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Percursos entre o acolhimento familiar e o acolhimento residência

PARTE III – Análise e discussão dos dados do estudo empírico

Capítulo 2 – Interpretação e discussão dos dados

2.6. Percursos entre o acolhimento familiar e o acolhimento residência

Esta categoria não estava definida a priori e emergiu do discurso de alguns dos participantes, principalmente porque, alguns deles, tiveram percursos que passaram pelas duas medidas de colocação, havendo alguma tendência para comparar o que acontece num lado e no outro, sendo possível traçar algumas diferenças conforme as experiências narradas. Note-se que o nome atribuído à categoria não é linear no sentido em que há uma situação em que acolhimento residencial ocorreu antes do acolhimento familiar (ex. Anna (6, (24)). Assim sendo e dada a relevância que o acolhimento residencial assumiu na vida de alguns dos participantes, incluímos nesta categoria as referências de alguns dos entrevistados relativamente ao acolhimento residencial, de forma a compreender o papel que a instituição desempenhou no seu processo de desenvolvimento durante a infância e a adolescência. Nesta categoria englobámos, também, as representações acerca da institucionalização, uma vez que estas poderão refletir a perspetiva da sociedade sobre esta problemática.

2.6.1. Vivências em acolhimento residencial

Nesta subcategoria, procurámos descrever os momentos e os significados atribuídos aos mesmos por parte de alguns dos jovens – adultos que experienciaram a medida de acolhimento residencial.

A medida agora designada de acolhimento residencial deverá ser, de acordo com a legislação vigente (Lei nº142/2015, de 8 de setembro), a última medida a ser aplicada, após terem sido exploradas todas as hipóteses possíveis em meio natural de vida.

No caso de Anna (6, (24)), como a própria recorda “mal ela me foi ter ao hospital, ela nunca mais me viu. Eu acho que ela, pelo que me contam, ela só pegou em mim ao colo, eu já tinha 3/4 meses”, porque “já estava sinalizada que eu correria riscos se ela me levasse para casa, porque não tinha condições”. Emma (8, (26)) e Jonathan (6, (23)), por sua vez, foram institucionalizados depois de estarem acolhidos numa família de acolhimento, cuja experiência revelou algumas dificuldades, tendo regressado, posteriormente, à família de origem, mas, pouco tempo depois, foram institucionalizados.

No que respeita ao percurso de Emma (8, (26)), este foi pautado pela transição de instituição para instituição. Na primeira colocação em instituições foi para “um centro de acolhimento temporário”, onde a “dada altura acabei por ser separada dos meus irmãos por culpa

própria”. Assistimos a um processo de desvinculação que interrompeu a sua socialização e que contribuiu para o desenvolvimento de comportamentos agressivos, porque “eu não reagia muito bem...ora fugia ora batia nas pessoas”. Perante tal situação, como já tinha criado “os meus comportamentos, não é? Não eram os melhores e fui separada da minha irmã” enquanto “o Jonathan (6, (23)) foi para um colégio de meninos”. Face a estas explicações, compreendemos que o ingresso na instituição foi tido como uma situação traumática, pelo menos para Emma (8, (26)), devido às ruturas de relação que isso implicou, embora fosse o “o único sítio onde eu estava bem, porque não me tratavam mal...percebe?”. O percurso de Emma (8, (26)) foi, assim, marcado por diversas transições. Primeiramente, dá-se uma transição da família de origem para a família de acolhimento, regressando, cerca de dois anos depois, a casa. Mais tarde é institucionalizada e seguem-se inúmeras transições de instituição para instituição, como podemos ver:

depois estive em Amarante também […] depois voltei para o Porto e para o CAT. Tive noutro de meninas também na C. […] está fechado atualmente, acho eu...depois...também fui para Viseu...regime fechado. Esse de Amarante e o de Viseu eram os dois de regime fechado. O de Amarante não adiantou porque eu fugi na mesma...

Na sua última fuga, revelou que “fugi porque engravidei. E porque tive medo que estando lá me pudessem tirar o bebé. Foi essa a razão de ter fugido”.

Acreditámos que estas constantes mudanças também se tenham refletido, como já vimos anteriormente, na dificuldade em estabelecer vínculos afetivos com os pares.

Numa atitude contrastante, o seu irmão recordou que

eu entrei em 2005 para o acolhimento residencial e pronto, acho que aí já tinha uma postura completamente diferente do que a que tive no acolhimento familiar. Eu quando entrei para o colégio, soube logo o que é que queria seguir, que queria ir para a faculdade.

Manteve-se na instituição até ao presente e foi lá que construiu parte dos seus vínculos afetivos mais importantes, desempenhando, agora, funções de educador de pares. Reconhece, no entanto, que apesar de “os melhores anos da minha vida” terem sido “passados no acolhimento residencial […] sei que há acolhimentos residenciais que são o que são, funcionam mal, mas por acaso o meu sempre funcionou bem”. Como exemplo de um acolhimento residencial que “funciona mal”, a irmã relatou a sua experiência

havia um senhor que batia aos meninos, percebe? Batia! Eu quando lhe digo bater, é bater. Batia a um menino que...e depois é assim...primeiro, não pode haver diferenças entre os meninos normais e meninos com problemas, primeiro não pode haver. Mas eu própria vou fazer um bocado a diferenciação que é...ele batia principalmente a um menino que era autista. Um menino que se arrastava no chão...nem lhe sei dizer qual era a doença que ele tinha, mas que não andava sequer. Tinha uma coisa aqui...um papo e arrastava-se. Ele batia […] também cheguei a apanhar uma senhora, nesse mesmo CAT, em que tinha

problemas com álcool...isso também não é bom, o que significa que pode pôr as crianças em risco, portanto se retiram os filhos...percebe o que eu quero dizer?

Face às experiências apresentadas, discutiremos, na próxima subcategoria, as representações acerca da institucionalização.

2.6.2. Representações acerca da institucionalização

Um dos aspetos mais referidos por parte dos jovens – adultos com percursos de institucionalização é o facto das crianças não terem uma atenção individualizada e não haver tanto afeto como poderia ser proporcionado por uma família, “porque independentemente de tudo é uma família, por muito que não seja a nossa” (Jonathan (6, (23))). Para Emma (8, (26)), na “instituição nunca dá para se sentir que se tem uma família, não é?”.

Na mesma linha de reflexão encontrámos semelhanças nos discursos de alguns participantes, na medida em que demonstram a existência dos “dias maus” nas instituições. Percebemos que, mesmo estando institucionalizadas, algumas das crianças e dos jovens acolhidos podiam ir a casa aos fins-de-semana. A situação de Anna (6, (24)) no percurso de preparação para o acolhimento foi semelhante, recordando que “nós dizíamos que o domingo era o dia mau, porque era o dia da entrega. Sexta-feira era ótimo e eu lembro-me de chegar à porta da instituição e dizer «eu não quero ir. Eu quero ir para trás, eu quero ir convosco»”. Num discurso idêntico e relembrando que o percurso de Jonathan (6, (23)) em acolhimento residencial foi considerado pelo próprio como os “melhores anos da sua vida”, temos o seguinte testemunho: “eu vejo pelos jovens que tenho lá na instituição que, independentemente das situações que eles têm em casa, de não terem comida ou más condições habitacionais, à sexta-feira, a única coisa que eles querem é ir embora”.

Assim sendo, considerámos que, independentemente, de qual tenha sido o percurso dos jovens em acolhimento residencial e das experiências que viveram, as representações acerca desta medida são sempre construídas tendo por base um conceito de família, que poderá ser diferente para todos eles, mas que percebem que pela forma como as instituições se organizam, não lhes é possível proporcionar.

Beta (16, (19)), apesar de nunca ter estado institucionalizada, vivenciou de perto a situação de uma das suas irmãs da família de origem. O seu relato parece evidenciar uma

representação acerca da institucionalização imbuída de preconceitos e estereótipos e que basearão, apenas, na sua experiência:

[…] eu não queria ir para uma instituição porque uma das minhas irmãs, a tal que arranjava mais problemas tinha sido institucionalizada e eu tinha uma má ideia das instituições no sentido em que pelo menos as que eu acompanhei que foi as que a minha irmã esteve...uh, ah...as crianças e os adolescentes são enfiados lá mas não recebem acompanhamento suficiente lá, ou seja eles quase que saem de lá piores pelo menos os casos que eu vi, não estou a falar geralmente […].