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2. CULTURA

2.6 Enculturação e Aculturação

2.6.2 Aculturação

A interdependência entre pessoas e nações trouxe conseqüências que podem ser vistas nas mudanças culturais e em suas gerações, nos processos de aprendizagem e compartilhamento da cultura, e nos sistemas sociais conectados.

Conforme visto anteriormente, a cultura individual é uma forma de percepção para cada um, da mesma forma como funciona o sistema de comportamentos e atitudes. Assim, somente é possível observar outras culturas por meio da própria cultura do indivíduo.

Quando um indivíduo finalmente reconhece os aspectos de sua própria cultura, ele está apto a identificar e a compreender os aspectos mais característicos de outras culturas, que não a sua, e na medida em que aceita e adota os padrões comportamentais e o conjunto de crenças e valores dessa nova cultura, pode-se dizer que se iniciou um processo de aculturação do indivíduo.

Analisando-se as mudanças culturais e o fenômeno da aculturação em sistemas socioculturais mais complexos, conclui-se que a cultura de uma nação moderna não se constitui apenas de uma norma comportamental, que possa ser observada pelos indivíduos que compõem essa nação.

A metáfora do fluxo cultural possui implicações temporais e espaciais, e inclui a idéia de mobilidade e expansão. Mas o fluxo cultural não deve ser entendido apenas como o simples transportar de formas tangíveis com significados intrínsecos. “As culturas locais são mais fortes do que se imaginava. As pessoas são bastante capazes de aproveitar os aspectos da cultura global de que gostam, ignorar o restante, e permanecer firmes em relação aos aspectos que mais amam de suas próprias culturas” (HINES, 2008, p. 18).

Hsu (1954) reconhece que, na década de 1950, muito pouco se sabia a respeito da dinâmica que envolve a aceitação, integração ou rejeição de novos elementos culturais, por uma sociedade. O autor discorda do pensamento de que basta que novos elementos culturais sejam apresentados às sociedades para serem aceitos, e defende que há plena evidência de que o processo de aceitação é muito seletivo. Nesse sentido, o que se podia afirmar, à época, era que o processo envolvia os seguintes aspectos (HSU, 1954, p. 198):

1) Quanto menor a inquietação presente nos padrões culturais pré-existentes envolvidos na aceitação de novos elementos culturais, mais provavelmente estes últimos serão aceitos. 2) Novos elementos culturais que sejam congruentes com o sistema social já existente, de valor-atitude, serão mais prontamente aceitos que aqueles que sejam incoerentes. Ambas as generalizações vistas devem ser qualificadas como “outras coisas permanecendo constantes”.

3) A transmissão de elementos culturais de uma sociedade a outra ocorre primeiramente em um nível objetivo público. A sociedade receptora empresta elementos culturais da maneira como são percebidos por ela, sem uma compreensão completa dos significados e associações relacionados a tais elementos, como na cultura doadora. De fato, é virtualmente impossível transferir tais significados, devido a dificuldades semânticas. A atribuição de significados e associações pela sociedade receptora é um dos mais importantes processos envolvidos na integração de novos elementos em uma cultura.

A transformação da sociedade, de pré-industrial para industrial, alterou profundamente as experiências diárias dos indivíduos, bem como a visão predominante de mundo. Na era pré- industrial, a sociedade era bastante dependente das forças da natureza, como as estações, as tempestades, a fertilidade dos solos, a água etc. Com a industrialização, a sociedade passa a ser menos dependente da natureza, e passa a enfocar atividades que possam driblar as forças naturais e dominar o meio ambiente.

A sociedade pós-industrial passa a ser direcionada não mais pela batalha entre homem e natureza, ou pela extrema valorização de coisas e objetos, mas pelo intenso relacionamento entre pessoas. “Um esforço menor é destinado à produção de objetos, e um esforço maior empregado nas atividades de comunicação e processamento de informações. Cada vez mais pessoas empregam suas horas produtivas lidando com outras pessoas e símbolos” (INGLEHART; BAKER, 2000, p. 22).

A riqueza das nações industrializadas avançadas implica no fato de que os indivíduos tomam por certo que suas necessidades essenciais serão supridas, o que resulta em uma alteração dos valores prioritários, de um foco na segurança física e econômica, para o bem-estar subjetivo e a qualidade de vida. Esse fato implica em que a mudança cultural não é linear, mas se move em outras direções, principalmente após a chegada da sociedade pós-industrial.

Sociedades diferentes seguem trajetórias diferentes mesmo quando são submetidas às mesmas forças de desenvolvimento econômico, em parte devido a fatores situacionais específicos, como a herança cultural, que moldam como uma sociedade particular se desenvolve (INGLEHART; BAKER, 2000, p. 22).

Um dos principais temas discutidos no trabalho de Inglehart e Baker é a modernização das sociedades e a persistência de valores tradicionais. Nesse sentido, há duas escolas de pensamento. Uma defende a convergência dos valores como resultado da modernização, considerando esta última como sendo as forças políticas e econômicas que orientam as mudanças culturais. Assim, os valores tradicionais desaparecem e são substituídos por valores

“modernos”. A segunda escola defende a persistência dos valores tradicionais, mesmo com as mudanças políticas e econômicas vividas por uma nação. Para os defensores desta escola, como DiMaggio (1994), os valores são relativamente independentes das condições econômicas, não ocorrendo a tal convergência para valores mais modernos, sendo que os tradicionais continuam influenciando as mudanças culturais causadas pelo desenvolvimento econômico.

Inglehart e Baker (2000) sugerem que o desenvolvimento econômico resulta em duas dimensões principais da diferenciação intercultural: a primeira, relacionada à era da industrialização e o crescimento da classe trabalhadora; e a segunda, que reflete as mudanças relacionadas às condições afluentes da sociedade industrial avançada e ao aumento dos setores de serviços e conhecimento.

Huntington (1993 apud INGLEHART; BAKER, 2000, p. 22) entende que há uma divisão do mundo em oito grandes civilizações ou “zonas culturais”, baseada nas diferenças culturais que existem há séculos. As tradições religiosas ainda poderosas atualmente moldaram tais zonas culturais, apesar das forças da modernização. As zonas são o Cristianismo Ocidental, o mundo Ortodoxo, o mundo Islâmico, e as zonas do Confucionismo, Japonesa, Hindu, Africana e América Latina.

Putnam (1993) e Fukuyama (1995) consideram que as tradições também exercem grande influência, e têm observado que os traços culturais distintivos de uma sociedade tendem a perdurar por um longo período de tempo e que continuam a moldar o desempenho político e econômico de uma sociedade. Hamilton (1994) entende que, apesar do capitalismo ter se tornado quase um estilo de vida universal, os fatores de uma civilização ainda exercem grande influência sobre a organização das economias e das sociedades. Apesar da globalização da economia, não houve uma correspondente universalização da cultura ocidental, sendo que os países não-ocidentais continuam o seu desenvolvimento por meio da reinvenção e re- incorporação de padrões da civilização não-ocidental.

A impressão de que estamos nos movendo em direção a um “McMundo” uniforme é, em parte, ilusória. Como Watson (1998) demonstra, os aparentemente idênticos restaurantes do McDonald´s que se espalharam por todo o mundo, na verdade possuem diferentes significados sociais e diferentes funções sociais em diferentes zonas culturais (INGLEHART; BAKER, 2000, p. 22).

Cada pessoa possui idéias próprias a respeito de outras partes do mundo, do que está fora de seu próprio país, e isso se torna parte do repertório cultural de cada um, mesmo em uma era de interconectividade global. Muitas vezes, um indivíduo tem acesso somente a más notícias

de algum país distante, com o qual ele nunca teve contato pessoal, e isso o faz formar uma idéia daquele país, muitas vezes preconceituosa e irreal.

Entretanto, apesar da força da cultura local, do seletivo processo de aceitação de novos elementos culturais, e da manutenção de certas tradições e traços culturais por longos períodos, alguns autores entendem que as relações interculturais, tanto humanas quanto de mercados distintos, não podem ser ignoradas. Para eles, o mundo é interdependente, a despeito das características mais marcantes de cada sociedade.

Atualmente, nenhuma cultura pode aspirar ao isolamento. A identificação cultural se encontra, mais que nunca, sob a pressão global da troca de informações. “E por que deveríamos aceitar, sem críticas, a oposição entre o que é natural e o que é cultural, entre aquilo que é herdado da genética e aquilo que é obtido por meio da interação humana?” (NEIVA, 2000, p. 31). Para ele, o mundo natural e a mente humana não são sistemas isolados, mas inter-relacionados.

Neiva não aceita a idéia de que a cultura é uma abstração idealizada, como uma forma de distinguir os seres humanos e a variedade de grupos sociais, assim como separar o homem do mundo natural. Nesse sentido, o propósito da cultura seria o de separar o que é “nosso” do que é “dos outros”, sendo que os grupos sociais são diferentes porque possuem culturas diferentes. A discordância do autor está em que este argumento é insustentável em um mundo de comunicação global.

Os sistemas culturais singulares são alcançados por uma imensa quantidade de informações e comunicações que circulam globalmente, com todas as possibilidades oferecidas pela Internet, o que representa uma tendência sem volta, num mundo quase sem barreiras. Para Useem (1971, p. 7), “o rápido desenvolvimento das relações interculturais em um mundo crescentemente interdependente altera significativamente a natureza da cultura em sociedades e países, e expande impressivamente o escopo sociológico de nossos interesses potenciais”. Nesse contexto, a distância geográfica já não representaria mais uma barreira contra a interação cultural e as influências, sendo possível, para as pessoas, transpor as fronteiras nacionais em busca da interação.

De fato, os conflitos globais não serão mais entre nações, mas entre idéias culturais conflitantes. Talvez até mesmo as particularidades culturais serão dramaticamente diminuídas. Os indivíduos se tornarão mais poderosos uma vez que possuem muito mais opções para escolher, com poucas restrições, que produtos culturais consumirão (NEIVA, 2000, p. 49).

Hannerz (2000) acredita que, uma vez que o indivíduo participa do fluxo cultural dentro e entre as principais estruturas organizacionais (estado, mercado, movimento e forma de vida), não há nada em seu repertório cultural que ele não divida com outros grupos de pessoas. Algumas dessas estruturas e significados são compartilhados com o mundo todo, como por exemplo, o uso de sabonetes e palitos de fósforo.

Indivíduos comporão uma “colcha de retalhos” transcultural, com pedaços de culturas tradicionais e singulares. Considerando-se que o espaço marginal entre os grupos está radicalmente reduzido, e sem fronteiras que os separem, precisamos de uma teoria sobre cultura capaz de lidar com o tipo de individualismo que se espalhará, como uma mancha, sobre a experiência contemporânea (NEIVA, 2000, p. 50).

Considerando-se todos os aspectos mencionados, cada autor possui motivos razoáveis para defender tanto a universalização da cultura quanto também para refutar tal idéia, defendendo que cada sociedade e país continuará a manter seus próprios aspectos e peculiaridades, mesmo em um mundo com grande interconexão.

Os aspectos mais arraigados de uma cultura não desaparecem instantaneamente, bastando para isso que outros elementos culturais sejam oferecidos. Alguns traços culturais podem ser extremamente duradouros, ainda que influenciados sutilmente por novos conceitos. Além disso, há que se considerar também que sociedades diferentes seguirão trajetórias também diferentes, e que cada região pode reagir de forma mais ou menos lenta à pressão global pela universalização de produtos e idéias.

Apesar da aparente suave transposição das fronteiras nacionais, o mundo ainda mantém muitas de suas barreiras culturais que, apesar de não totalmente intactas, ainda permanecem. Grande parte dessas barreiras culturais acaba por determinar ou influenciar os hábitos de consumo da população. O próximo item abordará a complexa relação entre cultura e consumo.