decorrer das visitas, de modo a descrever e a compreender o que nelas se passava.

Delgado (2003) caracteriza estes contactos como sendo normalmente difíceis, devido a alguns conflitos ou mal-entendidos entre as partes. Por outro lado, os níveis de integração social das famílias são distintos, pelo que o autor destaca, nas famílias de origem, maiores dificuldades de comunicação e relacionamento interpessoal, aliados a uma baixa tolerância à frustração e ao stress. Não deixa de se reconhecer, contudo, que é imprescindível fomentar as relações entre todos os envolvidos (Capdevila, 2004).

De acordo com os dados de Bertão et al. (2016), as dificuldades evocadas pelas crianças e jovens na realização das visitas estão relacionadas com o tempo curto dos contactos, as separações, as imagens negativas que cada família transmite uma da outra e a falta às visitas. Dos resultados que obtivemos, também encontrámos as imagens negativas que cada família transmite uma da outra como uma dificuldade partilhada. Vejamos alguns dos relatos:

Anna (6, (24)): eu sou-te sincera, os meus pais afastaram-me um bocadinho...aqueles a quem os chamo pais. Afastaram-me um bocadinho dessa família mesmo de sangue […] eles tentaram-me afastar, porque achavam que ela não era uma boa influência para mim […] Toda a gente tinha medo, não é? Quer dizer, a mãe já estava (referindo-se à droga), o filho já estava e é um mundo muito fácil de se entrar, mas muito difícil de se sair e ela é prova viva disso, não é?

Emma (8, (26)): fosse qual fosse o comportamento da minha mãe ela nunca foi bem vista nem bem-recebida na família de acolhimento. Em parte, eu acho que percebo, mas...evitavam ao máximo que houvesse visitas, quando ela ia embora diziam-nos coisas e queriam saber coisas, pronto...fiz-me entender? Observa-se nestes dois relatos que a imagem que as famílias de acolhimento possuem das famílias de origem é negativa, marcada pela desconfiança e pelo medo de que as práticas nocivas de alguns dos elementos da família de origem sejam incutidas às crianças, como no caso da toxicodependência. Comins (2010) salienta que é importante que a criança compreenda que a família de acolhimento sente grande respeito pela sua família de origem e que o facto de estar acolhido não deve privá-la da sua presença física e psicológica, o que não aconteceu nestas situações, onde os jovens – adultos revelam ter sentido que os acolhedores preferiam que estas visitas não tivessem ocorrido.

No caso de Anna (6, (24)), o acolhimento foi feito por parte de um tio materno e, talvez por isso, as dificuldades nas visitas tenham sido maiores, sendo que, frequentemente, a mãe aparecia sem avisar e pensava que, a qualquer altura, poderia levar a filha: “ela pensava que eles me iam buscar e isto era uma troca. Eles iam buscar-me e depois ela ao outro dia, pegava em mim e levava-me para casa”. Conforme refere Léon (2012) referindo-se às designadas famílias extensas no contexto espanhol, o acolhimento por familiares acarreta algumas desvantagens, particularmente porque mantém a criança muito próxima do contexto de risco, conforme presenciámos neste testemunho. Na mesma linha de preocupação Martins (2005) referia que um dos problemas presentes no perfil das famílias de acolhimento, caracterizadas pela existência de laços de parentesco com as famílias acolhedoras, residia no facto de os serviços prestados pelas famílias não serem qualificados nem especializados ao contrário do que se passava na maioria dos países onde esta medida tem maior visibilidade (Martins, 2005), podendo esta ser uma das razões para o término deste tipo de acolhimento no nosso país.

Esta imagem negativa que a família acolhedora possuía da família de origem acabou por influenciar o modo como decorriam as visitas de Emma (8, (26)) e do irmão, que tinham visitas da mãe “em casa...no pátio, porque não era permitido o acesso à casa à minha mãe”. Esta situação coloca constrangimentos ao relacionamento entre a família acolhedora e de origem que deveriam trabalhar em conjunto para o bem-estar das crianças. Neste sentido, Emma (8, (26)) refere que “neste tipo de situações”, os pais, ou “seja, quem for […] que tenha contacto com a criança” tem direito a “conhecer o espaço onde dorme, onde...sei lá, essas coisas” e a mãe nunca “teve essa hipótese”. Face às dificuldades manifestadas considerámos que deveria ter existido por parte da equipa técnica responsável pela medida, um acompanhamento no decorrer destas visitas

por forma a mediar estas situações, mas Emma (8, (26)) não se recorda da presença de técnicos nestes momentos, “não me lembro...não me lembro, mas não duvido que pelo menos uma tenha havido”. Podemos, assim, inferir que existem fragilidades no acompanhamento do trabalho dos acolhedores e na supervisão da medida, como já tinham concluído Delgado et al. (2015) num estudo comparativo entre Portugal e Espanha.

Nesta linha de pensamento, a sugestão feita por Delgado e Carvalho (2013), sobre a utilização de outros locais para a realização das visitas, poderia apresentar resultados positivos.

Em contrapartida, também há acolhedores que incentivam esta relação dos jovens acolhidos com a sua família e que demonstram compreensão pelas dificuldades que podem estar na origem do acolhimento, como explica Beta (16, (19)). Os seus acolhedores diziam-lhe “tens que visitar a tua mãe, tens que criar uma relação saudável com ela também para amansar um pouco a dor que ela possa sentir, porque independentemente das coisas que ela fez deve doer-lhe e algures ali no meio deve haver alguma dificuldade para ela”. Este testemunho é exemplificativo da relação de proximidade que as famílias de acolhimento devem estabelecer com as famílias de origem, mesmo que uma forma indireta. Percebemos, por estas palavras, que a família de acolhimento de Beta (16, (19)) assumiu a sua função de “gerir a relação e os contactos com a família de origem, com a instituição de enquadramento e com o meio ambiente, de modo a contribuir para a transição que a criança ou jovem venha a fazer, no curto, médio ou longo prazo, de acordo com o seu projeto de vida (Delgado, 2016, p.20).

Outra das dificuldades referidas prende-se com os “processos de litígio” que, muitas vezes, se desenvolvem entre as duas famílias e onde as crianças são as principais prejudicadas.

Jonathan (6, (23)): a minha mãe tinha o vício de levar sempre muitas coisas...guloseimas e batatas fritas, pronto. E normalmente ela dava à senhora para guardar para depois nós comermos. Só que ela não nos dava... ou dava os filhos, não sei. Acho que nós nunca tínhamos acesso aquilo e acho que...já não me recordo se fui eu ou se foi a minha irmã mais velha, calhamos de dizer à nossa mãe e a minha mãe fez questão de que tudo o que ela trouxesse fosse comido à frente dela. Imagina, se ela trouxesse vinte pacotes de batatas fritas, nós tínhamos que comer aquilo tudo à frente dela.

Neste sentido, as crianças veem-se no meio dos interesses dos adultos, pois “muitas das vezes diziam-nos o que é que nós tínhamos de dizer antes de ela chegar. Coisas deste tipo. Quer dizer...eu não acho que isso seja normal, não é? Até porque primeiro estamos a falar de crianças...crianças que o que é que vão fazer?” (Emma, 8 (26)). Esta forma de estar pode provocar nas crianças aquilo que os autores designam por “conflitos de lealdade”, pela divisão de se ti e tos proporcio ados e tre a fa ília de orige e a fa ília de acolhi e to.

Numa outra perspetiva, as dificuldades sentidas no decorrer das visitas prendiam-se com características das suas famílias de origem, com destaque para os problemas de saúde e de

dependências que apresentavam, “porque ela ia para lá muitas vezes num estado não normal, drogada, bêbeda, eu na altura não sabia distinguir o que era. Sabia que aquela pessoa tremia compulsivamente e não dizia nada de jeito” (Anna, 6 (24)).

Em jeito de síntese, a família de acolhimento deve complementar as necessidades da criançadurante o tempo que convive com esta, devendo ter a capacidade de facilitar as relações e as visitas da criança com a sua família de origem, para que eles possam manter os vínculos afetivos. Quando isto não for possível devido às situações de conflito existentes, estas devem encontrar, juntamente com os profissionais responsáveis pela medida, uma solução que não prejudique essencialmente, a criança (Comins, 2010). À semelhança do que temos vindo a demonstrar, as dificuldades observadas são próximas daquelas que as crianças e jovens que participaram no estudo de Delgado et al. (2016) sentiram, diferindo na medida em que dificuldades relativas a dificuldades financeiras, conciliação de horários e distância entre residências não foram enunciadas (Bertão et al., 2016).