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Adeus, Até Amanhã, António Escudeiro (2007)

No documento Filmes falados (páginas 173-176)

Uma análise de filmes produzidos em Portugal entre 2007 e

6. Análise dos documentários

6.1 Adeus, Até Amanhã, António Escudeiro (2007)

Partindo dos conceitos de memória social e memória autobiográfica, passando pela reflexão sobre o cinema produzido em Portugal e os principais temas abordados, importa nesta fase discutir o modo como os dois documentários autobiográficos enfatizam diferentes memórias sobre o passado. De facto, as nossas visões sobre a história são construídas com base em diversas fontes. Não apenas a partir das narrativas dos livros de história, mas também a partir de fotografias, de romances históricos, livros de banda desenhada, filmes, Internet, etc.. A partir destes e de outros elementos, construímos e reconstruímos padrões de entendimento que explicam a origem e a natureza do mundo em que vivemos e o nosso lugar no mesmo (Morris-Suzuki, 2005). Os documentários analisados de seguida revelam o modo como dois realizadores criam sentido face ao passado, através do processo de interpretação e identificação com determinadas recordações. Constituem ainda instrumentos que podem permitir que refaçamos

4) Biografia do Realizador: António Escudeiro nasceu a 2 de julho de 1933, em Lobito, Angola. Foi forçado a regressar a Portugal em 1975, com 42 anos, devido à guerra civil angolana, que durou até 2002. Passadas três décadas do seu regresso a Portugal, voltou a Angola para filmar o documentário analisado. É diretor de fotografia e realizador. Possui cerca de 45 trabalhos como diretor de fotografia, com 35 anos dedicados ao Cinema: curtas-metragens, longas-metragens, documentários e ficção – além de cerca de 250 filmes publicitários. Paulo Rocha, António de Macedo, José Fonseca e Costa, José Manuel Lopes, Vicente Jorge Silva e Fernando Lopes são alguns dos realizadores com quem trabalhou ao longo da sua carreira. Nos últimos anos tem-se dedicado à realização e produção de documentários, área onde refere sentir mais liberdade. Os filmes mais recentes da autoria do realizador são: Velocidade de Sedimentação (2008); Ver, Ouvir

Macau (2001), documentário; As Dioptrias de Elisa (2002), para televisão; Eu Vi a Luz Num País Perdido (1999), para televisão; Nós Separados (1999), documentário; Para Josefa (1991), para

televisão e Adeus, Até Amanhã (2007).

Sinopse do filme: António Escudeiro, nasceu, cresceu e trabalhou em Angola, até ao dia em

que se viu forçado a regressar a Portugal em 1975, devido à Guerra Civil, que teve lugar entre 1975 e 2002. O regresso a Angola só se tornou realidade 32 anos depois, Adeus, até Amanhã é o documentário deste regresso onde se cruzam e confrontam dois universos visuais: as memórias do realizador e a Angola de hoje. Como o autor refere no início do filme: “A 15 de setembro de 1975 fui forçado a deixar Angola. 32 anos depois regresso. Deste regresso e de outros ficou este olhar”. Um olhar pelas cidades e locais que marcaram o seu percurso em Angola.

as nossas interpretações face ao passado colonial, durante muitos anos assunto tabu em Portugal.

Quer Diana Andringa, quer António Escudeiro foram forçados a abandonar Angola, local onde nasceram e viveram por diferentes períodos de tempo. Ao contrário de Diana Andringa, para quem as memórias da nossa presença a marcam mais do que a ausência dos espaços da sua infância, que sabia terem desaparecido, para António Escudeiro são os espaços e os edifícios da sua infância que caracterizam a sua narrativa no filme Adeus, até Amanhã. Com efeito, Halbwachs (1950/1990) afirma que o espaço é uma realidade que dura. Neste sentido, para recuperar o nosso passado, como fizeram os realizadores, precisamos de ver o meio que nos cerca/cercou e onde a memória se conserva. Para o autor, o “nosso espaço” é aquele por onde passamos e que fixa as nossas construções do passado para que reapareça esta ou aquela categoria de lembranças. Esta relação entre espaço e memória está muito presente nas narrativas fílmicas de Diana Andringa e de António Escudeiro.

Esta rua, a casa que não está lá era o meu mundo. Vivi aqui a minha infância, com as minhas irmãs, o meu pai e a minha mãe.

A garagem, o ringue de patinagem, o campo de ténis, são imagens de uma inexplicável sobrevivência a pedirem um olhar à magia da sua intemporalidade.

Na fronteira do inacreditável revejo o Lobito Sport Clube. A memória deixa de ser memória e traz para hoje as festas de Carnaval, as tardes dançantes, os bailes à noite e o cinema, às terças e sábados, aqui vi os primeiros filmes da minha vida. (excertos do documentário)

Sobre a relação entre espaço e memória coletiva, Halbwachs (1950/1990) apresenta a noção de espaço para além da sua compreensão geográfica. O próprio espaço é um lugar de produção da memória pela simbologia que o envolve. O espaço não é apenas lugar da memória enquanto experiência do passado, o espaço expressa a própria dinâmica do grupo que muda com o tempo. Realmente, os edifícios que o realizador apresenta no filme, marcados pelas balas, resultado da

Guerra Civil Angolana, revelam mudanças nos espaços e na própria sociedade angolana.

É interessante vermos que os espaços que o realizador visita suscitam o reviver de memórias antigas, como quando se refere aos Caminhos de Ferro de Benguela, estrutura que marcou a sua infância e o percurso profissional do pai.

Finalmente, o Caminho de Ferro de Benguela, o centro de tudo. Miúdo, brincava aos comboios, vendo-os partir e chegar. O meu pai chegou a Angola para trabalhar no troço final da linha que de Lobito a Luau se estendia por 1357 Km. A Guerra Civil parou o comboio durante 30 anos. Hoje vai de Lobito ao Cubal e de Huambo a Calenga, amanhã será Luau. Tendo chegado a diretor, deixou nos Caminhos de Ferro 40 anos da sua vida. (excerto do documentário)

Embora a narrativa do autor seja muito descritiva, não sendo explorado o lado emocional relacionado com os espaços que visita, quando se refere ao cinema de Ruacaná, é visível a sua comoção, bem como quando indaga sobre os espaços de uma casa que fora dele em tempos.

Na rua principal, o Ruacaná, cinema de todos os filmes é a ruína magoada daquela cidade que espera novos destinos.

Vinda de tempos incontáveis, surge a casa de Huambo. De quem são estes quartos que foram nossos? Quem é esta criança que me olha e a que na árvore, como nós, agora apanha goiabas? Quem está nesta varanda? Quanta chuva, quantas trovoadas, quantos raios se abateram sobre esta casa, velha de 90 anos? Que encontros são estes? (excertos do documentário)

Com efeito, são retratados os espaços com os quais António Escudeiro se relacionou, não sendo visíveis momentos em que as pessoas sejam centrais na sua narrativa. É referido apenas um episódio ao longo do filme que nos direciona para o sentimento de pertença. Um indivíduo procurou António Escudeiro nas filmagens do filme para lhe dizer que conheceu o seu pai e que este era um “engenheiro bom”, referindo ainda: “Quero ver este senhor, este senhor é nosso”.

Face a esta afirmação, o autor menciona: “nestas palavras únicas, encontrei uma das razões, talvez a mais forte para estar agora aqui” (excerto do documentário). De facto, é justamente por esta relação afetiva, ou de significação face aos contextos/factos/indivíduos que podemos entender a pluralidade das memórias coletivas face ao período colonial.

No documento Filmes falados (páginas 173-176)