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Causalidade dos Fenômenos Culturais

2. CULTURA

2.3 Causalidade dos Fenômenos Culturais

Assim como ocorre no processo de formação de uma teoria ou conceito a respeito de cultura, há também idéias e correntes distintas sobre as causas dos fenômenos culturais e sobre as explicações a respeito de seu desenvolvimento e propagação.

Para compreender as causas que operam em uma cultura, é necessário antes compreender o conceito de cultura e o seu conteúdo, conforme abordado anteriormente. Assim, há em geral, um consenso de que a cultura contém, ao menos, formas, normas, e valores canalizados e selecionados – uma corrente de idéias relacionadas e padrões exprimíveis. Além disso, pode- se incluir nesse contexto o comportamento humano. “Em qualquer medida, tal comportamento humano como influenciado ou condicionado pelas idéias ou formas e, por sua vez, engajado em produzir, manter ou modificar tais formas” (KROEBER, 1952, p. 107). Portanto, uma das origens e causas dos fenômenos culturais vem a ser o próprio homem, com seu mundo intrapessoal de valores, idéias e conceitos.

Kroeber (1952) entende também que, os fenômenos culturais não são mais abstratos que os fenômenos físicos e orgânicos, no sentido de ser mais obscuro, rarefeito ou conceitual. Ele

cita, por exemplo, que o surgimento da raiva é um fenômeno tão concreto quanto uma sobrancelha contraída ou uma veia sanguínea comprimida.

O hábito de [...] pegar o buquê da noiva é certamente algo concreto. Somente o conceito genérico de cultura é abstrato; da mesma forma como o são os conceitos de sociedade, psicologia, corpo, matéria e energia. O que é muito mais significativo que a abstração é que o fenômeno cultural ocorre organizadamente em princípios diferentes advindos dos fenômenos sociais, que por sua vez surgem da psicologia, e assim por diante (KROEBER, 1952, p. 120).

Portanto, de forma conclusiva, o autor defende que a causalidade dos fenômenos culturais é algo complexo, posto que tais fenômenos são determinados de várias formas – inorganicamente, organicamente, psicologicamente, e socialmente, assim como pela própria cultura existente.

Para Malinowski (1944) e Lévi-Strauss (1962 apud NEIVA, 2000), a cultura surgiu de nossa ordem biológica, havendo uma dualidade entre o natural e o cultural. Há alguns autores que discordam dessa visão, como Ogburn (1964), que não acredita que o homem cria a sua própria cultura:

A cultura é, antes, um ambiente no qual os homens vivem e, sob condições favoráveis, podem modificar algo dessa cultura em determinado período, por meio das invenções. O termo “herança social”, alternadamente utilizado com “cultura”, sugere a futilidade de afirmar que um grupo específico cria uma cultura (OGBURN, 1964, p. 8).

Steward (1955) descreve que a etnologia (que estuda os costumes de diferentes grupos sociais), a arqueologia e a antropologia, com suas abordagens históricas e comparativas da cultura, têm reconstruído as ocorrências temporais e espaciais dos costumes, além de descrever os fenômenos culturais e explicar seu desenvolvimento. No entanto, há muitas divergências no que diz respeito à explicação sobre cultura e a natureza de seu desenvolvimento. As explicações históricas ou de desenvolvimento tem sido sistematizadas em três formas: (1) a evolução unilinear, que defende que todas as sociedades passam por estágios similares de desenvolvimento; (2) o relativismo cultural, que considera o desenvolvimento cultural como essencialmente divergente, com foco em características que distinguem uma sociedade da outra; e (3) a evolução multilinear, defendida por Steward, que considera que alguns tipos básicos de cultura podem se desenvolver de forma similar quando em condições similares, sendo que alguns poucos aspectos mais concretos da cultura se destacarão entre todos os grupos sociais, em uma seqüência regular.

Para compreender como a cultura é formada, compartilhada e interpretada, Singh (2004) recorre a quatro escolas de pensamento na antropologia cultural:

• Estruturalistas: Levi Strauss (1963) – possuem uma visão super-orgânica e coesiva da cultura, sendo esta um sistema estável. A ênfase está na estabilidade da estrutura de idéias na forma de textos e símbolos, e não em comportamentos. A realidade social é traduzida em declarações verbais, códigos de ética e outros elementos textuais, que são passados de geração a geração. Essa é uma aproximação muito rígida, que desconsidera a possibilidade de variações intraculturais.

• Interpretativistas: Geertz (1973) – consideram a cultura não como um poder, ao qual todos os eventos sociais, comportamentos, instituições e processos estão condicionados, mas antes um contexto. A cultura é algo público, pois o seu significado é armazenado e transmitido por meio de símbolos sociais. Um dos problemas dessa escola de pensamento é a preocupação com o papel expressivo de símbolos e o mundo de objetos culturais, obscurecendo a importância dos símbolos culturais como estímulos externos para a internalização da cultura. Além disso, essa escola diminui a importância de estados psicológicos não observáveis na formação da cultura.

• Cognitivistas: D´Andrade (1984) e Strauss e Quinn (1997) – defendem que as estruturas manifestas do mundo são cheias de significado, pois os indivíduos possuem a capacidade de interpretá-las e de atribuir sentido a elas. A análise cultural não pode ser separada dos processos individuais mentais, e consideram de que forma o conhecimento e o significado cultural são transmitidos, compartilhados de maneira intersubjetiva, e moldados pelas circunstâncias, histórias e interpretações individuais. Levam em conta as variações intraculturais da sociedade. Uma desvantagem dessa escola é que falha em considerar o aspecto público dos significados obtidos pelos objetos, eventos e estruturas no mundo. • Pós-estruturalistas: Butler (1990) e Clifford (1986) – para eles, os significados não são fixados no campo público ou no campo psicológico das experiências humanas, mas a cultura é inventada por meio de desempenhos, e não é algo fixo, sendo temporal e emergente, não atemporal. Os pós-estruturalistas concentram-se nas influências culturais pós-modernas, identidades de gêneros, e o consumo da cultura popular. O problema é que tendem a distorcer os limites entre a sociedade e o indivíduo, e enfatizam que o significado é inventado em desempenhos e temporariamente armazenado por meio das práticas. Assim, a cultura é algo instável e fruto de imaginação.

• Abordagem sintética: Singh (2004) busca considerar a cultura pela perspectiva das escolas interpretativista e cognitivista, distinguindo sociedade e indivíduo, ainda que ambos influenciem um ao outro. Tal ponto de vista explica a internalização cultural, e considera as

variações intraculturais utilizando as estruturas cognitivas da mente. Também considera o aspecto público dos significados obtidos pelos objetos, eventos e estruturas no mundo. Portanto, enfatiza que a cultura é resultado da interação do mundo extra pessoal de objetos, eventos e estruturas, com o mundo intrapessoal das estruturas mentais.

Para Singh (2004) o mundo intrapessoal das estruturas mentais pode ser útil para que os homens interpretem, analisem e atribuam significado ao mundo extra pessoal de objetos, e este, por sua vez, armazena e transmite significados culturais através das gerações e também serve como estímulo para a internalização cultural.

Muitas culturas podem se integrar entre si, e muitas subculturas, dentro de uma sociedade, compartilham traços comuns com outras subculturas. Existem diferenças e similaridades entre culturas distintas, sendo que parte disso ocorre por raízes históricas. Alguns mecanismos nas sociedades permitem com que os padrões culturais sejam mantidos estáveis através de gerações. Hofstede (2001) sugere que tais mecanismos operam conforme a figura abaixo (Figura 1):

Figura 1 - A estabilização dos padrões culturais

FONTE: HOFSTEDE, 2001, p. 27 INFLUÊNCIAS EXTERNAS

Forças da natureza

Forças humanas: Comércio Conquistas Descobertas científicas ORIGENS Fatores ecológicos: Geográficos Econômicos Demográficos Genéticos/Higiênicos Históricos Tecnológicos Urbanização NORMAS SOCIAIS Sistemas de valores dos principais grupos de pessoas CONSEQUÊNCIAS Estrutura e funcionamento das instituições: Padrões familiares Diferenciação de papéis Estratificação social Ênfase na socialização Educação Religião Estrutura política Legislação Arquitetura Desenvolvimento teórico Reforço

Para Hofstede (2001) o sistema de normas sociais, posicionado ao centro, consiste em sistemas de valores (os programas mentais) compartilhados pelos principais grupos populacionais. Os fatores chamados ecológicos (no sentido de que afetam o ambiente físico) dão origem ao sistema de normas sociais, que têm levado ao desenvolvimento e manutenção dos padrões de instituições na sociedade, com uma estrutura particular e um modo de funcionamento. Estão englobados em tal estrutura a família, sistemas educacionais, políticas e legislação. Estas instituições, uma vez que se tornaram fatos, reforçam as normas sociais e as condições ecológicas que levam àquelas. Esta situação tende a se manter, principalmente em sociedades mais fechadas. As instituições podem ser alteradas, mas isso não necessariamente afeta as normas sociais; e quando estas se mantêm inalteradas, a influência persistente da maioria dos sistemas de valores acaba por neutralizar as novas instituições até que suas estruturas e funcionamento se tornem novamente adaptadas às normas sociais.

As principais e mais significativas mudanças costumam ter suas origens no ambiente externo, através das forças da natureza (mudanças climáticas, assoreamentos) ou forças humanas (comércio, conquistas, colonização, descobertas científicas). Este grupo de influências externas está direcionado para as origens, e não para as próprias normas sociais, visto que, em geral, tais normas raramente são alteradas por adoção direta de valores externos, mas antes por alterações nas condições ecológicas: tecnológicas, econômicas e higiênicas. As alterações nas normas, em geral, são graduais, exceto nos casos em que influências externas sejam particularmente violentas (como no caso de conquistas militares ou deportação).

A figura apresentada por Hofstede mostra como, através de longos períodos, a estabilidade dos padrões culturais pode ser explicada pelo reforço feito pelas instituições, sendo, elas mesmas, produtos dos sistemas dominantes de valores. “O sistema da figura se encontra em um quase-equilíbrio auto-regulável: é passível de mudança, mas geralmente muito lenta. As forças que levam à mudança surgem do exterior, na forma de forças da natureza ou forças humanas” (HOFSTEDE, 2001, p. 343).

Além disso, os significados culturais são criados e mantidos pela interação entre um mundo extra pessoal de objetos e símbolos e um mundo intrapessoal da mente dos indivíduos, de valores culturais (STRAUSS; QUINN, 1997 apud SINGH, 2004). Portanto, para compreender e analisar a cultura em sua totalidade é preciso levar em consideração tanto o mundo intrapessoal quanto o mundo extra pessoal.

Para analisar a cultura, Singh (2004) apresenta uma estrutura de três níveis, sendo que a primeira corresponde à análise proposta por Hofstede:

1) Nível perceptual: composto pelos modelos culturais básicos, auxilia na interpretação do mundo exterior. Esquemas propositivos especificam os conceitos essenciais e a relação causal entre conceitos; enquanto os esquemas visuais se relacionam aos inputs visuais. Os primeiros estão relacionados ao domínio social e psicológico da experiência humana, e os segundos, às propriedades físicas do mundo material.

2) Nível comportamental: quando os modelos culturais adquirem força diretiva e orientam o comportamento de um indivíduo. Na antropologia cognitiva há um consenso de que esquemas complexos e modelos culturais têm a habilidade de instigar a ação.

Há uma literatura crescente, que indica que a “força diretiva” (D´ANDRADE, 1984, 1992) do sistema cultural, socialização precoce na infância (WHITING, 1961), senso de responsabilidade no sistema (DREYFUS, 1984), e sanções positivas e negativas (D´ANDRADE, 1992) da sociedade funcionam como gatilhos motivacionais que iniciam a ação (SINGH, 2004, p. 98).

3) Nível simbólico: relativo a como os modelos culturais assumem formatos públicos e adquirem estabilidade e significado ao longo do tempo. O fenômeno cultural é representado ou operacionalizado na forma de signos e símbolos da sociedade. O autor apresenta uma abordagem que engloba as três categorias dos signos: ícones (assemelham-se ao objeto que representam); índices (representam a ligação direta entre um signo e seu objeto); e os símbolos (que é como as pessoas os imaginam). Os símbolos são a representação mais sutil e poderosa do pensamento cultural.

Pelas abordagens expostas, fica evidente o papel de muitos fatores e elementos, tanto externos, quanto internos, para a formação dos fenômenos culturais. Não há um único motivo ou causa de tais fenômenos, simplesmente pelo fato de que a cultura é um conceito complexo e multiforme, composto por muitos elementos, conforme será abordado no próximo item.