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2. CULTURA

2.5 Características da Cultura

Embora as culturas de diferentes sociedades sejam também distintas entre si, cada qual com suas próprias especificidades, há algumas características, entretanto, que são comuns a todas elas. “Os aspectos característicos essenciais de uma cultura são suas formas e padrões, a inter- relação destes em um formato organizado, e a forma como estas partes, e o total, trabalham ou funcionam como um grupo de seres humanos que vivem sob a influência desses” (KROEBER, 1952, p. 136).

Para Linton (1945) as qualidades intrínsecas de culturas e sociedades são tais que é impossível produzi-las para ordená-las ou estudá-las sob condições de rígido controle, sendo que o indivíduo surge como objeto de estudo mais acessível a técnicas experimentais, mesmo quando se consideram as barreiras existentes também nesse caso.

As culturas, em geral, correspondem a conjuntos de padrões e regularidades de formas, estilo e significância. Sendo um corpo organizado de conhecimentos convencionados, as culturas funcionam, para a sociedade, como um orientador de ações e comportamentos humanos, auxiliando os indivíduos em suas decisões sobre como agir e responder aos estímulos ambientais, por meio da formação de hábitos e respostas aprendidas (LINTON, 1945; KROEBER, 1952).

Tal característica representa o que Schiffman e Kanuk (2000) chamaram de “a mão invisível

da cultura”, ou seja, o impacto natural e automático de uma cultura sobre os membros da sociedade. Em geral, as pessoas não refletem sobre certos conceitos já arraigados em sua sociedade, não percebem seus próprios hábitos e padrões de conduta, até que sejam colocadas em situações nas quais tenham que lidar com culturas de diferentes nações, ocasião em que, finalmente, percebem seus próprios detalhes de comportamento.

O atributo de “mão invisível” da cultura resulta em uma propriedade importante desta: a satisfação de necessidades individuais. Todas as pessoas em uma sociedade necessitam de

ordem, direção e orientação para se comportar de maneira aceitável, seja em relação a hábitos alimentares, seja em relação a eventos sociais ou a quaisquer outras circunstâncias. Para cada tipo de situação social, os indivíduos possuem algumas regras ou padrões que podem ser seguidos a fim de homogeneizar os comportamentos, e isso traz conforto uma vez que, seguidos os padrões dessa vida social organizada, o indivíduo não sofrerá pressões por mau comportamento.

Esse conjunto de soluções pré-fabricadas, oferecido pela cultura, engloba valores que podem ser formulados (publicamente, como costumes) ou sentidos (implicitamente, como hábitos), pela sociedade que constitui a cultura. Nesse ponto retoma-se a importância dos valores para os indivíduos em seu convívio social, constituindo-se mais um atributo importante oferecido pela cultura (KROEBER, 1952).

Outra característica clássica da cultura é o fato de ser transmitida aos indivíduos de um grupo social. A cultura é compartilhada ou incutida nos indivíduos, transmitida de geração a geração, e isso ocorre por meio dos costumes grupais, da família, das instituições de ensino, das instituições religiosas e da mídia de massa. Esta última representa um importante agente de mudança, reforçando valores culturais estabelecidos ou ajudando na disseminação de novos gostos, hábitos e costumes.

Schiffman e Kanuk (2000) entendem que a cultura pode ser transmitida de várias maneiras, e que as pessoas aprendem por meio da socialização. Esse processo de aprendizagem pode ser formal (os pais ensinam os filhos), informal (os filhos aprendem por observação) ou técnica (por meio da aprendizagem na escola). A cultura também pode ser aprendida pela enculturação (aprender a própria cultura) ou aculturação (aprender a cultura estrangeira). Uma vez que toda sociedade tem seus próprios símbolos e linguagem comuns, rituais e produtos, seus membros podem aprender pela própria adoção de tais elementos, bem como pelo conhecimento e aprendizagem do significado de tais elementos nos casos de aculturação. No item 2.6 este tema será abordado mais detalhadamente.

Embora as causas efetivas do fenômeno cultural sejam as ações ou comportamentos humanos, uma vez formados os conjuntos de padrões organizados de ações, a cultura se torna supra-

pessoal (algo que existe acima do nível dos indivíduos) e anônima, constituindo-se em algo com personalidade própria e independente dos membros que a compõem (KROEBER, 1952). A cultura possui continuidade, sendo que alguns de seus aspectos podem persistir por longos períodos, sem sofrer alterações significativas. Kroeber (1952, p. 131) entende que “apesar de os indivíduos serem adaptáveis e se modificarem ao longo do tempo, eles tendem a repetir

suas estruturas básicas mesmo em gerações sucessivas. [...] Alguns itens do conteúdo cultural podem persistir com tenacidade por longos períodos”.

Mas, apesar de sua tendência à continuidade em alguns aspectos, uma das mais marcantes propriedades da cultura é sua extraordinária variabilidade ou plasticidade (SCHIFFMAN e KANUK, 2000). A cultura é dinâmica ou adaptável: há uma evolução contínua da sociedade, com novos produtos e serviços, novas necessidades, novos valores, novos meios de se comunicar etc.

Kroeber (1952) entende que, uma vez que os fenômenos culturais são similares entre si, a razão da forte propensão da cultura em variar parece estar relacionada ao fato de que todos os fenômenos culturais estão invariavelmente relacionados a certos outros fenômenos culturais, havendo uma relação entre esses, tanto um podendo preceder ou suceder ao outro, quanto ocorrer na mesma época.

Uma vez aceito o fato de que as causas da cultura se encontram, fundamentalmente, no nível psicobiológico, conclui-se que o fenômeno cultural é produto das atividades orgânicas. Tal conclusão explica a irregularidade, a imprevisibilidade, a variabilidade e a plasticidade dos fenômenos culturais. Assim, indivíduos singulares, como Napoleão, César e Copérnico, e líderes religiosos, podem afetar o curso de uma cultura.

[...] atualmente é universalmente aceito pelos biólogos, psicólogos e antropólogos que as mudanças socioculturais não se devem à hereditariedade e a fatores orgânicos e genéticos, mas sim a causas muitos mais complexas e inconstantes, que incluem a influência do ambiente natural e dos indivíduos, mas que parece ser composta grandemente, e mais imediatamente, de fatores que são propriamente socioculturais (KROEBER, 1952, p. 153).

Ogburn (1964) defende que a cultura pode se modificar ao longo do tempo, ao se considerar que as partes que compõem a totalidade de uma cultura se encontram encaixadas em uma configuração, e não como partes não relacionadas, que se encontram apenas agregadas umas às outras:

As partes que compõem a cultura não se encontram relacionadas de forma simples como os elos de uma corrente, mas são integradas como as partes de uma máquina, de forma que quando uma parte é modificada, as demais várias partes também são afetadas, mesmo que levemente, em alguns casos (OGBURN, 1964, p. 11).

Ao refletir sobre as principais características da cultura, Hannerz (2000) resume o conceito em três principais dimensões: a cultura é adquirida e aprendida na vida em sociedade; é um conjunto integrado, com peças que se combinam de forma organizada; e é oferecida em “pacotes” personalizados para cada região geográfica e sociedade. Em busca de uma nova

imagem da cultura, diferente da habitual e familiar - aplicável somente a determinados territórios e grupos sociais - que possibilite compreender a cultura de um ponto de vista mais abrangente, em um mundo interconectado, Hannerz entende que os atores (as pessoas) operam de maneira transnacional, quando não global. Muitas pessoas deixam seus países para trabalhar em outras nações, de culturas diferentes. As empresas também expandem muito mais as suas fronteiras nacionais, operando em locais distintos.

A fim de fornecer uma visão mais abrangente sobre as implicações culturais da globalização, Hannerz busca desenvolver um conceito de organização cultural global, por meio de quatro principais estruturas organizacionais inter-relacionadas: estado, mercado, movimento e forma de vida.

[...] a cultura tipicamente flui entre governantes e governados (cidadãos, sujeitos), entre comprador e vendedor, entre os convertidos e os não convertidos, e entre pessoas engajadas umas com as outras em uma base mais simétrica, em uma variedade de relacionamentos [...]. Essas estruturas tendem a lidar com significados e formas significativas de acordo com lógicas organizacionais, temporais e espaciais diferentes (HANNERZ, 2000, p. 62).

A estrutura composta por estado, mercado, movimento e forma de vida mostra que a cultura está dividida em vários diferentes agrupamentos de significados, gerenciados de maneiras diferentes, por pessoas diferentes, que participam em diferentes relações. Mas como cada componente da estrutura lida com os mesmos grupos de pessoas, elas se tornam, assim, inter- relacionadas, e isso torna a cultura algo dinâmico.

Para Linton (1945), a capacidade do homem em absorver ensinamento torna possível o estabelecimento dos padrões culturais de qualquer sociedade como padrões de reação habitual da parte de seus membros. O autor ainda oferece uma lista de quatro fatores que explicam a evolução cultural: invenção, acumulação, difusão e ajustamento.

1) A invenção não se limita apenas às de natureza mecânica, mas inclui aquelas sociais, religiosas, lingüísticas, descobertas científicas etc., e não somente as grandes invenções devem ser consideradas como base para as observações da evolução social, mas também as invenções pequenas, aparentemente insignificantes. “Invenção é definida como uma combinação de elementos culturais existentes e conhecidos, materiais ou imateriais, ou uma modificação que resulta em algo novo. A modificação de uma invenção é sempre mais significativa que apenas um aperfeiçoamento” (OGBURN, 1964, p. 23).

As invenções são consideradas essenciais para se compreender a evolução de uma cultura, e podem resultar da operação de três fatores: a habilidade mental, a demanda, e a existência de outros elementos culturais.

2) A acumulação ocorre quando novos elementos são adicionados a uma cultura, em número maior que os elementos que são, eventualmente, perdidos. As invenções são acumuladas pelo mesmo motivo pelo qual são criadas: sua utilidade. A cultura é algo muito cumulativo, sendo que o processo de acumulação é promovido pelo desenvolvimento dos discursos e das escritas. “Sociedades ativas representam uma acumulação de formas aprendidas de se comportar. [...] A sociedade é o resultado de comportamentos e acumulações. [...] É o comportamento aprendido que tem variado com o tempo, sendo acumulativo” (OGBURN, 1964, p. 24-25).

Ogburn explica como a civilização humana evoluiu do seu estado inicial simples para aquilo que representa atualmente. Para ele, a explicação se encontra na relação funcional entre o tamanho da base cultural e o número de novas invenções, associados à tendência de acumulação dos elementos culturais. O autor entende que a cultura não deveria ser considerada como uma criação humana, mas resultante dessa crescente acumulação.

3) “Difusão, o terceiro fator no processo de evolução social, é uma expressão utilizada pelos antropólogos em referência à propagação das invenções de uma área para outras, geralmente da área de origem da invenção” (OGBURN, 1964, p. 27). Não é somente pela invenção que uma cultura pode se desenvolver, mas também pela difusão de elementos de outras culturas. Assim, a difusão se torna um processo de reunião de elementos diferentes, vindos de várias fontes, em uma base cultural comum, e representa um fator muito importante não somente para se compreender uma cultura como também para explicar seu crescimento.

Relativamente à evolução social, Ogburn discute a diferença de nível cultural entre pessoas diferentes, que vivem em áreas diferentes. A atribuição de tal diferença às diferentes habilidades raciais, apesar de aceita formalmente durante muito tempo, parece ser altamente improvável para o autor. Uma das possíveis respostas é justamente a taxa de acumulação ocorrida em uma sociedade, sendo que esta também difere entre grupos sociais. Além das diferentes taxas de aceleração, outro fator que pode justificar o fenômeno é a união entre a localização e a taxa de difusão. “Assim, o crescimento de uma cultura em qualquer área ocorre não tanto pela relação funcional entre o número de invenções e a base cultural, mas pela importação ou difusão” (OGBURN, 1964, p. 28).

4) “O ajustamento de uma parte da sociedade para outra é algo importante para compreender a evolução cultural, pois os componentes da cultura são entrelaçados em graus variáveis” (OGBURN, 1964, p. 29). O autor cita as relações existentes entre governo e instituições econômicas, entre estas e a família, entre família e a educação, entre esta e a ciência, entre

esta e a religião etc. As conexões podem ser mais ou menos fortes entre uma e outra parte, mas são essas conexões que representam a organização da cultura.

“Invenções em uma parte da cultura podem ocorrer então como um ajustamento em relação a uma invenção em uma outra parte cultural relacionada, assim como por meio da difusão de uma outra área cultural e de origem independente” (OGBURN, 1964, p. 30).

Embora o ajustamento de uma parte da cultura à mudança em outra parte seja, também, uma fonte de invenção, Ogburn prefere tratá-la como um novo fator na evolução social, juntamente com invenção, acumulação, e difusão, devido a sua grande potencialidade em produzir alterações na cultura.

As sociedades não são imutáveis, mas estão sempre encontrando novos desafios e problemas, que as levam à busca de novas soluções, resultando em mudanças. Considerando-se a grande habilidade humana de se adaptar e de se ajustar às condições mutáveis, as próprias necessidades do indivíduo o levarão, também, a buscar novas soluções e, portanto, a mudar. Assim, as pessoas possuem duplo papel, como indivíduos e como unidade na sociedade (LINTON, 1945).

Os indivíduos diferem culturalmente uns dos outros, quer enquanto indivíduos, quer enquanto membros de grupos — comunidades locais, classes sociais, castas profissionais, e assim por diante. Mas os grupos deste tipo não são objetos (culturas, tribos) fixos que perdurem no tempo como entidades separadas; são, pelo contrário, conjuntos de categorias correlacionadas entre si, em interdependência dinâmica, e a análise social exige o reconhecimento tanto das correlações como da sua qualidade dinâmica em mutação contínua (LEACH, 1989, p. 119).

Apesar do que fora explanado a respeito dos padrões culturais, e do amoldar-se do homem a tais padrões por meio do treinamento e condicionamento a cada situação, cada indivíduo guardará suas próprias características, necessidades e individualidades, como um organismo distinto, com seus próprios pensamentos, sentimentos e ações independentes.

Sua integração na sociedade e na cultura não se aprofunda mais do que suas reações aprendidas e, embora no adulto estas incluam a maior parte do que chamamos a personalidade, há ainda uma boa quantidade de individualismo deixada de fora. Mesmo nas sociedades e culturas mais intimamente integradas, duas pessoas jamais são exatamente iguais (LINTON, 1945, p. 33).

O próximo item abordará justamente as etapas e graus diversos em que um indivíduo pode aprender de sua própria cultura e de culturas distintas da sua, processos esses conhecidos como enculturação e aculturação, respectivamente.