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PARTE III – Análise e discussão dos dados do estudo empírico

Capítulo 2 – Interpretação e discussão dos dados

2.10. Transição para a autonomia de vida

O período de transição para a autonomia de vida reveste-se de particular significado, uma vez que se trata de outro processo de mudanças profundas vivido pelos jovens – adultos. Assim sendo, pedimos aos participantes que dessem conta dos momentos que, progressivamente, permitiram a sua saída do acolhimento e a sua independência. Destacámos, neste ponto, a entrada no mercado de trabalho e as respetivas experiências profissionais.

Neste período, as subcategorias analisadas foram as motivações que os levaram a arranjar emprego e as experiências diversas pelas quais passaram no mercado de trabalho.

No entanto, antes de discutirmos as subcategorias apresentadas, importe refletir sobre o “desafio extremamente complexo” que é a transição para a autonomia de vida (Broad, 1999, citado por Delgado, 2011, p.97). O autor refere que esta transição se torna, ainda, mais difícil para os jovens acolhidos do que para aqueles que viveram sempre com a sua família. Estas dificuldades são expressas por vários dos jovens – adultos que tiveram de contar com o apoio dos acolhedores, como é o caso de Beta (16, (19)) que ainda vive com a família de acolhimento que está de acordo com o facto de, apesar de ter atingido a maioridade, a jovem ainda estar sob os seus cuidados: “eu costumo dizer aos meus pais que só pretendo sair de lá de casa quando casar (risos). Por isso, eles também estão de acordo, portanto está tudo bem”.

Numa perspetiva diferente, pois estava dependente do companheiro, Emma (8, (26)) considera que só se tornou independente aos 21 anos, porque até essa altura “tinha o pai da L., não é? E ele era mais velho, é mais velho, portanto tive sempre ali”.

As dificuldades em autonomizar-se estendem-se a Jonathan (6, (23)), que ainda vive na instituição, embora já lhe tenha sido dito que deveria sair, mas vai protelando esta situação o mais que pode, pois só recentemente arranjou emprego.

2.10.1. Motivação para arranjar emprego

Como forma de melhor percebermos de que modo os jovens – adultos entrevistados se foram autonomizando, questionámo-los sobre as motivações que os levaram a arranjar emprego e de que modo a entrada no mercado de trabalho contribuiu para a sua autonomia e independência.

Para estes jovens – adultos, o facto de se tornarem independentes e a importância de terem autonomia, de darem resposta a determinados problemas ou dificuldades com os quais iam sendo confrontados, fazem parte de um conjunto de competências e capacidades que alguns deles sentiram necessidade de desenvolver durante o acolhimento:

Mike (10, (27)): tenho um irmão mais novo e então o crescimento é...quase uma obrigatoriedade que tu tens de crescer não é e nesse aspeto não tu tens que ter um bom trabalho, porque tu precisas de sustentar o teu irmão, porque tu precisas disto e vais precisar disto, portanto se vais precisar disto tens que ter isto...

De um modo geral, podemos fazer a distinção dos jovens – adultos que começaram a trabalhar antes de chegarem aos 18 anos e aqueles que entraram no mercado de trabalho depois desta idade. Do mesmo modo, percebemos que as motivações que os levaram a procurar um trabalho foram distintas.

Anna (6, (24)) começou a trabalhar aos 14 anos, porque “chumbei nesse ano e o castigo que os meus pais me davam era ficar todo o dia na oficina”. Como forma de contornar esta questão propôs-se a trabalhar e desde essa idade que esteve sempre empregada, pois assim “se eu quisesse comprar tabaco, comprava. Carregava o meu telemóvel, fazia as minhas coisas”. Por sua vez, Mike (10, (27)) foi trabalhar aos 16 anos, refletindo sobre a importância de ajudar os seus acolhedores:

era só mesmo para o verão […] porque “pá” tentar também ajudar porque a realidade é que são seis pessoas a comer numa casa e tu tentas ajudar de alguma forma, porque tu vês que as pessoas estão a fazer um esforço enorme para aquilo que é a tua educação e para aquilo que é a educação do teu irmão, etc...então tentas ajudar dessa forma.

Numa outra perspetiva, Beta (16, (19)) recorda que teve o seu “primeiro emprego” quando “tinha 15 anos, que foi uma espécie de estágio profissional, ou seja, eu trabalhava, estava a estudar teatro e fiz uma peça de teatro de rua no meu segundo ano, pela qual fui remunerada”. Os restantes jovens, Emma (8, (26)) e Jonathan (6, (23)), entraram mais tardiamente no mercado de trabalho, sendo que Emma (8, (26)) só o fez” depois da minha filha nascer, portanto entre os 17/18” como forma de conseguir sustento. Jonathan (6, (23)) iniciou atividade recentemente, depois de terminar o curso.

2.10.2. Experiências profissionais

Neste ponto, procurámos perceber qual é a experiência profissional destes jovens e que caminhos têm traçado. Constatámos que, em alguns casos, a necessidade de garantir a subsistência e a baixa escolaridade que os sujeitos possuíam, particularmente os exemplos de Anna (6, (24)) e Emma (8, (26)), fizeram com que ambas tivessem de passar por diversas experiências de trabalho, precárias, normalmente ligados à área da restauração, limpezas e telecomunicações.

De certo modo, percebemos que as habilitações literárias conquistadas pelos jovens – adultos estão relacionadas com uma maior satisfação face à sua situação atual de emprego. Jonathan (6, (23)) está empregado como “educador social num CAFAP”, tendo sido esta a área para a qual estudou e na qual está a investir, pois frequenta o “Mestrado em Educação e Intervenção Social, especialização em desenvolvimento comunitário e educação de adultos”. No mesmo sentido, Mike (10, (27)) formou-se em engenharia eletrotécnica e trabalhou “numa empresa aqui em Portugal, a EDP” e, no momento, tem o seu “próprio negócio, porque eu acho que se eu sou bom a trabalhar para os outros sou melhor a trabalhar para mim mesmo”, mostrando-se satisfeito com as opções que tomou.

Em contrapartida, Emma (8, (26)) está desempregada e Anna (6, (24)) trabalha “num hotel, mas não é naquilo que eu gostava. Faço camas. E tenho casas privadas, faço limpezas, aqui na Suíça. Sabes que quando não sabes falar, tens que ir para os mais baixos, é norma”.