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Dundo, Memória Colonial, Diana Andringa (2009)

No documento Filmes falados (páginas 176-179)

Uma análise de filmes produzidos em Portugal entre 2007 e

6. Análise dos documentários

6.2 Dundo, Memória Colonial, Diana Andringa (2009)

No caso do filme Dundo, Memória Colonial, este conta a história do regresso de Diana Andringa ao local onde nasceu e viveu até aos 11 anos, altura em que começa a emergir a autobiografia, período crítico de desenvolvimento, em que nos definimos e definimos os outros (Fivush, 2008). A realizadora regressa ao

5) Biografia da Realizadora: Diana Andringa nasceu em 1947, no Dundo, Angola. O seu pai exercia funções na Diamang, uma importante companhia que explorava minas de diamantes. A realizadora veio para Portugal em 1958, onde completou o ensino secundário e escolheu medicina para estudar na universidade. No entanto, as prisões de estudantes, algum contato com crianças hospitalizadas e as inundações de 1967, levaram-na a escolher jornalismo, em vez da medicina. Iniciou-se no jornalismo na década de 1960, ao colaborar com o Diário de Lisboa, onde se profissionalizou. Trabalhou como copy-writer numa agência de publicidade, uma experiência interrompida pela sua prisão pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), em janeiro de 1970. Libertada em setembro de 1971, trabalhou em atividades de jornalismo e publicidade. Juntou-se à RTP - Rádio e Televisão Pública Portuguesa, em 1978, onde trabalhou durante 23 anos. Foi sub-diretora do Diário de Lisboa (1989/90), cronista do Diário de Notícias (1983/89) e do Público (1993/95). Possui pós-graduação em Jornalismo, pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa (2000). Atualmente Diana Andringa é uma realizadora independente de documentários. Alguns de seus filmes mais recentes são: Timor-Leste: O sonho do crocodilo (2002); Era Uma Vez

Um Arrastão (2005); Este é o Nosso Sangue, a Nossa Vida (2005); Regresso ao País do Crocodilo

(2006); As Duas Faces da Guerra, com Flora Gomes (2007) e Dundo, Memória Colonial (2009).

Sinopse do Filme: O filme começa com fotos de Diana Andringa, quando ela era uma criança, no

Dundo. Enquanto mostra a sua certidão de nascimento, diz à filha que por ter nascido em Angola, ela era considerado uma “cidadã de segunda” em Portugal. Ela explica como as memórias da sua infância no Dundo a marcaram, as mesmas memórias que a levaram a lutar pela independência de Angola. No arquivo da cinemateca, Diana Andringa encontra filmes antigos sobre o Dundo, que mostram imagens de jogos de ténis e de outros momentos de entretenimento organizados pela Diamang, num clima de segregação racial. Estas imagens, incluídas no documentário de Diana Andringa, ilustram as políticas raciais da Companhia. No almoço anual dos ex-trabalhadores da Diamang, a realizadora recolhe algumas memórias sobre a Companhia. Contudo, como considerava estranhamente positivo o modo como as pessoas retratavam a Diamang, viajou para o Dundo com a sua filha, para confrontar as suas memórias.

Dundo com o objetivo de confrontar as suas memórias, perceber se eram reais ou construídas por si e se estava preparada para o reencontro com os espaços da sua memória, embora bastante alterados face ao que deixou para trás, há mais de 50 anos. Na sua opinião é importante registarmos estas memórias, para que daqui a 60 anos não estejam completamente apagados os traços da convivência que marcou, de um lado e do outro, os que viveram a colonização.

Tinham-me avisado do choque de ver em declive um local onde fui feliz. Mas a felicidade era a da infância, das pessoas e dos animais com os quais vivi. Depois de décadas sem poder voltar a casa, basta-me saber que as minhas recordações eram reais, e poder, enfim, partilhá-las. (Excerto do documentário)

Enfrentar as suas memórias e as marcas que o testemunho de experiências de racismo e segregação lhe deixaram foi um dos principais motivos para a realização do documentário Dundo, Memória Colonial. Para Diana Andringa, Dundo é a sua pátria e a primeira das suas memórias “Aqui fui feliz, como são todas as crianças felizes. Aqui aprendi, de criança ainda, o racismo e o colonialismo. Por muito tempo, Dundo ficou em mim como uma ferida oculta. Agora que enfrentei a minha memória, posso regressar” (excerto do documentário).

Os sentimentos de culpa coletiva têm a sua origem nos sentimentos que os membros do grupo experimentam quando aceitam que o seu próprio grupo é responsável por ações imorais contra outro grupo (Etxebarria et. al, 2005). Esta emoção está presente no discurso de Diana Andringa, que refere sentir mais pesar face às recordações dolorosas da presença no Dundo, do que da ausência dos espaços que conheceu em criança.

Lembro-me dos que diziam que não queriam voltar ao Dundo. Porque sabemos que nada pode ser como antes, que ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio. Também porque é difícil conviver com a nossa ausência nos lugares que cremos nossos. Mas a mim, pesam-me mais a recordações dolorosas da nossa presença. (Excerto do documentário)

A noção de ambivalência está também presente no discurso da realizadora, marcando a sua reflexão sobre a experiência de regresso ao Dundo. O conceito de ambivalência pode ser definido como o grau em que um objeto ou atitude é avaliado de forma positiva e negativamente, ao mesmo tempo (Thompson et al., 1995). No trabalho Colective memories of Portuguese Colonial Action in Africa, Cabecinhas & Feijó (2010), observam também esta ambivalência relativamente às memórias da colonização, que podem originar emoções opostas no mesmo participante.

Ambivalência. A palavra que me persegue enquanto ando pelo Dundo reencontrando a paisagem da minha infância. Ambivalência nas palavras dos antigos empregados, desejando que os portugueses regressem, sem ignorar por isso a preversidade do sistema colonial. Ambivalência em mim mesma, entre o desgosto pela política da Diamang e o amor pela terra que se desenvolveu sob a sua direção. Entre o desgosto pelo que desapareceu entretanto e a consciência de que o seu desaparecimento era inevitável. (Excerto do documentário)

Esta análise exploratória permitiu salientar que no filme Dundo, Memória Colonial estão muito presentes as experiências de infância da realizadora, nomeadamente no que se refere ao facto de ter testemunhado inúmeros episódios em que era evidente a segregação social e racial existente na altura. Por sua vez, no filme Adeus, até Amanhã, o realizador procurou reencontrar os espaços da sua infância, salientando o seu estado de abandono e destruição (“ruína magoada”). Com efeito, dependendo da faixa etária em que viveram processos migratórios, o olhar sobre a mesma realidade assume diferentes contornos, daí a necessidade de atendermos a essa multiplicidade de visões sobre as experiências do passado. Este trabalho revela a importância de recolhermos e analisarmos as memórias de indivíduos que viveram no período colonial, experiências essas que, no que concerne aos realizadores, marcaram decisivamente as suas identidades.

No documento Filmes falados (páginas 176-179)